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Terça-feira, Julho 16, 2024

História dos EUA “apagou” massacre racial retratado em Watchmen

Na madrugada de 1º de junho de 1921, uma multidão de brancos atacou moradores negros dentro de suas casas e em lojas no distrito de Greenwood, em Tulsa, Oklahoma. Considerado “o maior incidente de violência racial da História americana”, o Massacre de Tulsa ganhou os holofotes com o lançamento da série Watchmen, que estreou em outubro. Mas, ao assistir às cenas de abertura da série, muitos espectadores, inclusive americanos, se perguntaram se a história era real.

Sim, o massacre ocorreu, deixou mais de 300 mortos, mas foi praticamente apagado da História dos Estados Unidos por décadas. Além dos mortos, mais de 800 pessoas foram hospitalizadas e cerca de 6 mil moradores negros foram presos e detidos – muitos por vários dias. Apesar disso, a Cruz Vermelha se recusou a fornecer uma estimativa real do massacre, e estatísticas de Oklahoma registraram oficialmente apenas 39 mortos.

Só em 1996, 75 anos depois do ocorrido, um grupo bipartidário autorizou a formação de uma comissão para investigar o caso. O relatório final, publicado cinco anos depois, em 2001, mostra que o governo de Tulsa “conspirou” com a multidão de brancos contra os negros.

O historiador Scott Ellsworth, um dos autores do livro Death in a Promised Land: The Tulsa Race Riot of 1921 (Morte na Terra Prometida: O Massacre Racial de Tulsa de 1921, em tradução livre), explica as razões de o maior incidente de violência racial do país ser tão pouco conhecido até os dias de hoje.

Segundo ele, além do governo, o papel da imprensa foi crucial, não só para tentar apagar o acontecimento, mas também por incitá-lo: o Tulsa Tribune, um dos dois jornais locais mantidos por brancos à época, publicou uma manchete sensacionalista acusando um negro de ter atacado uma garota branca em um elevador – algo que nunca ficou provado, mas foi o estopim para o massacre.

“As notícias sobre o massacre foram ativamente suprimidas dos jornais locais chefiados por brancos. Por pelo menos 50 anos, editores e donos de jornais foram pressionados a não falarem sobre isso”, conta Ellsworth ao O Globo. “Mesmo cinco décadas depois, em 1971, um jornalista local tentou escrever uma reportagem sobre o confronto racial, e acabou sendo ameaçado de morte nas ruas de Tulsa. Nenhum dos jornais quis publicar a reportagem.”

Black Wall Street

No início do século 20, algumas décadas após a escravidão, linchamentos não eram incomuns em Oklahoma, como parte de um esforço dos brancos para manter o domínio social. A Ku Klux Klan crescia em pequenos grupos urbanos em todo o Centro-Oeste – o historiador Charles Alexander estima que, até o final de 1921, Tulsa tinha cerca de 3.200 moradores pertencentes à Klan.





Tulsa, à época, vivia o boom do petróleo e, em 20 anos, passou de uma pequena vila de caubóis a uma cidade importante. E, se havia muito dinheiro em Tulsa, parte desse dinheiro vinha da comunidade negra. O bairro de Greenwood era então conhecido como “Black Wall Street” – em referência ao distrito financeiro americano. Muitos ex-escravos conseguiram enriquecer rapidamente e criar seus próprios negócios, incluindo lojas, dois jornais independentes, dois cinemas (como o que é retratado na primeira cena da série) e boates. Também era relativamente comum a atuação de profissionais como médicos, dentistas, advogados e clérigos negros.

Como o massacre causou muito caos na cidade, que ficou sob lei marcial e teve várias lojas depredadas e fechadas, entre os governantes locais havia o interesse de que as coisas voltassem ao normal o mais rapidamente possível. Eles não queriam que Tulsa, um centro importante da indústria de petróleo, que disputava espaço com outras cidades, ficasse conhecida como uma cidade insegura”.

Além disso, quando a Guarda Nacional proclamou a lei marcial, na madrugada do massacre, muitos dos mortos foram enterrados por estranhos, em túmulos não identificados. O que fez, segundo Ellsworth, com que muitos parentes nunca soubessem o que aconteceu de fato com seus filhos, primos, irmãos – o que também é retratado em Watchmen.

Nova investigação

Professor do Departamento de Estudos Afro-americanos da Universidade de Michigan, o historiador fez parte de um grupo de especialistas que, há 20 anos, tentou pela primeira vez verificar a identidade das vítimas. Na equipe, estava o famoso antropólogo forense e especialista em direitos humanos Clyde Snow, que já havia identificado valas coletivas em Argentina, Brasil e El Salvador. Mesmo assim, apenas 39 corpos foram encontrados e identificados.

Tentamos identificar três locais onde estavam alguns desses túmulos e fizemos testes iniciais, mas fomos impedidos de continuar pelas autoridades à época. Em maio deste ano, fui contatado pelo atual prefeito de Tulsa (o republicano George Theron Bynum) para finalmente recomeçar a investigação. E é o que estamos fazendo nos últimos cinco meses”.

“Há três semanas voltamos a esses locais, adquirimos novos produtos para identificação”, agrega o historiador. “Acredito que em um mês teremos mais dados para recomeçar a escavação, caso seja necessário, o que só deve acontecer no ano que vem.”


Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

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