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Sábado, Novembro 2, 2024

A importância da lucidez versus esquecimento

Isabel Rodrigues
Isabel Rodrigues
Escritora, licenciada em Psicologia Clínica, Poeta, Contista, Ensaísta, Assistente técnica

memoria

 

Bases da memória:

Memória sociocultural

O Homem, em todas as épocas em todas as culturas, deve a sua grande importância à memória. Nas sociedades primitivas observam o culto de certas práticas através de indícios do culto da memória. Os habitantes da Nova Guiné obrigaram-se a um recenseamento dos seus nascidos para recordarem melhor os nomes do seu clã.

Memória, um registo de identidade

A memória é a maneira de como fazemos o registo do passado para a sua posterior utilização no presente.

Sem memória, não haveria o antes e o depois, só o agora, não haveria possibilidade de utilizar capacidades adquiridas nem recordar nomes, viveríamos num presente circunscrito. Não teríamos nem a referência dos dias nem das horas ou até dos segundos. Acordamos todos os dias a saber quem somos. Este sentimento de identidade pessoal assenta, evidentemente na perenidade das recordações que ligam o passado com o presente.

Como os psicólogos estudam a memória?

O primeiro passo é compreender que não existe um sistema único de memória ou só um conjunto de processos de memória. O termo memória é simplesmente um amplo rótulo para um grande número de processos que formam as pontes entre o passado e o presente distinguindo-se essas ”pontes”em aspectos importantes.

Um dos aspectos importantes é os intervalos de tempo envolvidos nos diferentes tempos de memória, uns medidos em termos de fracções de segundos, outros em minutos, outros de meses e anos.

Estes diferentes intervalos de retenção estão associados a diferentes sistemas de memória.

A distinção entre memória a curto prazo e a memória de longo prazo.

A memória explícita – É quando evocamos a memória para recordar e temos dela a perfeita consciência, ou seja se nos perguntarem o que jantámos ontem? Ao responder temos a perfeita consciência do acontecimento, do que comemos, de onde estivemos e com quem estivemos.

A memória implícita – muitas vezes evocamos a memória sem termos a consciência do que falamos, ouvimos e compreendemos. Nós, sem termos essa consciência do que o estamos a fazer,  recorremos a um dicionário interno de memória que temos armazenado e actuamos correctamente uma vez que no passado já tínhamos apreendido o seu significado.

Três aspectos comuns nos diferentes tipos de memória:

Codificação – vem dos tempos e termos da computação (código), para recordar é preciso termos aprendido antes em termos biológicos, a parte interessante é que quando por exemplo fazemos palavras cruzadas, temos de primeiro de ir onde temos essa aquisição de informação do que aprendemos, ou seja o cérebro vai buscar esse item e o põe outra vez de forma a que o possamos utilizar, na forma como o aprendemos, ou seja, como nós o codificamos internamente por uma determinação sonora, ou uma sequência de letras, ou em termos de significado ou em termos de contexto curiosamente.

Armazenamento – Para ser recordada sempre que precisamos, a experiência codificada deixa um registo no sistema mental (o traço mnésico), tem de ser mantido de forma mais ou menos permanente para a utilização subsequente por exemplo até ao próximo jogo de palavras cruzadas.

Recuperação – quando nós tentamos nos lembrar extrair um dado traço mnésico de entre os outros todos que armazenou. Para podermos preencher as palavras cruzadas de forma que seja correspondente ao que precisamos para pôr acertadamente na quadrícula.

Os métodos subjacentes são a recordação – onde se mostra ao paciente por exemplo como se chamavam os colegas da 3ªclasse? Onde o psicólogo procura ver quais as lacunas na aquisição inicial e como está a ser feito o processamento dessas mesmas memórias. Utiliza-se testes de resposta curta, ou de recapitulação.

O outro método é o do reconhecimento – ao paciente a quem se mostra o item tem de dizer se já o tinha visto anteriormente, tem de responder por exemplo à pergunta, esta rapariga fazia parte da sua equipa de basquetebol?

Dá-se a possibilidade de reconhecer o item mediante outras alternativas falsas, os testes de escolha múltipla ou de resposta verdadeiro-falso.

As falhas de memória podem resultar de perturbações dos três estádios, por exemplo a pessoa ter registado só pelo padrão sonoro e a codificação e o armazenamento terem sido insuficientes a nível do traço mnésico no seu significado e por isso, não encontra a solução para o jogo das palavras cruzadas.

A teoria dos multi-sistemas de memória – Já no tempo dos filósofos gregos e de Santo Agostinho  se descreveu as “ espaçosas salas de memória” onde existiam tesouros de imagens sem conto…

Esta metáfora espacial, do pensamento do tempo antigo foi transposto e adaptada para o contexto de processamento de informação. Santo Agostinho falava de um só armazém de memória, agora esta teoria assenta em que existiam vários desses sistemas de armazenamento, cada qual com diferentes propriedades (Broadbent, 1958, Waugh e Norman 1965; Atkinson e Shiffrin, 1968).

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Acontecimentos na memória: Memória, um não esquecer

No pós-guerra podemos tentar perceber como as memórias ficam na mente das pessoas, um breve excerto sobre quem viveu o holocausto e descreve a memória da seguinte forma…

“Quase ausente….na verdade, completamente ausente…está outro elemento, tão conhecido com base nas recordações e testemunhos sobre a vida quotidiana nos campos de concentração. Refiro-me à violência, crueldade, à tortura, aos homicídios individuais.”

