Neste vagalhão de fatos e notícias que só causam tristeza, revolta ou vergonha, a aprovação da PEC que prorroga o Fundeb pela Câmara é algo a celebrar. Um clarão na noite escura. Agora será permanente a cota da União no financiamento do ensino fundamental e médio, e também do ensino infantil, que antes não era coberto pelo fundo.
A cota federal passará, até 2026, dos atuais 10% do gasto total para 23%, em escala progressiva. Melhor ainda: a sanha de Bolsonaro para vetar decisões legislativas não poderá alcançar uma emenda constitucional. Caberá ao Congresso promulga-la, logo que o Senado fizer sua parte.
Para um governo que tentou por todos os meios sabotar a prorrogação do Fundeb, foi uma derrota escorchante. Durante um ano e meio, os ministros da Educação de Bolsonaro fugiram de qualquer debate com o Congresso sobre o assunto. Assim foi com Vélez, assim foi o Weintraub, o de triste memória. Agora, com a proximidade do final do ano, quando o fundo deixaria de existir, e o risco de um colapso no sistema público de ensino, a Câmara se colocou em movimento para a aprovar o texto da relatora, deputada Dorinha, uma professora da rede pública de Tocantins, que mesmo sendo do conservador DEM, teve seu trabalho aprovado por todos, da esquerda ao Centrão, exceto pelos sete bolsonaristas que votaram contra.
Com a votação marcada para esta segunda-feira, no sábado o governo apareceu com uma proposta. Toparia a renovação mas só para 2022. Grita geral. O buraco em 2021 traria o caos. Hoje o Fundeb banca cada R$ 4 dos R$ 10 aplicados nos ensinos fundamental e médio.
Depois vieram com outra. Topariam a elevação de 10% para 20%, como proposto pela relatora, mas 5% teriam que ir para o novo programa social, o Renda Brasil, um Bolsa-Família ampliado. Era Guedes querendo abrigar dentro da PEC, que por ser fundo constitucional está fora do teto de gastos, recursos para o programa que Bolsonaro quer faturar na reeleição, em 2022. Diante do rechaço, vieram com mais outra: a destinação de 5% a um programa a vauchers que seriam destinados aos beneficiários do Renda Brasil, para a compra de vagas em creches particulares. Novo rechaço. Finalmente, o general Ramos entrou em campo para garantir um lugar para o governo no trem que estava pronto para partir.
O expediente foi o mesmo usado na aprovação do programa emergencial para garantir renda a informais e desassistidos durante a pandemia. Guedes havia falado em R$ 200,00 mas nem apresentara projeto. A oposição de esquerda puxou a fila e o Congresso se mobilizou para aprovar uma ajuda de R$ 500. Com tudo pronto para a votação, Bolsonaro entrou em campo e colocou mais 100,00, chegando aos R$600. Pegou carona e agora fatura, ganhando pontos entre os mais pobres, compensando a perda de apoio entre os de maior instrução e renda. Para o senso comum, quem paga é que merece a gratidão.
Bolsonaro vai tentar faturar também o Fundeb. Cabe à oposição refrescar a memória coletiva o tempo todo.
O governo era contra. A vitória foi dos partidos e parlamentares que batalharam pela aprovação da emenda, dos movimentos em defesa da educação, dos governadores que se empenharam (20 assinaram uma carta, outros cruzaram os braços), das entidades representativas do magistério, de uma grande corrente da sociedade que se mobilizou nos últimos dias para garantir a manutenção e melhora do ensino público e gratuito. Para as famílias pobres, uma vitória especial, com a inclusão do ensino infantil, praticamente inexistente na rede pública. A classe média paga o pré-escolar para seus filhos na rede particular. Os pobres, não têm opção. Sabemos todos o quanto é importante a escolarização nesta fase para o desenvolvimento cognitivo das crianças. O desempenho das que passaram pela pré-escola é sempresuperior ao das que são matriculadas apenas aos 7 anos de idade.
No final, todos os partidos cravaram “sim” no placar eletrônico. Apenas sete bolsonaristas votaram contra, mesmo com a capitulação do governo. Marcaram posição, enquanto os ativistas pregavam “Fundeb não” nas redes sociais. Os sete não podem ser esquecidos: Paulo Martins (PSC-PR), Bia Kicis (PSL-DF), Chris Tonietto (PSL-RJ), Filipe Barros (PSL-PR), Junio Amaral (PSL-MG), Luiz P. O. Bragança (PSL-SP) e Márcio Labre (PSL-RJ).
Destaque também para o partido Novo, que esteve alinhado ao bolsonarismo e ainda lhe prestou um favor. Guedes já havia se insurgido contra a garantia de aplicação mínima de 70% dos recursos em pagamento de professores. Ele detesta funcionários públicos, não é mesmo? Mas foi com o Fundeb que muitos estados puderam melhorar os salários de professores e passaram a pagar o piso. Com professor mal pago e desmotivado não se melhora a educação. O veto de Guedes não colou mas o partido Novo apresentou destaque tentando derrubar a cota mínima fixada no texto base. O destaque foi rejeitado.
Nestas horas, quando o Parlamento diz que existe e mostra sua força, compreendemos melhor seu valor na democracia.
Votações à distância não têm o mesmo calor de um plenário cheio. Talvez por isso o PT não tenha conseguido enfatizar como devia o fato de que o Fundeb é um legado do primeiro governo Lula. Foi concebido por Fernando Haddad em 2006, a partir do Fundef, mais limitado, criado no governo de FHC. A continuidade das boas políticas públicas, com os governos aperfeiçoamento as já existentes, é condiçãopara o desenvolvimento. Mas Bolsonaro mesmo já disse que veio para destruir, como tem feito com tantas outras. Pelo menos em relação ao Fundeb, perdeu.
Texto original em português do Brasil
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