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Terça-feira, Novembro 5, 2024

O funil por onde escorre a democracia

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

Do Avesso

Porque a Democracia tem um lado reclinável, bocejado, conformista que permite quase tudo, está a tornar-se moda dizer que ela está esgotada, que não é um sistema fiável, que pode muito bem estar ultrapassado e que é necessário arranjar-lhe sucessor.

Imagine-se os anos que foram precisos para que os inimigos da Democracia conseguissem adeptos para estes pensamentos, estas frases e estes ideais! A raiva, essa, sempre esteve latente. Nunca perdoaram não ter as rédeas na mão e agora rejubilam, palavra que não dominam pois normalmente não são grandes adeptos da cultura.

Para se chegar a este patamar, foi-se erradicando a cultura, omitindo a história e aplicando-lhe cosméticas, foi-se minando a memória e criando um sistema que, por permissivo, não se sabe defender.

O primeiro passo dos não democratas é agitar bandeiras de populismo, algumas mais ou menos folclóricas de nacionalismo, exibindo máscaras que tapam o fascismo dos rostos e dos gostos.

Se olharmos com imparcialidade para os países do mundo, veremos o que se passa naqueles onde a Democracia, negada, não tem espaço. São países do genocídio, da ditadura, do medo, do terror, das guerras mais fratricidas, dos cárceres, da perseguição, dos bufos, da falta de respeito pelo próximo e pelo mundo (essa casa comum que a falta de democracia tem levado ao colapso).

A Democracia é um sistema de participação contínua, de todos – e a preguiça, mãe dos vícios, faz com que voltemos costas e deleguemos a sorte das nossas vidas naqueles que, em nosso nome, nem sempre nos conhecem. Como nos cartazes turísticos, o povo aparece às cores. Como na vida, os povos são a tristeza que permitem ou que lhes é imposta.

Falamos hoje cada vez mais de nacionalismos. Se olharmos para o que se passou no mundo nos últimos 300 anos, não mais, verificaremos que na passagem do século XIX as nações ainda nem sequer têm história. Todas as narrativas que as sustentam são incompletas – mesmo naquelas que já identificaram os seus antepassados. É quase ridículo ver o século XXI às voltas com a sua identidade. Como se cada Nação pudesse viver sozinha, com o seu folclore autónomo, a sua moedazinha, os seus caprichos, a sua inútil produtividade sustentada, e desligada do que é global.

Falamos também, neste raciocínio, do Glocal, uma forma nova de entender o local como parte sustentável no Global e vice-versa. Mas não aceitamos que o local se substitua o Global, na medida em que o mundo não é mosaico de partículas instáveis mas uma causa/casa a preservar em coletivo. É claro que esta é uma ideia Democrática. E por mais que custe aceitá-la, o combate pela Liberdade está ainda apor começar.

Uma visão imparcial do passado mostra-nos como o que se passou na nossa História nos causou tantos danos e feridas.

O olhar para o presente mostra-nos as chagas abertas e a carência de utopias renovadoras.

O olhar para o futuro imediato prevê o combate ainda impreparado entre os liberais progressistas e, do outro lado, os defensores de políticas nacionalistas e exclusivistas, que falam dos seus medos, da invasão dos estrangeiros ou de guerras religiosas que são sempre movidas por interesses nunca religiosos.

São esses os herdeiros de Berlusconi na direita italiana que agora têm presente um não menos assustador e inquietante populismo de esquerda denominado Movimento Cinco Estrelas (M5S encabeçado pelo humorista Beppe Grillo); o populista Partido do Progresso na Noruega; o Partido da Liberdade austríaco; o movimento de rua anti-islâmico “Pegida”, ou a Alternativa para a Alemanha (AfD), um partido populista de direita liderado por Frauke Petry; também Marine Le Pen, a “defensora dos valores franceses”, valores que, para ela, não são a liberdade, a igualdade e a fraternidade mas o chauvinismo, a xenofobia, o racismo; ou o populista anti-euro e anti-islâmico, Geert Wilders; ou o ainda pequeno nazi Donald Trump, entre todos.

Portugal tem por enquanto uns gritos dissonantes, e ex-governantes de direita a choramingar com saudades do poder, mas a sua fraqueza atual não nos garante segurança, até porque o tom antidemocrático já anda intensamente por aí, basta espreitar-se as redes sociais onde pequenos hitleres, mussolinis atarracados e miniaturas de franco querem ser, nostalgicamente, espevitando e promovendo a sua repugnante necrofilia, na ânsia da reencarnação da bacoca figura de Santa Comba.

É este o funil por onde escorre a Democracia – a pior de todas as formas de governo, com exceção de todos os outros, lá o disse Churchill, que no século XXI é figura desconhecida.

A memória é curta. E a carne fraca.
Ou, sem ironia, temos muito combate pela frente.

Por opção do autor, este artigo respeita o AO90

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