“….O mais intrigante…é que quase não tenho memórias dessas; tenho de pensar muito e examinar as imagens que permanecem gravadas sob uma ou outra forma como experiências, como cores, como impressões, para isolar nelas algo de um tipo que pudesse descrever como violência.”

(Kulva D. O. Paisagens da Metrópole da Morte.)

Muito rico este excerto, para perceber como é codificado os acontecimentos em situações extremas, como é que o recalcamento é feito, como ficou armazenado na memória, o que foi entretanto esquecido e como ainda é recordado. (Rodrigues, I).

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Percas na memória: Memória, um retrocesso As perturbações da memória devido à detiorização do tecido cerebral.

Amnésias – um transtorno de forma total ou parcial de memorização (registo, retenção, e evocação) uma informação relativo a um período da vida de um indivíduo.

Amnésia retrógrada (antes) – se reflecte numa perca de memória que abarca o período prévio da aparição do transtorno (geralmente orgânico), como no traumatismo craniano com perca de consciência. Pode ser de dias ou semanas, por vezes anos. Considera-se a causa, um problema de consolidação do traço, que afecta as recordações antes da lesão em que não houve a consolidação desses traços para se tornarem consistentes em relação ao esquecimento e dá-se a amnésia. É como o paciente tivesse agora através da recuperação consolidar os dados que não ficaram arquivados.

Amnésia anterógrada (para diante) – Lesões do córtex cerebral, onde muitas vezes o anterior à lesão recordam mas depois não conseguem reter nada de novo. Em certas circunstâncias do alcoolismo crónico surge o síndroma de Korsakoff (do nome do médico russo que pela primeira vezes descreveu a perturbação) que acompanha o processo de senilidade.

Pode ser a falta de armazenamento como o caso do paciente H.M. que a lesão do hipocampo provocou a falta de armazenamento e o mesmo episódio era vivido intensamente como tivesse acontecido outra vez.

 

Palavras do paciente…

…”É como se cada dia fosse o único, independentemente do prazer ou da dor que eu tenha tidos nos dias anteriores”. (Milner, Corkin e Teuber, 1968). Outras funções deste doente permaneceram intactas.

 

Recuperação da memória: Memória como avanço O fulgor da memória

Ao formar-se uma memória há uma mudança física do cérebro, diz o cientista Don Arnold, através de imagens tridimensionais, consegue-se ver através da cor quais os pontos de contacto entre neurónios para a formação de memórias, isto é, quando são formadas novas memórias e onde surgem novos pontos e os velhos se desvanecem. (é visível nos pontos vermelhos e verdes nas ramificações que saem dos neurónios dos ratinhos).

Cada neurónio possui em média, dez mil sinapses, a investigação segue então as hipóteses:

  • Existe alguma ordem nas suas ligações a outros neurónios ou essas ligações são aleatórias?
  • Nas ligações que fazem mostram preferências por alguns tipos de neurónios em detrimento de outros?

(Harvard, projecto de Cajal até ao século XXI). Neurocientista Jeff Litchman, da Universidade de Harvard.

 

Memória a quanto obrigas?

Termino com a seguinte questão…

Imagine a riqueza, a complexidade e plasticidade na formação das memórias e o que ainda falta estudar em termos de caminho neuronal e ajuda do paciente em termos de recuperação.

O mundo neuronal é vasto e as memórias são o que liga o passado, o presente e agora o futuro.

Sem elas, as memórias, ficaríamos desligados do Mundo em pequenas sequências limitadoras do pensamento humano, ficaríamos sem o fio condutor de toda uma estrutura que deve estar a funcionar em sintonia.

A questão do armazenamento é outra possível hipótese de estudo, como vamos reter essa memória para as gerações futuras quando estamos cada vez mais sujeitos a doenças como a Esquizofrenia e doença de Alzheimer (mais tarde falarei destas doenças associadas).

Grandes avanços terão sido feitos nesta matéria mas resta saber como evitar constantemente o retrocesso e até onde podemos esquecer e reter o passado. Temos de avançar sem passados obsoletos de forma a não perdermos a identidade que nos levou anos a consolidar.

Aí se percebe o quanto é preciso não esquecer como a estrutura neuronal se liga e se desliga de um todo funcional e como está sujeito a alterações devido a lesões.

Novas investigações, em termos de como os sistemas espontaneamente se ligam serão de saudar, a forma como os cientistas recuperarem a lesão e descobrir o ”crucial” ponto em que foram desligados e  se precisam sequencialmente de ser recuperados.

O valor disto é imensurável e indescritível para a condição humana, para envelhecer com qualidade e renovar-se. O criar das novas memórias sem detrimento das antigas, onde o esquecimento só actua onde já não é preciso lembrar mas o funcionamento neuronal se mantém futuramente intacto. (Rodrigues I.)

 

Bibliografia:
Revista National Geographic: Viagem ao interior do cérebro, Abril 2014
Kulva D. O. Paisagens da metrópole da morte. Círculo de Leitores 2013
Ruiloba, V. J. Introducción a la Psicopatologia y la Psiquiatria, Masson, S.A. 4ª Edición.
Gleitman H. Psicologia. Fundação Calouste Gulbenkian. 4ª edição.

 

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