O Conselho de Ministros do IX Governo Constitucional suspendeu a abertura de novos ciclos de estudos de cursos que tenham ofertas educativas excedentárias. A medida governamental é pertinente porque alguns dos cursos de graduação mencionados, realmente, não respondem às necessidades do país e contribuem para o desemprego estrutural.
Segundo o comunicado de imprensa tornado público pelo Governo, a suspensão de abertura de novos cursos superiores, supostamente excedentários, engloba as áreas de Direito, Gestão, Contabilidade, Gestão Financeira, Gestão Pública, Engenharia Civil, Engenharia Informática, Construção Civil, Saúde Pública, Enfermagem, Parteira, Administração Pública, Ciência Política e Relações Internacionais:
Pretende-se com a presente Resolução do Governo suspender a criação ou abertura de novos ciclos de estudos no ensino superior de bacharelato, licenciatura, pós-graduação, mestrado e doutoramento em áreas já amplamente cobertas pela oferta existente nas instituições de ensino superior.
A medida tem como objetivo evitar a saturação do mercado de trabalho com profissionais em áreas onde já existe um número suficiente de formados, promovendo uma melhor adequação entre a oferta educacional e as necessidades do país.
In Resolução do Conselho de Ministros, 09 de Abril de 2025
A suspensão da abertura de novos cursos superiores em Timor-Leste deve merecer uma análise atenta e pluridisciplinar, ser acompanhada por um estudo profundo, não só para acautelar o desemprego estrutural, mas, sobretudo, para colocar na agenda nacional a discussão em torno da necessidade imprescindível de um estudo sobre a formação de quadros superiores enquadrada numa política nacional de promoção do emprego e de valorização de todos os recursos naturais do país.
Em relação aos cursos de graduação, apesar de não haver estudos sobre essa matéria, parece-me pacífico aceitar que muitos dos cursos citados excedem as necessidades do país, pelo que, a suspensão de abertura de novos cursos de graduação de áreas identificadas, parece-me ser uma boa medida governamental.
Os cursos de pós-graduação são sempre necessários para os graduados obterem especializações fundamentais, actualização de conhecimentos e o desenvolvimento de competências, sendo aconselhável haver muita ponderação na selecção dos cursos de pós-graduação cuja abertura deve ser suspensa ou autorizada.
Concretamente, se falarmos em cursos de doutoramento, estou em desacordo que integrem o pacote das proibições porque os doutoramentos são imprescindíveis ao país através de programas de doutoramento realizados com parcerias nacionais e internacionais, nomeadamente, com o apoio de instituições de ensino superior da CPLP.
A questão central, para além dos múltiplos interesses (nacionais e estrangeiros) inerentes a esta problemática, alguns bastante maléficos, é que a discussão em torno desta matéria irá gerar sempre polémica entre académicos e stakeholders porque até à data não conseguimos responder a uma simples pergunta:
Quais são os domínios estratégicos e os recursos humanos qualificados necessários a Timor-Leste?
Necessidades de formação e oferta educativa em Timor-Leste
O Plano Estratégico de Desenvolvimento de Timor-Leste (2011 – 2030) apresentou um sumário de estratégias, acções e metas para 2020 (Médio Prazo), destacando que o sistema de educação e de formação profissional deveria formar os recursos humanos qualificados que Timor-Leste necessita para continuar a construção da Nação.
Enquanto académico e político já me pronunciei publicamente sobre estes assuntos estratégicos relacionados com a formação de quadros superiores, a última vez em Setembro de 2023, numa lição de sapiência proferida no dia da outorga de diplomas aos graduados da Universidade de Díli (UNDIL). Porém, atendendo ao novo diploma do governo, considero ser muito importante retomar esta discussão.
Um dos problemas de Timor-Leste é que estabeleceu uma estratégia nacional de formação de quadros mas está a ignorar que o sucesso da política nacional de formação de quadros só será devidamente operacionalizado se for desenhado um plano nacional de formação de quadros, apropriado, para um determinado período, com a identificação inequívoca dos domínios estratégicos de formação necessários ao país e com um diagnóstico nacional em relação à oferta educativa no ensino superior (e médio).
Ao reflectirmos sobre o desiderato do Plano Estratégico de Desenvolvimento de Timor-Leste, segundo o qual, em 2020, o sistema de educação e de formação profissional deveria formar quadros qualificados que Timor-Leste necessita para a resolução dos problemas de pobreza e bem-estar do martirizado povo, é um imperativo encontrar respostas para cinco questões:
- Estamos em 2025, será que temos os quadros qualificados que Timor-Leste necessita e que foram prometidos no Plano Estratégico de Desenvolvimento de Timor-Leste?
