Denuncia Inocência Mata, professora da Universidade de Lisboa e da Universidade Macau, com pós-doutoramento em Estudos Pós-Coloniais
No dia de África, que se comemora hoje, dia 25 de Maio, o Jornal Tornado pergunta:
O paternalismo que caracterizou o colonialismo português continua a existir nos dias de hoje?
Sim, na forma como consideram os africanos como entidades que não têm capacidade para reflectir sobre si próprios – a não ser que esse africano seja luso-descendente. Aí, sim, têm voz na comunicação social, para reflectir sobre acontecimentos políticos, culturais, ou qualquer assunto do momento. De resto, os africanos são chamados mormente para representarem os seus dotes artísticos ou desportivos.
Quantos debates sobre a África se fizeram na televisão e na rádio sem a presença de NENHUM africano? Imagine-se fazer um debate, televisivo ou radiofónico, sobre as eleições em Portugal, em Luanda ou em Maputo, sem a participação de nenhum português! E isso é válido também nos órgãos que se dizem vocacionados para as comunidades africanas. Se isso se nota menos hoje, há 10-15 anos era assustadora a inconsciência que pessoas bem-intencionadas tinham dessa invisibilidade do negro-africano em Portugal em espaços de decisão e de produção científica ou de opinião!
A nível universitário, portanto…
Mas o pior é que não se trata apenas de uma atitude de gente comum – senão também uma atitude da academia. E quando algum africano se “atreve” a não repetir os cliclés prevalecentes sobre as relações coloniais, seja entre colonizados e colonizadores seja sobre o colonialismo (que, como toda a gente sabe, foi revestido de uma imensa bondade, com relações muito, muito harmoniosa pois o colonialismo português mais não foi do que um “encontro de culturas”!!!), é rotulado de beligerante e ingrato – como já me chamaram e por gente “comprometida” com os ditos “Estudos Africanos”…
Onde estão as vozes da intelectualidade negra portuguesa?
Bem, creio que acabei de responder a esta pergunta. Essas personalidades estão omissas! Diga-me: quantos colunistas africanos e/ou negros conhece (na televisão e na imprensa escrita)? E, interessantemente, os que existem vêm da área artística – viu aquilo que de falava na questão anterior? Sim, porque serem negros é importante no contexto da representatividade de um segmento da sociedade portuguesa – diria, da nação portuguesa!
Na sua opinião, ter sido nomeada uma ministra negra num governo português é indicador de alguma mudança?
Por isso, o “caso Francisca Van-Dúnem” é importante por causa do seu ineditismo, sobretudo quando Portugal se “orgulha” dos seus 500 anos de conhecimento de África (seja lá o que isto for!). E a sua importância não é apenas simbólica – é histórica! Veja que chega a acontecer que quando há dois africanos a ganharem um prémio ou a se destacarem num evento e/ou realização, fala-se do luso-descendente e omite-se o negro (sei que muita gente que ler isto vai dizer, mais uma vez, que sou beligerante, mas tenho dados do que digo).
Quando se celebrou, efusivamente, a pretensa crítica presente na pergunta retórica “E se Obama fosse africano”, alguém parou para perguntar “E se Obama fosse europeu?”?! E não me venham cá com historietas de que a questão étnico-racial não é importante (só não o é em Portugal!). Não existem negros nas estruturas decisórias (governos, direcções gerais) e representativas deste país que foi uma potência colonial.
Portanto, em Portugal, um observador, investigador, que queira conhecer a produção de ideias na sociedade portuguesa, chega à conclusão de que a comunidade afro-descendente em Portugal só é activa na produção artística e, claro, na produção de conflitos sociais…
Sim, há um silenciamento dos africanos em lugares de destaque na sociedade portuguesa!
Em Portugal, um observador, investigador, que queira conhecer a produção de ideias na sociedade portuguesa, chega à conclusão de que a comunidade afro-descendente em Portugal só é activa na produção artística e, claro, na produção de conflitos sociais…”
E quando algum africano se ‘atreve’ a não repetir os cliclés prevalecentes sobre as relações coloniais, seja entre colonizados e colonizadores seja sobre o colonialismo (…) é rotulado de beligerante e ingrato”
Quantos debates sobre a África se fizeram na televisão e na rádio sem a presença de NENHUM africano? Imagine-se fazer um debate, televisivo ou radiofónico, sobre as eleições em Portugal, em Luanda ou em Maputo, sem a participação de nenhum português!”
Inocência Mata é Doutorada em Letras pela Universidade de Lisboa, com pós-doutoramento em Estudos Pós-Coloniais pela Universidade de Califórnia, Berkeley. Professora da Universidade de Lisboa e da Universidade Macau.
Natural de São Tomé e Príncipe, é autora de diversos livros sobre culturas e literaturas africanas e sobre a teoria pós-colonial, entre os quais:
- “A Literatura Africa e a Crítica Pós-colonial: Reconversões” (2013);
- “A Rainha Nzinga Mbandi: História, Memória e Mito” (2012);
- “Francisco José Tenreiro: as Múltiplas Faces de um Intelectual” (2011);
- “Ficção e História na Literatura Angolana” (2010);
- “Polifonias Insulares: sobre Literatura e CULTURA DE São Tomé e Príncipe” (2010);
- “Laços de Memória & Outros Ensaios sobre Literatura Angolana” (2006);
- “Literatura Angolana: Silêncios e Falas de uma Voz Inquieta” (2001);
- “Diálogo com as Ilhas: sobre Cultura e Literatura de São Tomé e Príncipe” (1998);
para além de outras em co-autoria.Oficialmente, o Dia da África comemora-se a 25 de Maio. A data foi instituída pela “Organização da Unidade Africana” em 1963 e assinala o dia em que 32 chefes de Estado africanos reuniram-se em Addis Abeba, Etiópia, com a missão de defender e emancipar o continente africano, libertando-o do colonialismo e do apartheid. Os líderes presentes assinaram uma carta de fundação e criaram a OUA (Organização de Unidade Africana).
Em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o dia 25 de maio como o Dia da África ou o Dia da Libertação da África. Em 2002 a OUA foi substituída pela União Africana mas a celebração da data manteve-se.