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Domingo, Dezembro 22, 2024

Gdeim Izik: 10 anos depois Marrocos aperta o cerco

Isabel Lourenço
Isabel Lourenço
Observadora Internacional e colaboradora de porunsaharalibre.org

Passaram 10 anos desde que a 8 de outubro de 2010, um pequeno grupo de cidadãos saharauis nos territórios ocupados do Sahara Ocidental ergueu as suas tendas no deserto a aproximadamente 13 km de El Aaiun, capital do Sahara Ocidental, num lugar chamado Gdeim Izik.

Hoje passados 10 anos deste grito de pedido de ajuda e alerta à comunidade internacional nada mudou. Guterres, Secretário Geral das Nações Unidas, que gosta de ser visto como um dos motores da independência de Timor Leste, nada faz pelos Saharauis, ignorando as mais de 5 dezenas de resoluções das Nações Unidas que nunca foram postas em prática e que defendem a autodeterminação do povo saharaui, como é seu direito legitimo.

Dez anos passados assistimos nos últimos dias a uma cerco e perseguição feroz da população saharaui pelo ocupante ilegal marroquino. A situação tornou-se de tal forma insustentável que os saharauis dizem “ vivemos num campo de concentração!”.

Para além da perseguição feroz dos saharauis nos territórios ocupados assistimos também, a um novo protesto não violento, desta vez do lado Saharaui, em El Guergarat. As autoridades de ocupação marroquinas abriram uma brecha ilegal neste lugar que serve essencialmente para a passagem dos recursos naturais pilhados do Sahara Ocidental e para o narcotráfico cujos proveitos se repartem entre Marrocos e os grupos terroristas do Sahel. (A razão dos saharauis estarem a organizar um acampamento na área de El Guergarat)

São centenas de Saharauis que estão a estabelecer um acampamento em El Guergarat vindos dos campos de refugiados, da Mauritânia e dos territórios libertados. Hoje como há dez anos atrás gritam “BASTA!”.

Basta de ocupação, de assassinatos, de desaparecimentos forçados, de tortura, de roubo dos recursos naturais, de empobrecimento forçado, de negligencia medica intencional, de roubo de identidade cultural, de imposição da nacionalidade marroquina. Basta de lento genocídio do povo saharaui. Basta de cumplicidade das Nações Unidas e da União Europeia.

Hoje passados dez anos, Marrocos continua a torturar os presos políticos, continua a fazer julgamentos farsa, perseguindo todos aqueles que lutam e defendem de forma não violenta o seu direito consagrado no direito internacional.

Hoje passados dez anos, estamos a escassos dias de mais uma reunião do Conselho de Segurança (CS) que debaterá mais uma vez o prolongamento do mandato da MINURSO, mandato esse que não é cumprido desde a sua criação em 1991 devido aos obstáculos impostos por Marrocos e o apoio incondicional de France, membro permanente do CS.

Hoje dez anos passados os Saharauis já não acreditam em nada do que as Nações Unidas dizem:

São promessas sem fim, anos sem fim de espera e sofrimento. Como podemos acreditar numa organização que envia uma missão de paz que não nos protege e que passa o tempo na praia, nos hotéis, nos bares, nos cafés? Funcionários das Nações Unidas que vêm o nosso sofrimento e nada fazem? Como podemos acreditar em países como França que diz que é a pátria dos direitos humanos mas se opõe à inclusão dos direitos humanos no mandato da MINURSO? Como podem ser contra a protecção de uma população indefesa??? Qual o argumentos? De que têm medo? Os marroquinos nunca nos irão deixar fazer o referendo, têm medo! Mas não pensem que nos vamos render! Cada dia que passa estamos mais unidos e iremos ser livres com a ajuda internacional ou sem a ajuda internacional!”.

 

O que foi Gdeim Izik

A 8 de outubro de 2010, um pequeno grupo de cidadãos saharauis nos territórios ocupados do Sahara Ocidental ergueu as suas tendas no deserto a aproximadamente 13 km de El Aaiun, capital do Sahara Ocidental, num lugar chamado Gdeim Izik.

Essa acção que era um sinal de protesto tinha uma mensagem clara: basta!

Chega de ocupação brutal, o apartheid econômico, social e político que se traduz em empobrecimento forçado, desemprego, racismo, falta de liberdade básica e nenhum respeito pelos direitos humanos pela ocupação marroquina.

A este punhado de tendas e homens rapidamente se juntaram milhares de homens, mulheres, crianças, idosos, todos ansiosos por protestar de maneira não violenta e, ao mesmo tempo, viver juntos nas suas tendas como os saharauis vivem há séculos. A tenda é uma das expressões máximas da sua identidade e proibida pelas autoridades de ocupação marroquinas.

O enorme acampamento estava cheio de saharauis vindos de todo o Sahara Ocidental ocupado.

O acampamento Gdeim Izik foi a sua forma de pedir ajuda ao mundo, exigindo respeito pelos seus direitos humanos, sociais e econômicos mais básicos. Um grito dirigido ao mesmo mundo que intencionalmente ignora a situação do povo saharaui desde 1975 e que assiste em silêncio ao lento genocídio deste povo.

