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Domingo, Novembro 3, 2024

Há dez anos, perdíamos Benedetti, boa praça, boa gente

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

O poeta e dirigente político uruguaio Mario Benedetti despediu-se da vida faz 10 anos, em 17 de maio de 2009. Perdeu a literatura, perdeu a humanidade, mas seu humor tranquilo e muitas vezes mordaz permanece na herança de seus escritos – expressão sensível e eloquente da consciência avançada da América Latina.A literatura ficou de luto naquele domingo, 17 de maio de 2009: o grande poeta uruguaio Mario Benedetti deixou de viver. Ele tinha 88 anos de idade e deixou um legado de mais de 80 romances, ensaios, contos e principalmente poemas que fazem parte da mais elevada expressão do sentimento humano nesta parte do mundo e que registram a crença, como ele dizia, ”na vida e no amor, na ética e em todas essas coisas tão fora de moda”.

Mario Benedetti referiu-se a seu pai, na dedicatória do romance “Primavera num espelho partido”, dizendo que ele fora “boa gente”. Os poemas de Benedetti dão ao leitor a impressão de que ele próprio podia ser definido assim, como “boa gente”.

Militante e dirigente de esquerda (em 1971 ele foi um dos fundadores do Movimento 26 de Março, marxista leninista, expressão política do Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros), seus escritos oscilaram sempre entre um lirismo tocante e um compromisso social permanentemente reafirmado; muitas vezes, conseguiu a habilidade de unir estas duas dimensões, a lírica e a social, em poemas como este, escrito quando Che Guevara foi morto na Bolívia:

donde estés
se es que estás
si estás llegando
será una pena que no exista Dios
mas habrá otros
claro que habrá otros
dignos de recibirte
comandante
(Consternados, rabiosos, 1967)

ou

Quizá mi única noción de patria
sea esta urgencia de decir Nosotros
quizá mi única noción de patria
sea este regreso al própro desconcierto
(Noción de patria)

Ou

los obreros no estaban en los poemas
pero a menudo estavan en las calles
con su rojo proyecto y con su puño
sus alpargatas e su humor de lija
y su beligerancia su paz y su paciencia
sus cojones de clase
qué clase de cojones
sus ollas populares
su modestia e sy orgullo
que son casi lo mismo
(do poema Los espejos las sombras, 1976)

Ou

Compañera
usted sabe
que pude contar
conmigo
no hasta dos
o hasta diez
sino contar
conmigo
(do poema Hagamos un trato).

São textos que exprimem uma experiência de vida intensa e rica, que se desdobrou em inúmeras atividades para ganhar a vida (empregado de uma oficina, taquígrafo, caixa, vendedor, contador, funcionário público, tradutor e jornalista, antes viver somente de literatura), e muitas vezes a amarga paciência do exílio. Seus poemas, disse o escritor argentino Pedro Orgambide na introdução a uma antologia, “são o inventário de um homem de aparência simples, de gesto e voz medida, de um próximo, um ‘fulano’ que fala de amor”, de “mulheres nuas, e leva às pessoas sua palavra despojada de solenidade”, perseverando em “seu ofício de poeta que não é outra coisa senão seu ofício de viver.”

Militante desde a década de 1940 da luta pela paz, foi um incansável crítico do imperialismo dos EUA. Foi um dos fundadores e diretor, entre 1968 e 1971, do Centro de Pesquisas Literárias da Casa de las Américas, em Havana (Cuba). Em 1971, ano de fundação do Movimento 26 de Março, foi nomeado diretor do Departamento de Literatura Hispanoamericana na Faculdade de Humanidades e Ciencias da Universidade da República, de Montevidéu, cargo que manteve até 27 de Junho de 1973, quando um golpe de estado iniciou a ditadura militar no Uruguai. Em consequência, Benedetti renunciou ao cargo na Universidade. Exilou-se na Argentina, Peru e, em 1976, em Cuba. Só voltou ao Uruguai em 1983, depois do fim da ditadura.

No poema Digamos, ele escreveu

1. Ayer fue yesterday
para buenos colonos
mas por fortuna nuestro
mañana no es tomorrow
2. Tengo un mañana que es mio
y un mañana que es de todos
el mio acaba mañana
pero sobrevive el outro.

No domingo, 17 de maio de 2009, o amanhã de Benedetti acabou, mas – como ele sempre soube – sobrevive em todos nós, os outros.


Texto em português do Brasil


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