Na madrugada de 1º de junho de 1921, uma multidão de brancos atacou moradores negros dentro de suas casas e em lojas no distrito de Greenwood, em Tulsa, Oklahoma. Considerado “o maior incidente de violência racial da História americana”, o Massacre de Tulsa ganhou os holofotes com o lançamento da série Watchmen, que estreou em outubro. Mas, ao assistir às cenas de abertura da série, muitos espectadores, inclusive americanos, se perguntaram se a história era real.
Sim, o massacre ocorreu, deixou mais de 300 mortos, mas foi praticamente apagado da História dos Estados Unidos por décadas. Além dos mortos, mais de 800 pessoas foram hospitalizadas e cerca de 6 mil moradores negros foram presos e detidos – muitos por vários dias. Apesar disso, a Cruz Vermelha se recusou a fornecer uma estimativa real do massacre, e estatísticas de Oklahoma registraram oficialmente apenas 39 mortos.
Só em 1996, 75 anos depois do ocorrido, um grupo bipartidário autorizou a formação de uma comissão para investigar o caso. O relatório final, publicado cinco anos depois, em 2001, mostra que o governo de Tulsa “conspirou” com a multidão de brancos contra os negros.
O historiador Scott Ellsworth, um dos autores do livro Death in a Promised Land: The Tulsa Race Riot of 1921 (Morte na Terra Prometida: O Massacre Racial de Tulsa de 1921, em tradução livre), explica as razões de o maior incidente de violência racial do país ser tão pouco conhecido até os dias de hoje.
Segundo ele, além do governo, o papel da imprensa foi crucial, não só para tentar apagar o acontecimento, mas também por incitá-lo: o Tulsa Tribune, um dos dois jornais locais mantidos por brancos à época, publicou uma manchete sensacionalista acusando um negro de ter atacado uma garota branca em um elevador – algo que nunca ficou provado, mas foi o estopim para o massacre.
“As notícias sobre o massacre foram ativamente suprimidas dos jornais locais chefiados por brancos. Por pelo menos 50 anos, editores e donos de jornais foram pressionados a não falarem sobre isso”, conta Ellsworth ao O Globo. “Mesmo cinco décadas depois, em 1971, um jornalista local tentou escrever uma reportagem sobre o confronto racial, e acabou sendo ameaçado de morte nas ruas de Tulsa. Nenhum dos jornais quis publicar a reportagem.”
Black Wall Street
No início do século 20, algumas décadas após a escravidão, linchamentos não eram incomuns em Oklahoma, como parte de um esforço dos brancos para manter o domínio social. A Ku Klux Klan crescia em pequenos grupos urbanos em todo o Centro-Oeste – o historiador Charles Alexander estima que, até o final de 1921, Tulsa tinha cerca de 3.200 moradores pertencentes à Klan.
Tulsa, à época, vivia o boom do petróleo e, em 20 anos, passou de uma pequena vila de caubóis a uma cidade importante. E, se havia muito dinheiro em Tulsa, parte desse dinheiro vinha da comunidade negra. O bairro de Greenwood era então conhecido como “Black Wall Street” – em referência ao distrito financeiro americano. Muitos ex-escravos conseguiram enriquecer rapidamente e criar seus próprios negócios, incluindo lojas, dois jornais independentes, dois cinemas (como o que é retratado na primeira cena da série) e boates. Também era relativamente comum a atuação de profissionais como médicos, dentistas, advogados e clérigos negros.
Como o massacre causou muito caos na cidade, que ficou sob lei marcial e teve várias lojas depredadas e fechadas, entre os governantes locais havia o interesse de que as coisas voltassem ao normal o mais rapidamente possível. Eles não queriam que Tulsa, um centro importante da indústria de petróleo, que disputava espaço com outras cidades, ficasse conhecida como uma cidade insegura”.
Além disso, quando a Guarda Nacional proclamou a lei marcial, na madrugada do massacre, muitos dos mortos foram enterrados por estranhos, em túmulos não identificados. O que fez, segundo Ellsworth, com que muitos parentes nunca soubessem o que aconteceu de fato com seus filhos, primos, irmãos – o que também é retratado em Watchmen.
Nova investigação
Professor do Departamento de Estudos Afro-americanos da Universidade de Michigan, o historiador fez parte de um grupo de especialistas que, há 20 anos, tentou pela primeira vez verificar a identidade das vítimas. Na equipe, estava o famoso antropólogo forense e especialista em direitos humanos Clyde Snow, que já havia identificado valas coletivas em Argentina, Brasil e El Salvador. Mesmo assim, apenas 39 corpos foram encontrados e identificados.
Tentamos identificar três locais onde estavam alguns desses túmulos e fizemos testes iniciais, mas fomos impedidos de continuar pelas autoridades à época. Em maio deste ano, fui contatado pelo atual prefeito de Tulsa (o republicano George Theron Bynum) para finalmente recomeçar a investigação. E é o que estamos fazendo nos últimos cinco meses”.
“Há três semanas voltamos a esses locais, adquirimos novos produtos para identificação”, agrega o historiador. “Acredito que em um mês teremos mais dados para recomeçar a escavação, caso seja necessário, o que só deve acontecer no ano que vem.”
Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado