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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Grécia, Schengen e o autoritarismo europeu desresponsabilizante

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Já há algum tempo que a Grécia tem sido apontada como uma das portas de entrada de refugiados no espaço europeu. Aproveitando a entrada por mar, muitos e muitas são aqueles que chegam às ilhas gregas procurando sobreviver. Alguns apelidam-nos de “imigrantes”, um erro comum num discurso algo destituído de isenção ou análise conhecedora dos factos.

grécia_refugiados_nobelCuriosamente (ou talvez não), passámos agora da simples constatação ou procura de soluções condicentes com os Direitos Humanos à condenação comunitária: os 28 países da União Europeia ameaçam a Grécia com o encerramento forçado das suas fronteiras, de modo a “combater” o acesso ao espaço europeu – uma medida que, para além de estar pejada de falta de legitimidade democrática, tresanda a ausência de responsabilização dos agentes envolvidos: “too little, too late”. And not human, acrescentaria eu.

Senão, vejamos: aquando das negociações entre a Troika e o Governo do Syriza, um dos argumentos de Tsipras para a renegociação da dívida impostas pela Comissão Europeia, BCE e FMI, assentava na apelidada “crise humanitária” baseada nas condições de vida dos seus cidadãos mas também dos refugiados de guerra que chegavam ao seu território. Um Eurogrupo, feliz com a cedência do Governo grego às suas imposições, recusara-se a olhar para a situação catastrófica a que já chegara a crise da erroneamente apelidada “migração” às ilhas gregas, há já muito advertida por instituições não-governamentais, como a Amnistia Internacional ou a Avaaz[1]. Nessa altura, refugiados de guerra ainda não entravam de forma tão massiva no Centro e Norte da Europa e o perigo parecia longínquo às instituições europeias, lideradas pelos países daquelas mesmas regiões.

grécia_refugiados_nobelEis senão que a situação se agravou e as pessoas que fugiam de um amanhã incerto para si e para as suas famílias começaram a não querer ficar-se apenas por Lesbos ou Rhodes e procurar países onde a possibilidade de reaver uma vida condigna lhes parecia mais provável. A Europa dos 28 teve, então, que reconhecer a crise humanitária que não fora suficientemente relevante para o alívio dos juros de uma dívida nacional mas que agora parece justificar todas as medidas, imagináveis e inimagináveis, que contrariam os princípios mais basilares que regem a União. Desde as manifestações contra Merkel, que acedeu em abrir as portas alemãs, ao encerramento de fronteiras por parte da Hungria, Áustria ou ainda o “policiamento” perpetrado por países como a Eslováquia e a França, a mensagem é clara: “aqui não”. Condenável e violador dos princípios europeus, a verdade é que ainda se tratavam de medidas que apenas dizia respeito ao país que tomara a iniciativa – não uma medida imposta a outrem, de modo concertado e ameaçador.

Agora, sabemos que os ministros europeus da Justiça e da Administração Interna do Espaço Schengen já se posicionaram de forma mais gravosa: ameaçam a Grécia de expulsão desse mesmo espaço de livre-trânsito, ainda que utilizando algumas metáforas curiosas num discurso que finge não ser o que realmente é. A Grécia cometeu a ignomínia de continuar a resgatar moribundos na sua zona costeira e abriga-os em campos de refugiados, num esforço que já envolve comunidades nacionais por inteiro. Atitude esta tão vil que tem levado a que se considere a sua nomeação para o Nobel da Paz, segundo nos diz o The Guardian.[2]

grécia_refugiados_nobelSe existe algo de que já sabíamos, é que os “valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade e da igualdade”[3] haviam sido ultrapassados por ditames de grupos económicos informais sem legitimidade democrática – como o caso do Eurogrupo. Dito de outro modo, os Direitos Humanos haviam sido ultrapassados por interesses económicos de índole extremamente peculiar. Agora falamos do agravamento de penalizações a Estados que já haviam sofrido com a austeridade imposta pela sua vertente humanitária, numa Europa onde a xenofobia cresce em mãos dadas com a vitória de sentimentos de extrema-direita. Algo é certo: há que repensar esta União de Pessoas, perguntando-nos se os moldes nos quais foi criada ainda fazem sentido.

 

[1]    “Crise de refugiados aumenta na Grécia com o sistema de apoio aos migrantes a chegar a um ponto de ruptura”, de 25 de Junho de 2015

[2]    “Greek islanders to be nominated for Nobel peace prize” de 23 de Janeiro de 2016

[3]    Preâmbulo da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

Leia também, publicado no Jornal Tornado:  Habitantes das ilhas gregas propostos para Prémio Nobel da Paz

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