Na Europa, o Estado de bem-estar social foi concebido para injetar compaixão no capitalismo, logo após a Segunda Guerra Mundial. Por toda parte, governos social-democratas criaram benefícios para os idosos, os desempregados e os pobres. Foram estabelecidas regras para aumentar os salários, garantir empregos e melhorar as condições de trabalho.
Afirmar que não dá mais para bancar todos os benefícios do Estado de bem-estar social, mesmo com os elevados ganhos de produtividade da segunda metade do século XX, é faltar com os mais elementares princípios da verdade. Por isso, os esforços para cortar benefícios afundam em meio à resistência popular — como as sucessivas greves na França. A questão real é que a sobrevivência do Estado de bem-estar social é a condição para evitar a volta do capitalismo sem freios do século XIX.
O ponto central dessa polêmica é a previdência social. Em 1988, Michel Rocard, então primeiro-ministro do governo socialista de François Mitterrand, já antecipava as dificuldades. ”A reforma das aposentadorias tem poder para derrubar vários primeiros-ministros”, afirmou.
Seu vaticínio se confirmou em 1995, quando o premiê de direita Alain Juppé decidiu encarar o problema. O chefe de governo não resistiu no cargo depois de um inesquecível dezembro de greves e intensas manifestações populares, as maiores realizadas no país desde maio de 1968. Com a queda de Juppé, a questão foi para a geladeira — e lá ficou até que o presidente Jacques Chirac foi reeleito.
A queda de Jean-Pierre Raffarin
A “reforma” da previdência, encaminhada pela maioria dos vizinhos europeus na década de 1990, virou a grande prioridade de seu governo. Chirac quis aproveitar a maioria parlamentar para mexer num vespeiro capaz de fazer o termômetro social atingir as mais elevadas temperaturas.
Foi exatamente o que se viu: milhões de trabalhadores protestaram em mais de uma centena de cidades, e numerosas paralisações foram decretadas, principalmente nos serviços de transporte público (trens, ônibus e metrô) e da educação, superando todas as expectativas iniciais.
A insistência do governo, aliada a um amplo trabalho de propaganda enganosa, não arrefeceu a resistência. ”As ruas não governam o país”, reagiu o primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin. Governavam: Raffarin, atingido pela derrota do governo no referendo sobre a Constituição da União Européia em maio de 2005, foi substituído por Dominique de Villepin e a “reforma” da previdência voltou para a gaveta.
A armação de uma falácia
A ideia da “reforma” da previdência, um ícone do projeto neoliberal, surgiu com a derrocada do bloco soviético. Os governos dos países europeus, fortemente influenciados pela ascensão da direita, começaram a fazer contas e, do nada, “descobriram” que o chamado welfare state havia se tornado caro e pesado demais. Era a armação de uma falácia.
Coincidentemente, surgiam os sinais da primeira grande crise da política de acumulação financeira, acelerada em meados da década de 1070. As propostas de “reforma” variavam pouco de país para país. Os pontos principais ainda são o aumento da idade mínima para começar a receber os benefícios, barreiras à aposentadoria antecipada e restrições a benefícios por invalidez.
Aposentadorias exorbitantes
Os diagnósticos falsos, manipulados, são parte importante de catastrofismo, verdadeiro terrorismo previdenciário midiático. Para os neoliberais, não há alternativas à radical solução chilena, de privatizar tudo, como se viu recentemente na proposta original da “reforma” no Brasil.
É comum encontrar na mídia, por exemplo, menções a ”aposentadorias exorbitantes”. Mas que diabo seria isso? A partir de que ponto uma aposentadoria deixa de ser decente e vira ”exorbitante”? Quem fixa esse número? Na verdade, a “reforma” da previdência é parte da política neoliberal de baixos salários, regimes de superexploração, trabalho escravo de presos e infantil e restrições à liberdade sindical.
por Osvaldo Bertolino | Texto original em português do Brasil
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