Série de TV
House of Cards – 4ª Temporada
Talvez mais empolgante que a fragilidade caótica da política brasileira, com uma densidade que supera a pífia clivagem nacional após as últimas legislativas, indubitavelmente, além das parcas negociações entre a União Europeia e a Turquia sobre a controversa questão dos refugiados do Mediterrâneo, ou até bem mais séria que as actuais primárias americanas – ainda que bem menos risíveis -, a 4ª temporada de ‘House of Cards’, criada por Beau Willimon para o serviço de streaming da Netflix, é um verdadeiro must see televisivo cujo investimento de tempo será até mais proveitoso que muitas das longas metragens fastidiosas dos nossos telejornais.
É, digamos assim, a telenovela perfeita para quem não grama telenovelas. Pelo menos foi isso para nós, apesar de não termos resistido em deglutir os seus 13 episódios num par de dias.
Uma vez mais, esta ‘casa de cartas’ brinda-nos com uma nova radiografia dos jogos de poder da política americana a viver paredes meias com o auscultar do complexo movimento peças do xadrez político em que o Presidente Frank Underwood se entrega na corrida das primárias do Partido Democrata na pretendida renovação do seu mandato na Casa Branca.
O que significa também uma nova dose de soberana e sibilina interpretação de Kevin Spacey, seguramente no melhor que nos tem dado o seriado televisivo mais recente. Mas também assente no crescente acento do figurino feminino, movido pelo relevo da majestosa first lady Claire Underwood, em mais uma imperial prestação de Robin Wright, que assina, inclusive, a realização de alguns episódios desta série.
Após uma terceira série que desbaratou parte do seu fulgor, temos o melhor da política da terra do Tio Sam já, com todas as suas particularidades e peculiaridades, bem como uma cada vez maior aproximação à realidade. Até porque daqui a nada temos eleições presidenciais à porta.
Mas, agora, são as Primárias, senhor! Aquela eleição em que cada Estado americano vota nos seus candidatos. É nesta corrida que Frank Underwood vive novos desafios à medida que procura evitar o desgaste dos pecados passados que começam a voltar-se contra si.
Se é verdade que a série sempre deveu parte da sua inspiração política a Shakespeare e àqueles vilões por quem acabamos por nutrir alguma simpatia, nesta nova temporada, Frank Underwood, uma espécie de afiliado de Ricardo III, ou Iago, o vilão de Otelo, mostra-se capaz de tudo para conseguir vingar o seu zelo político; numa jornada em que recebe também a emergência de uma versão da sábia Lady McBeth por parte da intocável Claire Underwood, hábil no manejamento dos seus peões, embora num bem negociado entendimento com o marido, muito para além da família, que será capaz de lhes conceder o perfume de poder que ambos anseiam.
Este elemento feminino sairá ainda mais reforçado pela entrada em cena da estratega LeeAnn, num regresso à ribalta da quase esquecida Neve Campbell, mas também pela presença da mãe de Claire, a enorme Ellen Burstyn, que precisa de tão pouco para deixar a sua marca de grande actriz numa série empolgante. Mais do que a dama, Claire é o verdadeiro joker decisivo desta temporada na Casa Branca, e a chave para resolver o diferendo energético com a Rússia.
Frank, mas também Claire, irão jogar os tickets, esgrimir os putativos running mates, exortar os whips, aqueles que se encarrega da disciplina política do partido. Enfim, política à americana. São os discursos ensaiados, as negociações na sala Oval, os lobbies, desta vez com os argumentistas da série a aflorar a questão do uso e posse de armas pelos cidadãos americanos, sempre tão defendidos pela 2ª emenda à Constituição.
Além destas peças, mesmo sem desejar explorar alguns inevitáveis spoilers, a série acompanha a rivalidade do democrata Underwood com o republicano Conway (Joel Kinnaman), o governador de Nova Iorque que procura dar uma imagem muito familiar e muito redes sociais, com a mulher britânica (Dominique McElligott), que serve, pelo menos para manifestar a opinião europeia à loucura americana pelas armas (“vocês são loucos!”).
No entanto, Frank terá ainda de superar vários desafios, no que parece ser uma vontade do guião da série em seguir de perto a realidade americana, e onde um discurso de Underwood deixa até mesmo escapar um “yes, we can”. Mas, entre eles, Frank justifica até presença do pai numa foto junto a um membro do Ku Klux Klan, no que pode até ser encarado como uma sugestão da alegada simpatia de Trump pelas razões dos homens mascarados pela túnica branca.
Mesmo assim, Frank terá desafios de saúde mais inesperados, como lutar pela vida após um atentado, sobreviver a um transplante e até encarar o desafio da luta contra o terrorismo. Algo que fará dentro e fora de portas, mais concretamente na Síria, com o grupo ICO, uma versão próxima do ISIS, num final que problematiza o imbróglio entre sunitas, shiitas e kurdos, assumindo que são um país em guerra, deixando-nos até com um enigma nas mãos: “sim, nós não nos submetemos ao terror; nós fazemos o terror”!…
Um rastilho que fica aceso para a 5ª (e derradeira?) temporada.