Poeta, compositora e multiartista, Beatriz Azevedo terá na apresentação a companhia de Moreno Veloso nas vozes, Jaques Morelenbaum no violoncelo e de Marcelo Costa na percussão, além da participação especial de Maria Bethânia interpretando textos de Clarice Lispector.
Na quarta-feira (25), estreou no canal do Brazil LAB da Universidade Princeton no YouTube o concerto Agora Clarice, em comemoração ao aniversário 100 anos de nascimento da escritora Clarice Lispector, que será celebrado em 10 de dezembro. O espetáculo conta com a participação e direção artística de Beatriz Azevedo, pesquisadora de pós-doutorado da Unicamp. Poeta, compositora e multiartista, Beatriz terá na apresentação a companhia de Moreno Veloso nas vozes, Jaques Morelenbaum no violoncelo e de Marcelo Costa na percussão, além da participação especial de Maria Bethânia interpretando textos de Clarice Lispector.
O espetáculo integra uma programação de conferências e debates em comemoração aos 100 anos de nascimento de Clarice Lispector organizada pelo Brazil LAB, grupo multidisciplinar que reúne pesquisadores de todo o mundo sediado na Universidade Princeton. Pensado originalmente para ocorrer em abril deste ano, o evento precisou ser replanejado em formato digital por conta da pandemia do coronavírus. Beatriz conta que esse nova forma de participar do evento despertou nela o desejo de organizar mais do que uma apresentação simples, criando um espetáculo que envolve música, performance e literatura. Segundo ela, é uma oportunidade de mostrar o quanto sua arte pode ser enriquecida com a profundidade adquirida com suas pesquisas científicas.
“Nem sempre o ambiente acadêmico permute essa porosidade, em que você possa participar como acadêmica e também como artista da performance, que é o meu caso. É uma oportunidade muito interessante e vem muito ao encontro do que eu penso, que não há essa fronteira, ou pelo menos não deveria haver, entre a pesquisa acadêmica e a pesquisa artística. Eu procuro sempre cruzar essa fronteira, mostrar que é possível ter uma profundidade acadêmica, com referenciais teóricos, uma dimensão intelectual profunda, e ter essa mesma dimensão com a criação artística, com a performance, com a apresentação”, analisa Beatriz. Confira um teaser da da música A.G.O.R.A., que será apresentada no concerto Agora Clarice.
“A Antropofagia, para mim, é uma visão de mundo”
Mestre em Literatura Comparada pela USP e Doutora em Artes da Cena pela Unicamp, Beatriz Azevedo é pesquisadora de Pós-Doutorado da Unicamp com apoio da Fapesp. Suas pesquisas envolvem as diferentes possibilidades de pensamento abertas pela Antropofagia, abordando desde o conceito artístico formulado por Oswald de Andrade até suas conexões históricas e antropológicas com os rituais praticados por povos indígenas do Brasil.
“É uma pesquisa que desenvolvo há muitos anos, desde minha iniciação científica, também aqui na Unicamp, ela já dura mais de duas décadas. É um tema que está relacionado tanto às artes brasileiras, mas também ligado ao pensamento ameríndio. A antropofagia era um rito Tupinambá, antes da colonização, a partir de 1500, ele já era praticado no Brasil. É então uma pesquisa com profundidade filosófica, antropológica e histórica, é bem abrangente”, explica a artista.
A partir de seu contato intenso com a literatura brasileira e sua experiência em traduzir em poesia e música esse conhecimento, Beatriz interpreta que toda essa bagagem teórica acumulada moldou sua forma de produzir arte. Isso faz com que seu olhar, que nesta oportunidade se volta à obra de Clarice Lispector, seja mais atento às possibilidades abertas pelas linguagens artísticas. “Sem o meu mestrado em Literatura, sem o meu conhecimento profundo da obra de Clarice, não seria possível eu construir o roteiro de um espetáculo de uma hora que percorre a obra de Clarice Lispector. Esse é um olhar de pesquisadora que agrego ao fazer uma direção artística com a profundidade da pesquisa. Por isso, em Princeton não vou estar apenas como uma artista, mesmo porque não é possível ser ‘apenas um artista’ (risos), o trabalho artístico envolve muita coisa. Mas essa dimensão da academia também está presente quando faço um projeto artístico desse porte”, comenta.
Para Beatriz, esta também é uma oportunidade de colocar em prática o pensamento antropófago de Oswald de Andrade, cujo principal objetivo era o de descobrir e valorizar o que a arte brasileira tem de mais original e exporta ao mundo essas características únicas. Assim, ao produzir um espetáculo dedicado à literatura de Clarice Lispector para ser apresentado a um público internacional, aplicar nesse trabalho sua seu olhar antropófago torna-se uma consequência inevitável e preciosa de anos de pesquisas dedicadas ao tema.
“Eu não preciso, necessariamente, que a antropofagia apareça como tema em tudo o que faço. Mas a antropofagia, para mim, é uma visão de mundo, é uma forma de olhar a vida, um jeito de entender os processos históricos do Brasil. Isso me acompanha em tudo o que faço. Mesmo que eu não esteja falando sobre a antropofagia, meu olhar é antropófago. É uma formação, um viés intelectual. Meu trabalho de criação artística é nutrido por toda a filosofia da antropofagia e pelo pensamento ameríndio, que é uma outra concepção de mundo. Então tudo o que eu faço tem um pouco de antropofagia”, sintetiza.
Publicado no Jornal da Unicamp | Texto em português do Brasil
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