Passaram-se, lá no Governo. Enquanto a sindicata clama em voz de Avóila que os adultos não podem trabalhar mais de 35 horas por semana, o ministro da Educação admite que seria bestial ter estudantes dos seis aos 15 anos trancados 55 horas semanais nas escolas. Para gozo maior – o presidente da Confederação de Associações de Pais até concorda, desde que seja de borla. Diz Jorge Ascenção: “Se é uma resposta pública no âmbito do processo educativo deve ser gratuito. A pagar as famílias já têm resposta, não precisam de mais uma”, afirma o presidente da Confap ao DN.
Cortemos a direito: trancar as crianças tem três objectivos assustadores. Primeiro, o de deixar os papás livres para a exploração laboral, que lhes permite dar a mais-valia e o tutano ao patronato; depois, é uma forma de criar um internato Estatal impedindo os portugueses com menos de 15 anos de brincar, de viver o “meio” e a família, duas das mais importantes componentes da Educação; para acabar, o bigodes da Fenprof e o contabilista da Confap batem palmas porque arranjam de um penada uma solução para os professores sem emprego e para os pais preguiçosos que tiveram filhos por acaso e não gostam de os ter.
Se começamos a discutir isto com seriedade estamos tramados. Fernando Pinto, professor e pedagogo, escrevia esta quarta-feira: “(…) Outra questão tem a ver com a educação das relações sociais: uma medida deste tipo não promove as relações de vizinhança, de bairro/comunidade; e continua a ser contra a família – como experiência social de desenvolvimento humano, atira-se a família para a noite e os fins-de-semana”.
A tendência não é nova, mas os putos carecem da rebeldia para os mandar todos à fava. Há 30 anos a malta fugia da escola para ir brincar na relva: um cartão debaixo do rabo e uma ribanceira relvada servia para horas. Nesta coisa de descer e subir aprendia-se a conviver e a conversar, faziam-se amizades e, quando fartos, íamos ver passar autocarros e imaginar as vidas dos passageiros.
É muito triste que pensemos impedir putos de pisar a relva ou de gamar maçãs na loja do Senhor Fonseca. Invariavelmente, aos portões das escolas, expectam carrinhas, como as do canil, a recolher filhos e filhas para os levar para o “centro de estudos” onde estufam crianças até à hora de jantar. Centros de estudo onde há playstations, computadores, onde gente com olho entretém a prole à custa de centenas de euros, arranja part-times a professores desempregados e estoirados e, ainda por cima, dá nomes à coisa como “Testa Tesa” ou “Átomo Incrível”.
Estamos a condenar Portugal a uma geração que nunca brincou, nunca saiu da cerca, nunca ganhou sentido de humor ou de sobrevivência. Que nunca tocará às portas a pedir “um euro para a reconstrução da igreja do bairro” e ir gastá-los em gomas e banda desenhada, logo a seguir. Que nunca saiu em bloco de uma sala de aula em protesto contra a frase de uma doente docente do secundário: “Se as mulheres têm o período os homens devem ir à tropa”. Juro-vos que aconteceu.
O que se está a pensar é a mutilação alvar da essência da infância e da juventude. Os pais não são melhores. Nas reuniões de “mães” a maioria deseja saber de cochichos ou arengar sobre professor malquerido. Depois, as mães discutem Bimbys e quão dotados para o futebol são as crias, enquanto os poucos pais fogem da sala, aliviados como se tivessem 12 anos e a aula acabasse finalmente.
Mas sobre tudo isto, ainda havemos de ouvir a expressão hipócrita d’”o supremo interesse da criança”.
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