“Ir com demasiada sede ao pote”, eis um dos provérbios que recebi, que a maioria de nós recebeu, das gerações anteriores. E que, como qualquer Conhecimento “de um saber de experiência feito”, merece alguns momentos de reflexão.
Estamos todos cientes da comum condição de que o “casting” da História nos acena com o “papel” (para muitos tentador) de meros “figurantes”? Quantos de nós têm alguma ideia, mesmo que vaga, do que se joga sobre a mesa neste preciso momento? E quanto ao Futuro, temos (partilhamos) alguma ideia, mais ou menos clara, de como desejamos que seja? Pior, estamos a discutir o tema? Acerca dele? Ou, pelo contrário, aquilo que, grosso modo, temos para opor à contraofensiva histórica da Direita, do Darwinismo Social, são as velhas máximas marxistas, herdadas do séc. XIX, ou neomarxistas, do séc. XX?
Até onde estamos dispostos a aceitar, e aplicar como processo de apreensão do devir, a “dialética” Hegeliana – tese/antítese/síntese – e “histórica” Feuerbachiana, ao nosso próprio momentum, de forma não dogmática e criadora?
O aspecto mais belo da Civilização, e de toda a História das Ideias, a meu ver, é a intemporalidade que subjaz ao pensamento dos grandes filósofos e poetas. Os maiores Pensadores permanecem tão actuais agora como no momento em que esboçaram as teses que lhes deram a imortalidade:
- Platão, Aristóteles, Sócrates, Descartes, Kant, etc. nunca passarão de moda – a Ontologia não passa sem eles.
- Dante Alighieri, William Shakespeare, Johann Wolfgang von Goethe ou Fernando Pessoa e os seus heterónimos, a par de muito outros, estão condenados à Imortalidade – a memória colectiva, a consciência de si, e para si, em cada um de nós, atravessa, e atravessará sempre, gerações. É ubíqua no tempo e, quem sabe, no espaço.
No séc. I, algures, um homem pensou: “Não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada!”. Álvaro de Campos escreveu isto (A Tabacaria) em 1928 e – assim creio firmemente – daqui a XX séculos, “Em outros satélites de outros sistemas, qualquer coisa como gente, continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas”, e a experimentar uma incerteza igualmente certa.
Este é, para mim, o exemplo sublime do “mínimo denominador comum”, no plano da linguagem, e do “máximo denominador comum”, no plano da humanidade. O azimute que norteia a escolha das palavras dos que buscam o aperfeiçoamento e progresso civilizacionais e passam bem sem vãs glórias pessoais.
Que legado queremos deixar à próxima geração? O que é “viver” para nós? Quão empenhados estamos em transmitir conteúdos aos nossos filhos e quais? Em que “cadinho” queremos forjar os homens e mulheres do futuro?
Ou seja, se construirmos uma sociedade em que o “sucesso individual” está necessariamente associado a muitas horas de trabalho por dia, incluindo deslocações, quase sem intervalos, poucos dias de descanso e férias reduzidas, a quem iremos delegar a educação da próxima geração? À inominável televisão que temos (business oblige)? À escola, orientada para a concorrência selvagem com curricula desenhados para garantir que o poder transita eternamente de geração para geração, sempre dentro do mesmo grupo de privilegiados?
Que sociedade pretendemos construir? Poderá a amálgama de homens e mulheres sem tempo para si, para a família ou para os amigos, gerar uma comunidade de seres humanos plenos, integrais, felizes?
O poderoso ataque em curso ao modelo civilizacional e à cultura a que pertencemos, em resultado da voracidade pelo dinheiro de uns poucos, soa ameaçador e põe em causa a Liberdade e a Democracia política (formal, bem sei) em que vivemos. Em resultado da quebra do contrato social o espectro da Guerra (civil ou mesmo mundial) não pode ser excluído.
Eis a vexata questio. Perante a dimensão da ameaça, tendo em conta tudo o que está em jogo neste particular momento da história, é, no meu entender, indispensável, que todos aqueles que rejeitam a regressão civilizacional e acreditam que a História pode, e deve, ser um processo evolutivo de humanização do Homem, procurem o “mínimo denominador comum” que congregue o maior número possível de pessoas.
Definir com rigor as causas que unem a larga maioria de nós – o que requer uma exigente escolha das palavras e da linguagem – é essencial para levar este objectivo a bom porto.
Este texto resulta do distanciamento que experimentei ao ler um documento que me chegou às mãos e que, apesar de obviamente bem intencionado, estar redigido numa linguagem que afasta à partida um largo conjunto de pessoas que, todavia, sendo outra a linguagem escolhida, estaria certamente nas nossas fileiras. Acho que precisamos dessas pessoas neste momento. Dou como exemplo o uso do termo “capitalismo”, sem mais, com sentido vincadamente pejorativo.
Para que não subsistam dúvidas expresso aqui, de forma inequívoca, a minha profunda reprovação por qualquer sistema económico não solidário e que deixe desprotegidos os que, por esta ou aquela razão, num ou noutro momento, não preencham os requisitos socialmente definidos como “padrão” do êxito. O “capitalismo” não é, de todo, “a minha praia”!
Mas, na presente conjuntura, o uso da expressão “capitalismo selvagem” permite agregar um consideravelmente maior número de vontades, incluindo mesmo as dos que não comungando da convicção sobre os malefícios do sistema, entendem o sentido de “selvagem” como algo desregulado e nefasto.
Vamos ser cuidadosos no uso da linguagem?
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