Quinzenal
Director

Independente
João de Sousa

Quarta-feira, Dezembro 25, 2024

Uma garrafa de vinho para Deus

Eduardo Águaboa
Eduardo Águaboa
Escritor, Ensaísta, Comentador político especializado em ideias gerais

garrafa-de-vinho

 

A namorada que eu não tenho convidou-me para um copo no Bar dos Canalhas.

E convenceu-me:
– Estes braços desejam abraçar-te numa dança.

Eu, que sou um gajo fácil, disse logo que sim.

Pelo caminho perguntou-me se sabia o que os belgas pensavam sobre a Bélgica!?

Queria lá eu saber, estava apenas concentrado nos portugueses…que os portugueses, a avaliar por mim, só pensam em danças africanas e que esta noite está por lá uma banda angolana que me havia de colar ao corpo da namorada que não tenho, sem necessidade de conversas. Não era mesmo isso que ela queria? Os belgas? Esses só pensam em batatas fritas, estátuas a mijar e em chocolates.

Bem, conversa para aqui, conversa para ali, a jovem estava convencida que estávamos perto da Páscoa…!!!
-É o dia da Libertação, da Ressurreição, o dia «meu amor» que vamos também beber uma garrafa de vinho em nome de Deus para lhe agradecer. E mandar-lhe uma para Ele, o que achas?

Vinho com sabor a Liberdade! Soou-me bem. Aliás, tudo o que ela me diz soa-me bem.
E não pensei mais nisso, é que pensar acentua as rugas. Disse que sim a tudo.

A namorada que eu não tenho gosta de me oferecer alívios e pôr-me a cantarolar alegrias que eu, também…não tenho.

Então, a namorada que eu não tenho honra-me com os seus tudos, tem uma boina basca bordeaux e eu não sei de onde lhe vem tanta inspiração.
Gosto de pensar que vem de mim.

Porém, para jantar, pediu Frango à Paneleiro!
Perguntei-lhe a razão!?
– Sei lá! Lembrei-me de ti…confesso sem pensar muito. Satisfeito?

Passei o jantar a traduzir-lhe prosa francesa pouco decente para que da próxima pensasse melhor.
Como dizia Eugénio de Andrade «ama-se e odeia-se com as mesmas palavras».

Resolvida a questão, mal a banda começou a tocar lá fomos para a pista, por lá dançámos, por lá nos libertámos até que às tantas, por palavras nervosas, lá lhe disse que tinha a minha cama por fazer…

Ela percebeu, porque me ama muito, só pode, a até deu corda à ideia:
-Vamos, vamos, que as camas não podem esperar, ficam velhas em pouco tempo.

Quase a correr saímos do Bar, não sem antes, a namorada que eu não tenho, ir ao balcão pedir a melhor garrafa de vinho para mandar a Deus.

Sem mácula, sem pecado original ou outro.
Só aquele núcleo de bondade humana que ainda resta em nós.

Nota do Director

Os artigos de Opinião apenas vinculam os respectivos autores.

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -