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Quarta-feira, Julho 17, 2024

Hong Kong por trás do espelho – Parte I

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

A antiga colónia britânica no sudoeste asiático e última a ser “libertada” ao abrigo de um acordo com o governo chinês que previu a instalação do regime “Um País, Dois Sistemas”, tem sido alvo de um já longo processo de contestação popular originado no que os seus promotores designam como uma tentativa de limitação de direitos e liberdades.

O acordo de devolução do território à China, firmado entre chineses e ingleses, previa um período de transição de 50 anos, durante o qual deveriam manter-se as principais linhas que levaram aquela antiga colónia a um patamar de crescimento e prosperidade invejável na região.

Enquadramento histórico

Hong Kong é um conhecido porto de águas profundas no Mar da China Meridional, na foz do Rio das Pérolas, uma importante via fluvial no sul da China, foi ocupado pela Grã-Bretanha em 1842, no final das Guerras do Ópio.

O domínio britânico que governou Hong Kong durante 155 anos, negou aos seus naturais um governo eleito, o direito a salário mínimo a milhões de trabalhadores, sindicatos, habitação decente ou assistência médica e pouca ou nenhuma liberdade de imprensa ou de expressão.

Há uma geração que Hong Kong ocupa o primeiro lugar na lista de países com a “maior liberdade económica” da Heritage Foundation (think tank conservador norte-americano cuja missão é a formulação e a promoção de políticas públicas conservadoras de livre mercado, governo limitado, liberdade individual, valores tradicionais e uma forte ênfase na defesa nacional), o que se traduz em reduzidas restrições à obtenção de lucros através da aplicação de políticas de impostos baixos e reduzidas regulamentações, defesa dos direitos de propriedade e liberdade comercial, abertura ao comércio global e ausência de restrições aos bancos estrangeiros; Hong Kong é, por isso, a “sociedade mais livre do mundo”. A contrapartida a esta realidade é uma cidade onde se praticam os preços mais altos no imobiliário e uma sociedade onde o fosso entre os mais pobres e os mais ricos não tem parado de crescer.

O acordo de 1997, que devolveu formalmente Hong Kong, Kowloon e os Novos Territórios à República Popular da China, obriga o governo chinês a manter o status quo colonial durante 50 anos, algo que não terá desagradado a uma Pequim que há época precisava de fundos para o seu desenvolvimento e é bem conhecida a importância duma Hong Kong por cujo sistema bancário passou a maior parte desse dinheiro. A China estava ansiosa por alcançar uma transição suave que não desestabilizasse a transferência de fundos de investimento para o resto do seu território, pois desde a Revolução Chinesa de 1949, que o país se via sancionado e impedido de aceder ao investimento e à tecnologia ocidentais.

A esta visão chinesa opunha-se a ideia ocidental de manter o controlo económico da sua ex-colónia na esperança desta poder servir, como anteriormente, de desestabilizador económico da China. Porém, se em 1997, o produto interno bruto de Hong Kong representava 27% do produto interno bruto da China, agora representa apenas 3% e o seu peso continua a cair (fontes há que preferem referir uma quebra no índice da Bolsa de Hong Kong de quase 5% desde o início dos protestos), enquanto os maiores bancos do mundo estão agora sedeados na China e são bancos estatais.

O que continuará a preocupar e confundir os dirigentes ocidentais, muito mais do que o incrível crescimento da China, é o facto das principais empresas chinesas na lista Fortune 500 dos EUA serem todas estatais e incluírem grandes empresas de sectores como o petróleo, a energia solar, as telecomunicações, a engenharia e construção, a banca e a indústria automóvel e, a par com o seu crescimento ao inegável estatuto de potência económica que tem hoje, a China propor-se agora lançar uma Nova Rota da Seda, projecto também designado por Belt Road Iniciative (BRI) que prevê a construção de uma rede global de comércio através de infra-estruturas como caminhos-de-ferro, portos, auto-estradas e túneis ligando a Ásia, o Médio Oriente, a África e a Europa.

Acontecimentos recentes

Foi perante esta situação que se chegou a, para usar as palavras do Embaixador chinês em Lisboa, uma:

proposta de revisão do Decreto dos Infractores Fugitivos e da Assistência Mútua Jurídica em Matéria Penal iniciada pelo governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong visa enquadrar na sua jurisprudência a cooperação de transferência dos fugitivos e assistência jurídica penal entre Hong Kong e as restantes regiões da China, no sentido de resolver a falta da base legal que tem sido um obstáculo para as cooperações desta natureza»

E nem a suspensão da revisão, anunciada pelo executivo de Carrie Lam, desmobilizou as manifestações, o que prova (pela voz do embaixador Cai Rum) a:

intenção verdadeira escondida atrás da oposição, isto é, utilizar a ocasião para perturbar Hong Kong e destruir o princípio de “Um País Dois Sistemas”».

Ainda que possivelmente tendenciosa, não esqueçamos que a inversa – a versão propalada pela imprensa ocidental que eleva os contestatários cidadãos de Hong Kong ao patamar de heróicos defensores da liberdade e da democracia (algo que como vimos nunca conheceram durante o período da colonização ocidental) – não será menos fantasiosa.

Com o arrastar da situação e a escalada de violência nos confrontos entre polícia e manifestantes, fala-se já na mobilização do exército chinês com vista a uma possível intervenção na região de Hong Kong, mesmo sabendo que esta deverá ser o último recurso de um governo que sabe perfeitamente que uma intervenção militar produzirá mais estragos na economia local e nacional (a imposição da lei marcial em Hong Kong, um importante centro financeiro e porta de entrada para os fundos de investimentos internacionais, afectaria o desenvolvimento da própria China)que a conseguida pelas manifestações. Ainda assim, tal como vimos acontecer em 2014 no caso da Crimeia, nunca a China abrirá mão do controlo de um território que entende estratégico; o Ocidente reclamará, poderá até arrancar os cabelos e rasgar as vestes, mas se a China se decidir por uma intervenção directa terá que a aceitar como facto consumado.



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