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João de Sousa

Sexta-feira, Novembro 1, 2024

Greed is Good *

João Ribeiro
João Ribeiro
Professor universitário, Doutorado em Finanças. Investigador na área de avaliação de activos

João Ribeiro, Professor universitário, Doutorado em Finanças. Investigador na área de avaliação de activos.O poder político reconhecia, assim, a imperiosa necessidade de regular um desvairado mundo das finanças, pondo cobro à influência determinante do sistema bancário americano no colapso da economia real e co-responsabilizando-o, dessa forma, pela profunda recessão em que o país mergulhara.

Com a aprovação da GS, as actividades desenvolvidas pelos Bancos comerciais e as operadas pelos Bancos de investimento ficam separadas por uma cerca legal, vedando-se o acesso a operações no segmento da banca de investimentos a Bancos que possuam natureza comercial, particularmente no que se refere a operações em que intervenham clientes do segmento retalhista. O dinheiro dos depositantes-clientes destes Bancos, até então maltratado pela ausência de regulação, está agora, se não em porto seguro, bem mais protegido.

O poder político americano escrevia uma página na história, apontando o dedo a quem, indubitavelmente, se revelara um dos grandes culpados por uma crise à escala planetária: ao operarem indiscriminadamente em ambos os segmentos da actividade bancária, utilizando o dinheiro dos clientes-depositantes para financiar actividades de risco, alocando fundos que se queriam seguros a actividades de cariz especulativo, os Bancos americanos davam a machadada final numa economia já em cuidados paliativos, depois de uma guerra mundial que devastara uma boa parte da Europa – o principal mercado exportador para as empresas norte-americanas.

A ganância, característica proeminente desse valioso activo chamado “capital humano” e tão apreciada nas terras do Uncle Sam, acaba, assim, também ela, por ver o seu valor de mercado descer consideravelmente, não sem antes deixar um rasto de destruição sem precedentes na história das economias ocidentais.

1999

Em plena presidência Clinton, a Câmara dos Representantes (de maioria republicana) aprova a lei de Graham-Leach-Bliley (GLB), revogando o GS que vigorara durante 66 anos (reconheça-se no entanto que, durante este longo período, nem sempre as coisas correram bem: o lobby da finança em Washington, ao serviço de Wall Street e sustentado em batalhões de proeminentes advogados sempre disponíveis para ler na lei o que ela não diz, não raras vezes foi conseguindo impor a interpretação que lhe convinha, aqui e ali recorrendo à constituição americana e suas emendas e, na verdade, a tudo o que fosse necessário para que os seus clientes pudessem expandir o negócio sem grandes restrições.)

Com a aprovação da nova lei, os Bancos comerciais podiam agora desenvolver toda e qualquer actividade bancária: da mera captação de depósitos à concessão de crédito, passando pelo financiamento de – e investimento em – qualquer activo financeiro, fosse um activo de rendimento fixo, acções e, não menos relevantes, os “novos rapazes no bloco”, designados por activos derivados, constituídos “arguidos” a partir do momento (1973) em que Black e Scholes descobrem a fórmula que “precifica”, de forma científica, as designadas opções financeiras.

Foi como se um mundo novinho em folha se tivesse gerado, beneficiando todos aqueles para quem o negócio bancário se revelava pouco imaginativo e tão previsível ao ponto de suscitar uma sonolência mortífera. Os dinheiros dos depositantes (com a excepção de montantes até USD 250.000, que se encontram garantidos pelo organismo regulador federal) estava disponível para o que fosse necessário.

A ganância reganhava o seu vigor alimentando aqueles que, ao arquitectarem produtos de uma complexidade matemática considerável, ajudavam a edificar um sistema bancário “sombra” (the shadow banking system – como carinhosamente é tratado pelos especialistas), que assumia agora uma dimensão tal que o tornava impossível de ser representado numa página de tamanho A4. Banqueiros de todo o mundo, à boleia da globalização, reúnem-se numa enorme mesa onde, sem qualquer racionalidade que não a implícita na lei das probabilidades, se comportam invocando tacitamente o direito de transferir para os seus clientes-depositantes o risco decorrente das actividades “lúdicas” que praticam.

A desregulação torna a ser uma pobre metáfora da mão invisível de Adam Smith, em contexto de banca de investimentos. A banca comercial segue-lhe avidamente as pisadas, levando a que a cotação bolsista da ganância bata recordes. Pouco menos de dez anos volvidos, em 2008, o mundo assiste, aterrado, ao início da segunda maior crise financeira da nossa história, cujos efeitos se encontram bem longe de estar definitivamente contabilizados. Desenganem-se os que achavam que a ganância teria os dias contados: apesar de se ter assistido a uma maior regulação no sistema financeiro e na actividade bancária, a vontade política existente não foi suficiente para revogar a lei GLS.

A ganância respirava de alívio.

2017

Os americanos preparam-se para renovar (?) a Casa Branca. Com Sanders fora da corrida, por forte convicção doutrinária ou apenas porque seria estúpido acreditar em almoços grátis no eixo Wall Street – Capitólio, tudo aponta para que, com uma ou outra derivação de pormenor, o estado destas coisas pouco importantes se perpetue. O resto é escrever a história futura: com liquidez a mais na economia financeira e a menos na economia real, a questão não é saber se a bolha rebenta: a questão é saber quando.

Até lá, a ganância continua bem e recomenda-se.

* referência à frase da personagem Gordon Gekko, interpretada por Michael Douglas na longa-metragem “Wall Street”, de Oliver Stone. “Greed is Good” ou, “A ganância é boa”

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