A propósito da turbulência em torno do Gabinete do Ministro das Infraestruturas, julgo que se justificarão algumas notas sobre a problemática dos gabinetes dos membros dos governos.(i)
Assim:
- o pessoal dos gabinetes não pertence ao Governo;
- desempenha funções políticas e técnicas de apoio;
- enquadra-se numa relação de especial confiança;
- deve ter algum cuidado com a organização da informação e está sujeito a sigilo.
O pessoal dos gabinetes não pertence ao Governo
Já vi, infelizmente, órgãos de comunicação social referirem-se a muitos antigos adjuntos de gabinete como tendo pertencido ao Governo x ou y.
Será que o termo “adjunto” convida à confusão?
Temos visto por aí “Ministros adjuntos do Primeiro Ministro”, “Secretários de Estado adjuntos” dos Ministros, Subsecretários de Estado adjuntos” .
A melhor forma dos adjuntos de gabinete nomeados se identificarem, inclusive em cartões profissionais, prevenindo confusões …ou tentações…é Fulano de tal, “Adjunto do Gabinete de…”
Quando o inefável Frederico, adjunto do gabinete do Ministro Galamba, foi exonerado por este último, metade dos órgãos de comunicação social referiam-se a Frederico como ex-assessor.
No entanto não se tratava de um ex-assessor, mas de um ex-adjunto de Gabinete. Muito embora no quadro legal anterior muitas vezes fossem frequentemente nomeados “assessores” quase que como adjuntos supranumerários, a designação legal e no recibo de vencimento é “técnico especialista.”(ii)
Desempenha funções políticas e técnicas
O desempenho de funções políticas está claramente assumido na actual lei dos Gabinetes dos membros do Governo.
Repare-se que não está previsto, nem por delegação, o exercício de funções decisórias no âmbito da função de órgão superior da Administração Pública cometida constitucionalmente ao Governo.
No entanto está prevista no actual enquadramento legal e é considerada normal:
- “A participação em comissões ou grupos de trabalho por indicação do membro do Governo”;
- “A participação, em representação do Governo, em conselhos consultivos, comissões técnicas de acompanhamento ou de fiscalização ou outros organismos colegiais previstos na lei”
O enquadramento legal anterior, vigente entre 1988 e 2012, previa que nos gabinetes ministeriais pudessem ser designados conselheiros técnicos para acompanhamento de assuntos interdepartamentais(iii).
Cabe-me dizer que considero perfeitamente natural que o Ministro João Galamba tenha nomeado adjunto do seu Gabinete o Frederico adjunto do Gabinete do seu antecessor Pedro Nuno Santos, que neste acompanhava os assuntos da TAP.
Se as escolhas foram ou não sensatas, não saberia dizê-lo.
Enquadra-se numa relação de especial confiança
O enquadramento legal anterior dos membros do Governo valorizava a existência de uma relação de especial confiança entre o membro do Governo e os membros do Gabinete por si escolhidos que no caso do / da Chefe de Gabinete, dos / das adjuntas / os, dos secretários / as pessoais, casos em que mesmo no actual quadro legal o membro do Governo tem uma total latitude quanto à nomeação ou exoneração.
Não está aqui em causa uma relação de confiança política por parte do Governo, ou da equipa política do Ministério, mas sim uma relação que se estabelece entre o membro do Governo e cada um dos que nomeia. O Ministro não está necessariamente sintonizado com o Primeiro Ministro, ou se o está num momento não o estará necessariamente a prazo, os seus fieis “incondicionais” são um chefe de gabinete, cinco adjuntos e quatro secretários pessoais, o Secretário de Estado idem em relação ao Ministro, os seus fiéis são um chefe do Gabinete, três adjuntos e dois secretários pessoais.
O Subsecretário de Estado tem direito a um Chefe de Gabinete, um adjunto e um secretário pessoal o que é francamente pouco, mas, que eu tenha reparado, também não há Subsecretários de Estado. Pior estará um Ministro sem Secretários de Estado, como sucedeu ao Ministro da Ciência e Tecnologia de António Guterres que viu mal acolhida a sua pretensão de enviar o seu chefe de gabinete aos Conselhos de Secretários de Estado.
Saliente-se que os membros dos gabinetes não têm de ser membros do partido ou partidos do Governo ou sequer ter votado neles. Mas têm de ter um profundo conhecimento e sensibilidade em relação aos programas de Governo, às políticas públicas e ao que em particular o “seu” membro do Governo propõe e defende e evitar comportamentos que o ponham em causa ou, se for o próprio membro do Governo a colocar-se em risco, ter a capacidade de o alertar.