- Existe algum balanço de necessidades de formação da oferta educativa interna nos domínios estratégicos de formação superior?
- Efectuou-se algum estudo nacional para se identificar quais são esses domínios estratégicos de formação superior?
- Quais são os cenários da oferta formativa em Timor-Leste em termos deficitários, excedentários e de equilíbrio?
- Quais são os custos, os recursos humanos, os materiais e os equipamentos necessários para darmos cumprimento a uma política educativa de qualidade defendida no Plano Estratégico de Desenvolvimento do país?

Alguns académicos defendem que os estudantes leste-timorenses, ao sentirem obstáculos com a mencionada suspensão da abertura de novos cursos no país, irão aos países vizinhos procurar outros cursos. Esta argumentação parece-me frágil, pouco convincente, porque os estudantes nacionais sempre procuraram cursos nos países vizinhos, muito especialmente na Indonésia, por múltiplas razões, objectivas e subjectivas.
Aliás, não sei se é verdade, mas ouvi dizer que há 10 mil estudantes de Timor-Leste na Indonésia. A ser verdade, este debate arrasta-nos para outras esferas, igualmente pertinentes e complexas, como sejam as políticas curriculares e linguísticas.
O governo agiu bem, como medida preventiva, ao decidir-se sobre a suspensão de abertura de determinados cursos de graduação, alguns deles porque engrossam a oferta educativa muito excedentária para as necessidades de Timor-Leste. Mas, talvez mais importante e essencial, é saber dar respostas às cinco perguntas formuladas e imprimir um esforço acrescido para desenvolver de forma efectiva o capital humano com formação superior adequada às necessidades do país.
A finalidade do ensino superior não pode ser redutora
Para além das questões inerentes à necessidade de se elaborar um diagnóstico sobre a oferta educativa no ensino superior e identificar quais são os domínios de formação prioritários, quero afirmar de forma inequívoca que não subscrevo as posturas economicistas de alguns políticos e gestores de instituições de ensino superior no que diz respeito à missão da universidade.
Na verdade, sou muito crítico quando se defende que a universidade tem como finalidade exclusiva a preparação do estudante para a inserção no mercado de trabalho. Esta visão, demasiado economicista, limita e restringe as possibilidades de participação e intervenção pró-activa do graduado na sociedade em outros domínios essenciais do desenvolvimento humano.
Nesta linha de raciocínio no processo de concepção da missão da universidade defendo que se deve adoptar uma perspectiva pluridimensional do ensino superior e não eliminarmos dimensões fundamentais inerentes à formação integral do cidadão, no domínio científico, técnico, artístico mas também no domínio da formação pessoal, cultural, política, ideológica, social e ética.
Note-se que a visão redutora do ensino superior que subscreve a formação do cidadão com perfil de saída orientado unicamente para o mercado de trabalho e para a empregabilidade, exclui a possibilidade de intervenções de carácter reivindicativo e outras acções potenciadoras da mudança social e política no âmbito da cidadania democrática, uma bandeira que eu, enquanto socialista, defenderei sempre com determinação e sem hesitações.
Enquanto Timor-Leste não assumir o compromisso de conceber uma estratégia nacional de formação de quadros mediante um Plano Nacional de Formação de Quadros e que este seja um documento estratégico, com rigor científico, pelo seu horizonte de acção, e com projecções sobre as necessidades de formação a médio e longo prazo estaremos sempre com dificuldades em resolver as questões estruturais de desemprego dos nossos diplomados e não poderemos dar respostas e apresentar soluções em relação ao problema da inserção dos nossos diplomados na sociedade e no mercado de trabalho.
Se não forem criadas políticas públicas capazes de inverter o insucesso da inserção profissional dos graduados, como referi, responsáveis pelo desemprego estrutural e sobre o processo de emigração de tantos jovens para diversos países, também se corre o risco das universidades funcionarem como bodes expiatórios, havendo quem atribua às universidades e institutos superiores, em exclusivo, o papel de desenvolver a dita empregabilidade.
Portanto, ao aceitarmos que a promoção da empregabilidade é muito mais baseada em factores externos do que no valor prático intrínseco à academia, sem prejuízo de aceitarmos que as instituições de ensino superior devam fazer um esforço para promover a afirmada empregabilidade, temos mesmo que assumir que todas estas incertezas resultam da indefinição de políticas de formação de quadros ou da definição de políticas erradas e descontextualizadas da realidade em termos sociais, económicos e políticos.