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Terça-feira, Julho 16, 2024

Haverá lugar para os «Think Tanks» na política portuguesa?

Nuno Ivo Gonçalves
Nuno Ivo Gonçalves
Economista, Mestre em Administração e Políticas Públicas, Doutor em Sociologia Política. Exerceu actividade em Gestão Pública, Recuperação de Empresas, Auditoria e Fiscalização e foi docente no ISE e no ISG. Investiga em História Contemporânea.

Há dias uma tal Plataforma para o Crescimento Sustentável realizou um Encontro (ou terá sido um Congresso?) com ecos  fugazes  na comunicação social. Órgãos houve que deram conta de um “Manifesto para um Estado Moderno” (mais um) de 56 páginas (que seca!).  Um deles titulava o essencial: a denominada Plataforma é um think tank de Jorge Moreira da Silva. Contando com o think tank de Paulo Trigo Pereira, Institute of Public Policy – Thomas Jefferson-Correia da Serra – que homenageia  um dono de escravos! – já são dois think tanks. Mas o que são estes e para que servem ?

Em 2006 o efémero “Dia D”, onde Nuno Garoupa chegou a escrever, socorreu-se de Ferreira Machado, então Director da Faculdade de Economia da Nova, para sistematizar  as características dos Think Tanks: “1 – São organizações de carácter permanente; 2 – São especializadas na produção de soluções para políticas públicas; 3 – Têm pessoal interno permanente dedicado à investigação; 4 – Produzem ideias, análises e recomendações; 5 – Dão grande ênfase à comunicação dos resultados do seu trabalho aos decisores políticos e opinião pública (têm um site na Internet); 6 – Não têm responsabilidades ao nível da governação; 7 – Não pretendem estar ao serviço de qualquer interesse específico: ambicionam  independência para a sua pesquisa; 8 – Não oferecem graus académicos e a formação não é a sua actividade principal; 9 – Procuram agir, de forma explícita ou implícita, em benefício do interesse público.”, sistematização também subscrita na altura  pela INTELI, associação ligada ao IAPMEI que se auto-qualificava igualmente como “Think-Tank.”

Para o “Dia D”, o então Gabinete de Estudos do Banco de Portugal (BdP), a SEDES e o Fórum para a Competitividade seriam exemplos de organizações portuguesas que, apesar de partilharem algumas características dos think tanks económicos, não chegavam verdadeiramente a sê-lo. Aliás a unidade de  Estudos do BdP só para aqui poderá ser chamada na medida em que suporte as agendas próprias dos Governadores que pretendam fazer pressão sobre o poder político. Cabe igualmente dizer que nem a Fundação Francisco Manuel dos Santos, com uma intervenção empenhada mas difusa, nem o Projecto Farol apoiado por Belmiro de Azevedo, chegaram a configurar-se como Think Tanks. E nos anos que têm decorrido desde aquele ponto de situação não se tem ouvido falar muito de instituições com aquele formato. E será que a sua existência faz sentido?

A  principal questão que se põe em relação aos Think Tanks portugueses, é, francamente, a da sua efectiva necessidade. Os partidos vocacionados para governar conseguem em geral, mesmo sem gabinetes de estudos dignos desse nome (requalificados ou não como “laboratórios de ideias”), produzir melhores ou piores programas eleitorais e de governo sem terem de prestar atenção a estruturas deste tipo, as medidas concretas a adoptar após a formação dos governos passam pelo crivo dos serviços e dos altos funcionários, as organizações de interesses (associações empresariais, associações profissionais com ou sem carácter sindical, associações de promoção regional ou local, etc.) têm na sua maioria capacidade de promoção de debates e de formulação de propostas que defendo pode e deve ser aproveitada, cuidando é certo, que não se ofendam interesses legítimos de  outros.

Sempre foi assim, e sobretudo  o PS tem apostado em diversas ocasiões  no alargamento da base eleitoral e de governação a quadros independentes atraídos por iniciativas específicas (Estados Gerais para uma Nova Maioria, Novas Fronteiras). Já à direita o movimento Compromisso Portugal não vinculado a um partido específico, que ampliou as tomadas de posição dos primeiros “Manifestos de Economistas”, e influenciou o Governo de Durão Barroso e, mais do que se supõe, o primeiro Governo de Sócrates, pretendia, disse-se, dar lugar a um Think Tank. No entanto a proposta emblemática de realizar uma grande redução de funcionários públicos: 100 000, 150 000, 200 000 até, revelou a sua vacuidade quando se formou o Governo Passos Coelho – Portas. Helder Rosalino passou os três anos de governo de que dispôs como Secretário de Estado da Administração Pública a promover os mais diversos estudos e teve a coragem de explicar que não se sabia se existiam ou não funcionários a mais e onde. Para mim é aliás  positivo que Rosalino esteja ligado à nova Plataforma.

A seguir, é importante equacionar a viabilidade, quer do ponto de vista da captação de quadros, quer do ponto de vista de garantia de financiamento, de se dispor de “pessoal interno permanente dedicado à investigação”. O que, tanto quanto transparece, os think tanks que estão no mercado têm conseguido arranjar resume-se a alguns jovens doutorados que também realizam investigação em outras instituições, por vezes com estatuto precário, enquadrados  por pessoal já com carreira feita e pertencente aos quadros de instituições de ensino superior ou de investigação, e “investigadores convidados” que são os colegas da instituição ao lado.

Tais limitações fazem recordar um desabafo do Engenheiro Mário Gonçalves Ferreira de há cinquenta anos atrás, quando o país dispunha de menos quadros: … não seremos nós apenas algumas dúzias correndo de uns grupos para outros na ânsia de estimular a criação de actividades cujo interesse reside mais na nossa imaginação do que na realidade económica e social do País? E corresponderá esta aparente multiplicidade de grupos a uma real multiplicação de meios?” Da energia nuclear à produtividade administrativa este quadro do LNEC, hoje injustamente esquecido,  esteve em todo o lado.

Por fim, resistirão os Think Tanks que se criarem ao acesso / regresso dos seus mentores a funções governativas? É  legitimo  duvidar.

Referimo-me  em particular ao Dia D de 10-4-2006, tema de capa “Em Portugal não há Think tanks. Porquê?”, trabalho “Os corretores de ideias”, assinado por Bruno Faria Lopes, e ao artigo “Think Tanks. Conhecimento ou Poder? de Catarina Selada e José Rui Felizardo, no Público de 8-5-2006.
Boletim O. M. – Revista de Divulgação de Organização e Métodos, nº 7, Janeiro-Junho  de 1968.

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