Mas ninguém se mexeu. A MINURSO (Missão de Paz no Sahara Ocidental das Nações Unidas) ficou imóvel sem levantar um dedo para proteger as dezenas de milhares de saharauis.

No dia 12 de outubro, caminhões armados, helicópteros e veículos militares começaram a circular na área do acampamento e a construir bloqueios de estradas e pontos de controle ao redor do acampamento.

Acampamento cercado

Mais tarde, um muro de areia foi construído ao redor do acampamento, para que os saharauis estivessem novamente sob total controle e cerco.

As forças armadas marroquinas apertaram cada vez mais o acampamento e a situação humanitária dos manifestantes saharauis tornou-se cada vez mais preocupante, o fornecimento de alimentos pelos carros saharauis foi cortado várias vezes pelo exército marroquino e foram relatadas várias intervenções violentas pelas forças de segurança marroquinas.

A 24 de outubro, o exército marroquino abriu fogo contra um veículo que tentava entrar no acampamento com comida. Nayem Elgarhi, criança saharaui de 14 anos, morreu no local. Até hoje o local do enterro de Nayem é desconhecido. Nayem foi enterrado em segredo pelas autoridades marroquinas, que não permitiram que a família da criança visse o corpo ou estivesse presente no enterro. Nenhuma autópsia foi realizada em mais uma das centenas de milhares de mortes dos saharauis que morreram às mãos das forças de ocupação marroquinas. Nenhuma ação foi tomada pela ONU, o mundo continuou em silêncio.

Os manifestantes saharauis não se mexeram e continuaram em Gdeim Izik, embora as tensões fossem elevadas. O comitê de diálogo de Gdeim Izik permaneceu em negociações com as autoridades de ocupação marroquinas.

Em 26 de outubro, ambas as partes concordaram em realizar um censo dos manifestantes como ponto de partida para começar a alocar mais tarde alguns benefícios relacionados à habitação e postos de trabalho.

A 6 de novembro, foram montadas tendas perto do campo com o objetivo de iniciar o censo na segunda-feira seguinte, 8 de novembro. Mas, mais uma vez Marrocos traiu o que assinou.

Nas primeiras horas de 8 de novembro de 2010, os militares marroquinos invadiram o grande campo de protesto saharaui. O campo foi destruído, centenas foram presos e torturados. Os manifestantes saharauis foram alvejados com balas de borracha, gás, cassetetes, canhões de água etc. Eles não tinham meios de defesa.

Os manifestantes foram forçados a deixar o acampamento a pé, de carro ou alguns, por uma quantidade reduzida de autocarros solicitados pelo exército marroquino no dia anterior à empresa OCP (empresa de fosfato). Ao mesmo tempo, houve tumultos nas ruas em várias cidades do Sahara Ocidental. Os manifestantes dirigiram a sua raiva contra os símbolos marroquinos. Os saharauis começaram a barricar ruas com tijolos de cimento, pedras e pneus de borracha incendiados. Confrontos com as forças de segurança e colonos marroquinos entraram em erupção.

Confrontos com as forças de segurança e colonos marroquinos

As forças marroquinas começaram a invadir casas, destruir propriedades, torturar indiscriminadamente e prender centenas. As crianças saharauis nas escolas foram alvo de maus tratos e perseguição.

Nas semanas que antecederam o colapso de 8 de novembro, Marrocos já tinha impedido o acesso de políticos estrangeiros, ONGs e meios de comunicação ao acampamento, criando um apagão total da informação. No entanto, as filmagens foram feitas por Saharauis e António Velasquez (mexicano) e Isabel Terraza (espanhola), que estavam escondidos dentro do acampamento e depois várias semanas em El Aaiun, temendo pela vida.

Temendo pela vida

Durante e após o dia 8 de novembro de 2010, muitos saharauis foram presos e detido por muito mais tempo do que o tempo máximo que alguém pode ser estar preso sem ser acusado, de acordo com o código penal marroquino. Eles acabaram por ser postos em liberdade condicional ao longo do tempo, muitas vezes depois de passarem meses na prisão sem nenhuma acusação oficial contra eles e sofrendo torturas horrendas. No entanto, um grupo de 24 homens permaneceu na prisão e foi transferido para Rabat para investigação por um tribunal militar sendo o seu primeiro julgamento em 2013.

O julgamento foi considerado nulo pela comunidade internacional e, devido à pressão Marrocos realizou um segundo julgamento num tribunal civil em 2016/2017, 19 desses homens continuam presos, com sentenças que variam de 20 anos a prisão perpétua.

Relatório:  The Gdeim Izik Case

Durante todo o período a MINURSO, a Missão das Nações Unidas no terreno passou diariamente pelo campo, viram o que estava a acontecer, viram o cerco e ameaça à população civil e o ataque das forças marroquinas. Tudo isso é uma clara violação do acordo de cessar-fogo assinado em 1991 entre Marrocos e a Frente Polisario. MINURSO, no entanto, ficou em silenciosa e inactiva.

Dez anos passaram, os prisioneiros de Gdeim Izik ainda estão a ser torturados e presos. As suas famílias sofrem represálias. A situação no Sahara Ocidental ocupado é tão má ou pior que antes.



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