As novas tecnologias na internet, como a Big Data, estão sendo utilizadas com fins de manipulação e influência política dos participantes das redes sociais, colocando este tema como um dos grandes desafios contemporâneos da democracia. Não são poucos os casos do uso de robôs, de perfis falsos e das fake news na internet, a partir do acesso ilegal a dados sigilosos dos usuários, com o objetivo de cooptar eleitores e moldar comportamentos, em campanhas eleitorais pelo mundo.
Na última sexta-feira (16), por exemplo, o Facebook suspendeu a consultoria Strategic Communication Laboratories (SCL) e de sua respectiva empresa de análise política de dados, a Cambridge Analytica, em razão de terem patrocinado uma das maiores fraudes da história da internet e violado a política de privacidade da plataforma. A Cambridge Analytica obteve dados sigilosos de cerca 50 milhões de usuários do Facebook e manipulou tais informações para ajudar a eleger Donald Trump, na corrida presidencial norte-americana de 2016.
O jornal britânico The Guardian afirma que a Cambridge Analytica atuou, na campanha de Trump, por meio da análise dos dados dos usuários da referida rede social, com o objetivo de criar um software capaz de influenciar e de prever a escolha dos eleitores. O Facebook acusou a empresa, inclusive, de ter arquivado dados dos usuários, por anos, e de ter mentindo a respeito da destruição dos mesmos.
No mesmo ano, a Cambridge Analytica também participou do plebiscito sobre a permanência ou não do Reino Unido na União Europeia. A empresa de análise de dados esteve engajada do lado vitorioso, que aprovou o chamado Brexit. Essa mesma empresa esteve no Brasil negociando a participação na campanha eleitoral deste ano para candidatos ricos e da direita. Já há informações que casos semelhantes aconteceram durante a tentativa de golpe na Turquia e na campanha presidencial de Mauricio Macri, na Argentina, para citar os mais rumorosos.
No Brasil, há indícios do uso, em menor escala, de perfis falsos nas campanhas eleitorais mais recentes. O uso dessas ferramentas de manipulação da internet, também estiveram presentes no fomento e direcionamento das manifestações de 2013, que ocorreram no mesmo momento da tentativa de golpe na Turquia. Episódio que ainda carece de uma análise mais profunda por parte dos especialistas. E, seguramente, atuaram fortemente no processo do golpe de 2016, que afastou a presidenta Dilma, sem que ela tenha cometido crime de responsabilidade.
Mais recentemente, essa mesma estratégia, do uso de robôs e perfis falsos para difusão de fake news dentro de uma bolha de usuários segmentados, foi utilizada, de forma covarde, para tentar difamar a vereadora Marielle Franco, brutalmente assassinada no Rio de Janeiro. Além de contribuir para o avanço da cultura do ódio e da intolerância entre as pessoas, a violação de dados na internet caracteriza-se como agressão ao princípio constitucional do sigilo das comunicações e como grave ameaça à democracia.
Munidos de informações pessoais estratégicas, empresas especializadas são capazes de segmentar os participantes das redes e influenciar estes grupos sociais por meio de mensagens direcionadas. O perfil de um determinado candidato pode, por exemplo, mapear opiniões, segmentar eleitores e mandar mensagens específicas para essas pessoas, reforçando aquilo que elas pensam, gerando um procedimento oculto e o desequilíbrio de forças na disputa democrática. Essa mesma estratégia é utilizada por movimentos ou grupos em favor ou em detrimento das mais diversas causas, na ampla maioria das vezes, são expressões de valores retrógrados e associadas aos interesses do grande capital financeiro globalizado. Trump que o diga.
No pior dos cenários, constata-se o uso de perfis falsos e de robôs no ataque direcionado a pessoas, a reputações e a ideias, a partir do acesso irregular a dados pessoais, por meio da difusão de informações mentirosas, as fake news. Há, hoje, uma série de plataformas especializadas em patrocinar esse tipo de ação contra adversário políticos, sem que seja assegurado pela Justiça brasileira o direito imediato de defesa e a reparação de danos.
É evidente que a internet deve ser um ambiente livre, em que seja irrestrita a pluralidade dos pensamentos e das opiniões. O que não se pode permitir é que práticas notadamente ilegais manipulem e ameacem a democracia, com a deturpação direcionada dos fatos, com o claro objetivo de reforçar opiniões já consolidadas em usuários, a partir da circulação de informações mentirosas nas redes.
Nesse sentido, qualquer debate sobre a democratização e a regulação dos meios deve, necessariamente, considerar a questão da violação de dados e das fake news. Todos devem ter o amplo direito de defesa e de reparação de danos, quando for o caso. Por isso, com o aumento da velocidade de circulação das informações, imposto pela internet, o legislativo e o poder judiciário têm diante de si um complexo desafio, que é o de assegurar mecanismos ágeis e eficientes de direito de defesa, de direito de respostas e reparação de danos contra as calúnias e a difamações, no tempo adequado. Este direito é indispensável e urgente para o processo eleitoral de 2018.
Da mesma forma, todo e qualquer movimento de ataque e de censura à mídia independente, sob o falso pretexto de coibir a circulação e a produção de fake news, deve ser combatido. A mídia independente chegou para ficar e foi responsável por dar, ainda que de forma limitada, uma oxigenada na pluralidade de pensamentos e de opiniões, antigamente um monopólio exclusivo da mídia tradicional e extremamente concentrada no Brasil.
A liberdade de expressão, a pluralidade do pensamento e o acesso a fontes de informações diversificadas e independentes são essências para a experiência democrática. Esses princípios não podem ser ameaçados em razão de práticas condenáveis como a violação de dados e as fake news, que devem ser combatidas por instrumentos jurídicos dentro da própria democracia e assegurando a mais ampla liberdade de expressão.
Por isso, é, cada vez mais, primordial que nossa sociedade avance na democratização e na regulação da mídia. Uma regulação que repudie de forma veemente qualquer tentativa de censura, que não aceite medidas para sufocar financeiramente os meios independentes, que garanta o princípio da neutralidade da rede, o caráter público e irrestrito do acesso à internet, a pluralidade pensamentos, de opiniões, o amplo direito de defesa, o direito ao contraditório e a reparação de danos contra as calúnias e a difamações. Vida longa à mídia independente! Ela é, aqui, também o principal canal para este debate e para a defesa da democracia!
Por Aloizio Mercadante, Economista, professor licenciado da PUC-SP e Unicamp, foi Deputado Federal e Senador pelo PT (SP), Ministro Chefe da Casa Civil, Ministro da Educação e Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação | Texto original em português do Brasil
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