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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

França: a persistente greve dos trabalhadores de saúde

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

O protesto de enfermeiros e demais trabalhadores na área de saúde na França espalha-se pelo país, contra os ataques do governo neoliberal de Emmanuel Macron ao serviço público.

As greves param mais de 200 centros de emergência em toda a França. Os enfermeiros e profissionais de saúde alertam contra a negligência nos hospitais públicos. Eles não querem interromper os serviços vitais, mas impedir que Emmanuel Macron acabe com eles.

A enfermeira Laurent Gleizes, 47 anos, que trabalha no sistema de hospitais públicos de Nice desde 1994, onde representa a Confederação Geral do Trabalho (CGT), diz que as condições nunca foram tão terríveis devido ao congelamento dos salários, superlotação, e a resistência dos pacientes contra o pessoal. Por isso, diz, entrou em greve na quarta-feira passada (17/06), juntamente com dezenas de colegas em centros de emergência nos quatro hospitais públicos de Nice, unindo-se a milhares de trabalhadores no país (no artigo “A Strike to Keep Us Working” – “Uma greve para nos manter trabalhando”, em tradução livre -, do jornalista Cole Stangler, na revista eletrônica Jacobin). “Estamos alertando a administração e o governo para a falta de apoio humano e material necessário para cumprir nossa missão de serviço público”. Muitos enfermeiros concordam – não só em Nice, onde cerca de um terço dos 200 funcionários de prontos-socorros do hospital público entraram em greve.

As greves também ocorrem em 203 centros de emergência em toda a França, como mostrou neste final de julho uma contagem do Comitê Coordenador Nacional dos Trabalhadores. É uma parte considerável dos 478 centros de emergência em toda a França. Eles mantêm o serviço funcionando parcialmente pois as chamadas leis de serviço mínimo proíbem a paralisação total do atendimento. Por isso muitos dos que se declaram oficialmente “em greve” na verdade param o trabalho por curtos períodos, garantindo que o atendimento não seja interrompido. Outros tiraram licença médica em protesto, enquanto outros ficaram no trabalho, mas demonstram sua solidariedade de diferentes maneiras: indo a manifestações, usando braçadeiras e assinando petições.

A onda de greves nos serviços de saúde cresce desde março, tornando-se uma forte dor de cabeça para Emmanuel Macron. Estas paralisações chamam a atenção para uma das questões políticas fortes na França: a defesa dos serviços públicos atacados como nunca ocorreu.

Há uma percepção generalizada de que a qualidade do atendimento diminuiu nos últimos anos. Em 2000, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou o sistema de saúde da França como o melhor do mundo, mas estudos recentes reavaliam aquela classificação. Um estudo de 2018 divulgado pela revista “Lancet” mediu o “acesso e a qualidade” dos serviços de saúde e colocou a França em vigésimo lugar, atrás do Canadá e de vizinhos como a Itália e a Espanha. O mais recente relatório anual “Euro Health Consumer Index” apresenta a França em décimo primeiro lugar entre os trinta e cinco na Europa. Este estudo leva em conta os direitos dos pacientes, o tempo de espera, os serviços e a prevenção.

Os grevistas atribuem o declínio da qualidade a uma razão muito simples: falta de dinheiro. Desde 2010, o governo tem procurado controlar os custos fixando a meta anual de crescimento do gasto com saúde em menos de 3%, enquanto crescem num ritmo mais acelerado – cerca de 4% ao ano -, refletindo o envelhecimento da população e o fato de que mais pessoas procuram atendimento. Mas, em vez de aumentar os recursos, o governo apertou os parafusos – forçando os hospitais a ficar com menos recursos e menos funcionários. Juntamente com o restante do funcionalismo público, os funcionários dos hospitais públicos não têm aumentos salariais desde fevereiro de 2017. O salário-base havia sido congelado por seis anos antes disso. Ao mesmo tempo, os funcionários do hospital enfrentam novas técnicas de gerenciamento para lidar com a crise. Agora têm planos de desempenho individualizados com metas específicas.

A tensão é muito palpável no local de trabalho, diz Stéphane Gauberti, líder da CGT que começou como assistente de saúde em Nice em 1993. “Hoje, estamos focados em orçamentos e contabilidade”, enquanto naquela época a atenção era o local de trabalho e a visão de saúde pública. “Não nos perguntávamos: Quanto isso vai custar?”

O movimento começou em um hospital de Paris em março. De janeiro a março houve, entre os funcionários do pronto-socorro do Hospital Saint-Antoine, em Paris, oito incidentes que levaram ao protesto – e o pano de fundo foram os longos períodos de espera e a falta de leitos para os pacientes. A greve rapidamente se espalhou para outros centros, e os ativistas criaram um coletivo para melhorar a coordenação: o Inter-Urgences.

Os funcionários dependem dos sindicatos para legalizar as greves, com apoio legal para as faltas ao trabalho. Eles coordenaram demandas e várias ações por meio do coletivo. Suas demandas centrais incluem aumento salarial de 300 euros, contratação de dez mil funcionários e o fim da prática de internação de pacientes em macas – que oorre quando não há leitos disponíveis. Em abril, cerca de 25 hospitais estavam em greve, a maioria em Paris. No início de junho, esse número chegou a 80 em todo o país. Em junho o ministro da Saúde, Agnès Buzyn, anunciou um bônus mensal de 100 euros para trabalhadores de pronto-socorro e prometeu recursos para mais contratações. Mas isso foi pouco. As greves cresceram e alcançaram mais de 130 serviços até o final de junho.

Os trabalhadores em greve também desfrutam da grande simpatia do público. Uma pesquisa da Odoxa no final de junho revelou que nove em cada dez franceses apoiavam a greve. É um apoio maior do que os Coletes Amarelos tinham no pico de seu movimento no final de 2018 ou dos trabalhadores ferroviários na primavera de 2017.

Esta aprovação pública não é uma surpresa para Gleizes. Para ela, trata-se de uma “batalha ideológica para manter um sistema financiado por contribuições sociais, e não apenas um sistema de seguro privado que penaliza as pessoas mais precárias”.

À medida que o movimento avança, uma questão fundamental é se o governo fará novas concessões. Mas não importa o resultado final – é um lembrete de que a ação coletiva está viva na França, mesmo sob Emmanuel Macron. Os sindicatos se preparam para uma dura batalha sobre o aumento proposto pelo governo, neste outono, na idade de aposentadoria. Esta greve pode encorajar e fortalecer a luta contra os ataques à aposentadoria.


por José Carlos Ruy, em tradução livre, com base no artigo “A Strike to Keep Us Working” (“Uma greve para nos manter trabalhando”) do jornalista Cole Stangler, na revista eletrônica Jacobin | Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV (Fonte: Jacobin)/ Tornado


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