Se fosse de outro a iniciativa, os donos da mídia teriam armado um berreiro. Segundo a colunista Mônica Bérgamo, da Folha de S. Paulo, o ministro do STF Gilmar Mendes, presidente do TSE, está propondo uma espécie de regulação da mídia – embora não use esta expressão – com vistas às eleições do ano que vem. Não se leu e não se ouviu, porém, nenhum protesto contra a proposta, nenhuma referência a uma suposta “tentativa de censura”, como sempre acontece quando se fala em regulação da mídia, nos moldes praticadas por outras democracias ocidentais.
A nota de Mônica, publicada nesta segunda-feira, 6, diz que Gilmar vai convocar uma audiência pública para discutir “a influência das mídias (rádio e TV) no processo eleitoral” e a eventual necessidade de “um órgão estatal de controle das programações”.
O que vem a ser um “um órgão estatal de controle das programações”? Em outras palavras, trata-se de uma agência reguladora de mídia, a exemplo da ERP em Portugal e de similares existentes em vários países do mundo. Os governos do PT ensaiaram propostas de regulação mas recuaram diante da gritaria de que se pretendia impor a censura aos meios de comunicação. Dilma Rousseff recebeu um projeto elaborado pelo ex-ministro-chefe da SECOM de Lula, Franklin Martins, e o engavetou. Na campanha de 2014 ela admitiu uma regulação econômica (que também é necessária, para reduzir a concentração e a propriedade cruzada de meios) mas não chegou a fazer nada neste sentido em 2015, antes de ser deposta em 2016, num processo em que a mídia teve papel determinante.
A idéia de Gilmar, relata a colunista da Folha, teria nascido depois que ele visitou o conselho de comunicação social da França, que fiscaliza os órgãos concessionários de mídia. “Nas eleições, as aparições de todos os candidatos, por exemplo, são cronometradas. Quando há desequilíbrio, os veículos são notificados para correção”, diz a nota. Mas não apenas nas eleições atua a agência reguladora francesa, bem como suas similares. Os veículos são notificados, e eventualmente são obrigados a se corrigir, sempre que exorbitam de sua missão de informar com imparcialidade, equilíbrio, observância da pluralidade e do direito ao contraditório e ao direito de resposta, regras frequentemente ignoradas no Brasil pelos concessionários de radiodifusão.
“Entre os tópicos elencados pelo TSE para discussão estão “a autorregulação realizada pelos concessionários (de rádio e TV)” e a “neutralidade da imprensa no processo eleitoral: ficção ou realidade?”. Teriam sido ou serão convidados para a audiência pública um jurista francês, representantes da sociedade civil e de empresas de radiodifusão. A boa interrogação é sobre quem seriam os representantes da sociedade civil convidados por Gilmar. Para um debate de verdade, ele teria que convidar estudiosos do tema e os movimentos que defendem a regulação e a democratização dos meios de comunicação. Movimentos como Intervozes, Fórum Nacional para a Democratização das Comunicações (FNDC) e similares.
Diz ainda a nota de Mônica que para o presidente do TSE, o tema é “bastante caro à democracia e à liberdade de sufrágio”, podendo o tribunal elaborar relatórios para subsidiar eventuais alterações na legislação eleitoral”.
De fato, o pluralismo e o equilíbrio dos meios eletrônicos e da mídia em geral constituem um elemento importante da democracia e da garantia da liberdade de sufrágio, do respeito ao direito de escolha do eleitor, livre de induções, manipulações, distorções da informação, manipulação de pesquisas, discriminação de candidatos na cobertura e outros vícios que conhecemos muito bem. Mas a democracia não começa nem termina com as eleições, de modo que a regulação conjuntural desejada por Gilmar deve ser permanente, com base em legislação específica e exercida por um órgão regulador independente, embora ligado ao Estado.
Mas mesmo propondo uma regulação conjuntural, Gilmar contribui, com sua iniciativa, para desmitificar um assunto tratado como bicho de sete cabeças embora represente apenas um aprimoramento da democracia, que tem na liberdade de imprensa um de seus pilares, desde que ela não ultrapasse ou violente outros direitos e garantias democráticas. Em se tratando de concessões públicas (rádio e TV) a necessidade de observância do equilíbrio, do apartidarismo e da imparcialidade é ainda maior, pois trata-se da exploração de um bem público concedido à iniciativa privada, que não pode ser utilizado a serviço de interesses privados e contra o direito do público à informação de qualidade.
O paradoxo no Brasil é simples e é o seguinte: a exploração privada de energia é regulada pela Aneel. A das telecomunicações, pela Anatel. A do petróleo pela ANP. E assim por diante. O único serviço concedido à exploração privada que não é regulado por ninguém é a radiodifusão.
A autora escreve em Português do Brasil
Fonte: Brasil247