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Terça-feira, Julho 16, 2024

A “Grande Reinicialização” não passa de um pretexto

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Depois de clarificadas questões como a do verdadeiro papel do Fórum Económico Mundial, ou as que poderão afectar mais directamente o processo democrático, poderíamos pegar nas propostas da Grande Reinicialização uma a uma e examiná-las em termos pragmáticos e éticos.

Num livro recentemente publicado pelo Fórum Económico Mundial, «Covid-19: The Great Reset», vincula-se a pandemia a propostas de contornos futuristas de forma que aquelas sejam acolhidas com admiração. Na actual atmosfera de confusão e desconfiança, a alegria com que os autores saúdam a pandemia como prenúncio da sua proposta de turbulência socioeconómica sugere que, se a Covid-19 não tivesse surgido por acidente, podendo, teriam sido eles a criá-la…

Depois de clarificadas questões como a do verdadeiro papel do Fórum Económico Mundial (também conhecido como o Fórum de Davos, por ser nesta localidade suíça onde tem reunido anualmente), ou as que poderão afectar mais directamente o processo democrático, poderíamos pegar nas propostas da Grande Reinicialização uma a uma e examiná-las em termos pragmáticos e éticos.

 

Reuniões à distância

Graças à pandemia, tem havido um grande aumento no uso de teleconferências, mediante o recurso a plataformas como Skype, Zoom ou outras mais recentes, e por isso considerado como uma tendência, cujo balanço pode ser considerado como positivo ao permitir que muitas pessoas participem de conferências sem as despesas, os problemas e o custo ambiental das viagens aéreas, mesmo considerando o aspecto claramente negativo de impedir o contacto humano directo.

 

Ensino à distância

Esta questão, especialmente relevante no caso do ensino superior, é muito mais complicada e deve ser amplamente discutida pelas próprias instituições de ensino e pelas comunidades que servem, avaliando os prós e os contras, lembrando que aqueles que fornecem a tecnologia querem vendê-la pouco se importando com o valor do contacto humano na educação – não apenas o contacto humano entre o aluno e o professor, mas frequentemente os contactos determinantes da vida entre os próprios alunos. Embora os cursos online podem beneficiar alunos geograficamente isolados, mas separar a comunidade educacional seria um grande passo em direcção à destruição do essencial da comunidade humana.

 

Saúde e “bem-estar”

Estes são os sectores, a par com a tecnologia, que Schwab e Malleret (os autores de «Covid-19: The Great Reset») prevêem que sejam os que irão registar maior crescimento na era pós-pandemia, a ponto da combinação das tecnologias de IA (inteligência artificial) e IoT (internet das coisas) poderem vir a moldar como somos e sentimos ou até a criar uma nova dimensão do conceito de “politicamente correcto” em completa dissonância com os mais banais desejos ou vontades humanas.

 

Alimentação

Os gurus da tecnologia gostariam, seguramente, de dar mais um passo no sentido de eliminar os agricultores, com todo o seu solo e animais sujos, e depois das sementes geneticamente modificadas passarem a produzir industrialmente alimentos artificiais criados em bons laboratórios assépticos.

 

Trabalho humano

A robotização, substituição do trabalho humano por máquinas, que já está em curso há décadas, deverá ser acelerada pela pressão das indústrias de tecnologia. A crise e o distanciamento social trazidos pela Covid-19 estão a acelerar os processos de inovação e mudança tecnológica, entre os quais se contam os programas de reconhecimento de voz, justificados pela necessidade das chamadas medidas sanitárias e que rapidamente resultarão na destruição de centenas de milhares, ou até milhões, de postos de trabalho pelo mundo fora.

Depois da terceirização e da imigração terem enfraquecido o poder colectivo do factor trabalho, a robotização deverá ser o passo que o conduzirá à irrelevância, tanto mais que esta já está a ser apresentada como socialmente benéfica (a mirífica solução isenta de erros oferecida pela tecnologia), enquanto se escamoteia que o principal fundamento reside nos acréscimos dos ganhos trazidos pela redução dos custos da mão-de-obra e na própria dinâmica da indústria de tecnologia que, há semelhança do sector financeiro, se julga cada vez mais omnisciente e omnipotente.

 

Defesa

A previsível crise do sector da aviação civil, determinada pela quebra na procura ditada pela inevitável redução das viagens de lazer e de trabalho, não se deverá estender ao conjunto da indústria aeronáutica e em especial ao seu ramo militar. A acreditar no relatório “How artificial intelligence is transforming the world”, apresentado em 2018 pelo think tank norte americano, Brookings Institution, este é não só um sector com futuro como um dos que mais beneficiará com a aplicação dos novos desenvolvimentos em IA, mesmo que isso implique um aumento exponencial do risco de conflitos uma vez que os algoritmos não revelarão a mesma complacência ou compaixão que os decisores humanos têm revelado nos processos de tomada de decisão que originaram ou evitaram conflitos. A convicção dos analistas do Brookings Institution é tal que nem hesitaram na cunhagem do termo “hiperguerra” para se referirem a uma nova dimensão no campo da decisão militar, que integrará a completa falta de emoção e empatia humanas à alta velocidade dos circuitos integrados.

 

Resumo

Em resumo, o conhecimento e o debate em torno de distopias, como a da Grande Reinicialização proposta por Klaus Schwab, o “pai” do Fórum Económico Mundial, é tanto mais importante quanto persiste nas nossas sociedades a ideia de resumir o debate político ao das trivialidades e inutilidades das questiúnculas partidárias que tem entregue o poder e a sua capacidade de decisão aos interesses das grandes empresas e em claro detrimento daquele que nunca deveria ter deixado de ser o seu único foco: a defesa do interesse-geral.


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