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Quinta-feira, Abril 17, 2025

Gila Anes

Beatriz Lamas Oliveira
Beatriz Lamas Oliveira
Médica Especialista em Saúde Publica e Medicina Tropical. Editora na "Escrivaninha". Autora e ilustradora.

Era uma vez uma doninha errante. De seu nome, a Giló. Aventureira, decidiu viver fora do grupo onde tinha nascido. Não era a primeira doninha a fazê-lo. Tinha ouvido contar histórias de outras primas suas que haviam tomado o mesmo rumo de aventura.

Assim, em tempos idos, a prima Gila Anes tinha atravessado o rio de forma misteriosa, mas a família observara que, lá da outra margem, ela se tinha firmado nas patas posteriores, erguendo-se, numa graciosa saudação de despedida.

Giló, inspirada pelas histórias de Gila Anes, queria correr mundo antes de assentar e, talvez, constituir família sua. Muita curiosidade a invadia. O vasto território onde tinha vivido até decidir partir, permitira que o grupo familiar onde nascera, vivesse feliz. Tinha aprendido a caçar e a escolher alimento noutros reinos animais. Aves, anfíbios e répteis, insetos e mesmo alguns vegetais e frutos eram o seu sustento.

Sentia que poderia ter falta da família, das brincadeiras e caçadas que faziam. As idas noturnas às capoeiras, roubar ovos fresquinhos, eram exemplo disso.

Mas o gosto pela aventura e o prazer dos encontros inesperados foi mais forte. Também agora já é grande. Nasceu há mais de um ano. Denodada. O peito e a barriga, com o pelo todo branco, as costas a as patas castanho avermelhadas, as garras afiadas nas pontas dos cinco dedinhos, a cauda curta mas espessa, o focinho afilado de perspicácia, os olhitos muito vivos. Boa trepadora, capaz de esperar, silenciosa, a caça para alimento. Já filou duas lebres e três coelhos, demonstrada está, pois, a sua capacidade para sobreviver, mesmo em território desconhecido. O tempo está de feição. Os campos num brinquinho, tratados pelos agricultores da região, tudo convida à viagem para a qual se sente impelida.

Doninha em pé

A Giló tem um especial apreço pela música e consegue gorjear, e, espantem-se, consegue assobiar! Habilidades de doninhas!

Foi mesmo esse gosto pelo assobio que marcou o primeiro dia da expedição.

Assim que começou a afastar-se do vale que separa a Quinta dos Farelos da Quinta das Dornas, onde aprendeu a caçar com a mãe o grupo de irmãos e primos, sentiu o peso do desconhecido. Parecia que sentia apertar-se-lhe a garganta de susto ou de sede.

Avistou ali adiante uma superfície lisa, brilhante, a refletir o azul do céu limpíssimo. Uma lagoa! Belo sítio para refrescar, tanto mais que um muro de pedras, ao qual se encostavam arbustos floridos, lhe serviam de refúgio contra os perigos com que conta uma doninha. A Giló tem particular medo dos gatos, mas também de uns pássaros grandes que podem voar a pique e agarrar-lhe o corpinho felpudo com as fortes garras, levando-a de petisco para os seus ninhos lá no alto de escarpas onde ela nunca subiu.

Ao longe vê um homem sentado perto da água. Na mão tem uma cana longa da qual sai um fio. Uma cesta ao lado deixa sair o forte cheiro a peixe, e a Giló não tem dúvidas sobre qual a atividade que se desenrola ali: uma pescaria! De peixe ela não gosta. Mas fica de sobreaviso, pronta a saltar ao menor sinal de perigo. Aproximou o focinho da água e com a língua cor de rosa lambeu daquele champanhe de doninha!

Regalada, ficou a observar a cena. Enquanto olhava podia sempre aparecer alguma presa apetitosa. Apoiou as patas dianteiras num arbusto e pareceu-lhe ver, ali adiante, um restolhar na erva verdinha.

_Miau, Miau _ choramingou algum pequeno animalzinho.

Era mesmo um chorar de cortar o coração. O bichinho estava aflito.

Giló gorgolejou um dos seus trinados apelativos. E o miado voltou-se a ouvir.

Deduziu que seria gato filhote que, perdida a mãe, se aproximara da banca do pescador, guiado pelo cheiro a peixe.

A gata mãe era, por certo, a Pirolito, a afilhada da dona Gertrudes. Da Pirolito tinha a Giló um medo terrível. Mas não era capaz de lhe deixar o filhote assim abandonado àquela triste sorte de passar frio, fome e sede, perdido na margem da lagoa. Inspirada, soltou um longo e forte gorjeio, seguido de grande assobio. Ao longe apareceu, desenfreada, a gata que procurava o filho. Logo ouviu o miar do pequenino e apanhou-o na boca. Contente, a Giló passou ao largo, sem se dar por conhecida. Agora tinha a certeza de que podia partir. Era crescida.

 

Esconderijo de doninha


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90  | Ilustrações de de Beatriz Lamas Oliveira



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