Sem escolha nem alternativas algumas pessoas aprenderam a separar o trigo do joio sem mesmo saber quem é quem, perdendo grandes quantidades de trigo acabando por consumir o joio. O paladar acostumou-se e aprendeu digerir cada um. A pobreza, como sabem, tortura o ser humano, submetendo-o à mais rasa das condições. O pobre não tem escolha e todos os dias rala a sua dignidade e sufoca as suas vontades; agradece com fervor e trabalha em muitos casos dez vezes mais do que os avantajados.
– Quanto mais suares menos ganhas, esta é uma citação que eu deveria discordar mas às vezes acentuo cada letra e chego a acreditar nela.
Quando o meu telefone tocou reclamei com a madrinha que já não aguentava a situação que o desemprego me proporcionava, logo ela disse-me para ter calma… é só uma fase sublinhou…
Naquela manhã apeteceu-me comer peixe e decidi ir a praia comprar, um luxo só para quem pode… pensei, mas o outro amigo meu, contou-me que é preciso aprender a distinguir a pobreza da miséria… e, como sempre, busquei o significado no dicionário.
Pobreza: falta de meios à subsistência, ausência de recursos financeiros, carência, falta de inteligência ou de qualidade, mediocridade.
Miséria: estado de falta de meios de subsistência, pobreza, estado que inspira compaixão, infelicidade, avareza, sovinice e outros adjetivos à esquerda de zero.
As casas encharcadas de mosquitos flutuam nas inundações causadas pelas chuvas, e seria preciso decidir entre comprar o inseticida ou guardar para o pão.
Miséria para mim é quando alguém vai ao hospital e morre por falta de uma ampola de dipirona, ou mesmo por falta de uma gaze esterilizada ou mesmo um aparelho de medir a tensão arterial, é não poder cozinhar feijão porque senão o gás acaba, é ver o filho a ser expulso da escola pública por não pagar a comparticipação, é ver uma mãe apanhando peixes venenosos (baiacu) e dar aos filhos… a eles não surte efeito, Deus protege, assim como protege e imuniza os corpos famintos e mal alimentados que padecem todos os dias de má nutrição e crescem desfavorecidos. Mas crescem… a intimidade forçada com vermes e parasitas torna-os imunes, quase já nem adoecem como os filhos de bolo e leite… alguém comentou
– Mas este miúdo, passa o dia descalço, pisa nesta água podre, nunca o vi doente… porque será? Se um dos meus “bolo e leite” pisar só nesta água? Vamos ter óbito….
Neste dia não comprei o peixe que queria, mas comprei peixe, e senti-me menos pobre embora o tamanho, a quantidade, me denunciava o contrário. Já tinha o peixe ainda me faltava descobrir…, se iria degustá-lo acompanhado de quê?
A autora escreve em PT Angola
Receba regularmente a nossa newsletter
Contorne a censura subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.