Foi há um ano que começou a presente invasão russa do território ucraniano. Tal como foi dito em comparação com o primeiro de setembro de 1939, o expansionismo hitleriano e a escalada do seu antissemitismo tinham começado antes, como também, de forma igualmente pertinente, poderemos constatar que nessa data começou apenas o que os franceses chamaram de ‘drôle de guerre’ expressão que os portugueses da minha geração poderão fielmente traduzir por ‘guerra do Solnado’.
Também agora poderemos realçar que tudo tinha começado muito antes. O massacre do Chechénia e a imposição do emirato de Kadyrov datam dos primórdios do poder de Putin, e depois disso tivemos as invasões na Geórgia e os massacres da Síria, não esquecendo que a primeira invasão da Ucrânia, a da Crimeia, se fez sem tiros, um pouco à imagem do Anschluss.
Um ano depois, os aliados da OTAN estão finalmente a fornecer tanques ocidentais e estão apenas a começar o debate sobre saber se deverão também fornecer aviões. Para a generalidade dos ocidentais trata-se também apenas de uma ‘drôle de guerre’, mesmo se as perdas de vidas humanas e destruição material atingem níveis dantescos para os que estão na frente da guerra, guerra, que como sabemos, não está declarada, mesmo na Rússia que continua oficialmente a referir-se a uma ‘operação especial’.
E claro que para quem quiser realçar antes o abuso que são estes paralelos históricos, a realidade fornece igualmente muita matéria, sendo a mais evidente a relativa às estratégias militares. Enquanto Hitler ganhou a primeira fase da guerra com a introdução da ‘blitzkrieg’ e do bombardeamento aéreo – imortalizado por Picasso no ‘Guernica’ – Putin pôs em marcha lógicas militares ultrapassadas que o levaram a inquestionáveis derrotas. Para recuperar, aposta agora – noutro mais que discutível paralelo – na repetição dos milhões de mortos da ‘guerra patriótica’ para enfrentar os tanques alemães, como se não fosse essencial ter em conta que então a Rússia tinha sido invadida e que agora invade.
A história não foi inventada para compreender o passado, mas para justificar uma narrativa do presente, e isto, em várias dimensões e registos, e é por isso que ela tende a ser apresentada de forma linear. Recorrendo ainda aos paralelos com a segunda grande guerra, é indiscutível que foram os EUA, e o seu Presidente em particular, quem afastaram o pesadelo hitleriano, mas isso não quer dizer que se possa ter sobre eles uma narrativa a preto e branco.
Para além de um intenso antissemitismo sem o qual o holocausto não teria atingido as dimensões a que chegou, Roosevelt manteve uma atitude ambígua perante Mussolini, indiferente perante o massacre dos etíopes com a utilização massiva de gás. Na verdade, como revela um dos mais profundamente pesquisados livros sobre o holocausto, os etíopes não obtiveram qualquer apoio das potências democráticas para resistir a Mussolini. Hitler, na altura mais interessado em enfraquecer o seu aliado ideológico, foi o único a fazê-lo.
Neste contexto, foi Zelensky e os ucranianos que conseguiram desfazer o paralelo histórico com o qual o Ocidente encarou a invasão de 24 de Fevereiro: não foi a repetição de Praga em 1968 ou de Budapeste em 1956, foi antes escrever a história em novas páginas, e é graças a eles que podemos olhar para o futuro com moderado optimismo.
Um ano depois, a minha homenagem sem restrições aos heróis da Ucrânia e ao seu Presidente!