Acresce que as observações e reparos do membro do Governo que os escolheu devem ser acolhidos com respeito, ainda que injustos ou infundamentados, aliás é-lhes sempre possível pedir a exoneração.
Quer isto dizer que quando um adjunto de Gabinete ouve do seu membro do Governo, ainda que pelo telefone “Acabou!” não lhe é lícito voltar ao antigo local de trabalho seja a que pretexto for, sem pelo menos o acordo do seu chefe de gabinete.
E se volta e faz escândalo isso não pode ser utilizado para despedir os dois, uma vez que de futuro teríamos ministros e secretários de Estado condicionados na formação dos seus gabinetes e na sua capacidade de acção.
A “protecção” de António Costa ao demissionário João Galamba parece-me, nesse contexto, justificada mas terá provavelmente o efeito indesejável de tornar o ministro um yes-man semelhante a Medina. Se é que não o era já.
Deve ter algum cuidado com a organização da informação e está sujeito a sigilo
Ainda não percebi hoje em dia que normas estão em vigor em relação à documentação produzida nos gabinetes de membros do Governo.
Não são certamente as dos Estados Unidos em que Trump resolveu, disse, desclassificar uns documentos e levá-los para casa, e anda agora tudo pelos tribunais.
Não são talvez as de Paulo Portas que terá fotocopiado – o próprio o terá dito – vasta documentação sobre a aquisição dos célebres submarinos, mas o facto é que o anúncio não teve consequências.
E será lícito a um membro do Governo que está de saída mandar destruir os arquivos do seu Gabinete ou pelo menos a parte relativa à função política da actividade do seu Gabinete?
E, ainda, será lícito a um membro do Governo que acabou de entrar mandar destruir as actas de uma comissão interdepartamental criada por despacho do seu antecessor imediato, publicado em Diário da República, e coordenada por um adjunto de Gabinete deste?(iv)
Se isto sucede com documentos formais, o que dizer sobre notas manuscritas e papeis de trabalho? Ou com o seu equivalente em apontamentos de computador?.
Não direi que não percebo os dilemas do inefável Frederico.
Entretanto, e a final, cabe recordar a existência do sigilo profissional dos membros dos gabinetes.
O qual, no meu modo de ver, visa proteger os direitos do membro do Governo que os nomeou.
E que pode, também no meu modo de ver, ser dispensado por este, ainda que já não em funções, ou pelos tribunais.
Mas que não deve deixar de ser invocado(v).
Os Gabinetes como Carreira de Futuro
Entretanto toda a gente quer ter gabinetes: presidentes de câmara, reitores. É ´sinal de ascensão social ter um gabinete.
Já contei aqui como presidentes de órgãos de sindicatos mandavam as funcionárias dos secretariados escrever aos associados segundo as fórmulas que liam na correspondência governamental “Encarrega-me o Senhor Presidente….”.
Mas essas são outras conversas.
Notas
(i) Durante muito tempo os gabinetes dos membros do Governo regeram-se pelo Decreto-Lei nº 263/88, de 23 de Julho, de um dos governos de Cavaco Silva, substituído ao pelo Decreto-Lei 11/2012, de 20 de Janeiro do Governo Passos Coelho, sendo que o último invoca ter acolhido recomendações do Tribunal de Contas.
(ii) Fui durante cerca de um ano adjunto do Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais António Carlos dos Santos, em regime de nomeação, e num Governo posterior, também durante cerca de um ano, “assessor” do Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Carlos Lobo, em regime de requisição aos serviços de apoio ao Tribunal de Contas, de cujo quadro era auditor.
(iii) Exerci funções como Conselheiro Técnico do Gabinete do Ministro das Finanças António de Sousa Franco para assuntos decorrentes das Resoluções do Conselho de Ministros nº 100/96 e nº 40/98 , relativas a empresas em situação difícil, e nesse contexto fui representante do Ministério das Finanças no GACRE – Gabinete de Coordenação para a Recuperação de Empresas e numa fase inicial na AUDITRE – Unidade de Auditoria para a Reestruturação Empresarial.
(iv) E será lícito a este adjunto de gabinete conservar na sua posse uma cópia destas actas?
(v) Sucedeu-me num processo judicial movido por um clube de futebol contra um jornalista, invocar também o sigilo. Explicado à juíza que não se tratava do vulgar sigilo de funcionário público, nem do sigilo fiscal, mas do sigilo de membro de um gabinete de membro do Governo, lá foi o dito levantado.