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Sábado, Dezembro 21, 2024

Inauguração atribulada da Carris Metropolitana

Nuno Ivo Gonçalves
Nuno Ivo Gonçalves
Economista, Mestre em Administração e Políticas Públicas, Doutor em Sociologia Política. Exerceu actividade em Gestão Pública, Recuperação de Empresas, Auditoria e Fiscalização e foi docente no ISE e no ISG. Investiga em História Contemporânea.

Ao lançamento do PART – eloquentemente resumido como Programa de Apoio à Redução Tarifária – que veio beneficiar os utentes das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, a que me referi em artigo publicado em 5 de Maio de 2019(i), o qual deveria ter induzido uma maior utilização dos transportes colectivos e uma redução do recurso ao transporte individual, sucedeu um período algo confuso em que a pandemia de COVID-19 veio desencorajar a utilização dos primeiros e em que o Estado chegou a ser chamado a compensar os operadores da perda de receitas.

Na medida em que com a “redução tarifária” se pretendia, para além de desonerar os utentes, melhorar o impacto ambiental e justificar os apoios do Fundo Ambiental à redução tarifária, o Programa acabou por se entrosar com uma reorganização da oferta de transportes rodoviários de passageiros envolvendo novas concessões a operadores privados, redefinição de percursos e de horários, e substituição de viaturas, que passou, nas duas Áreas Metropolitanas, pelo lançamento de concursos, que na Área Metropolitana de Lisboa foram estruturados em quatro Áreas. As soluções não puderam ser operacionalizadas antes no novo ciclo eleitoral autárquico justamente porque se tornou necessário encomendar as novas viaturas(ii).

A estratégia de actuação definida para a Área Metropolitana de Lisboa previa desde o início que as empresas seleccionadas operassem todas sob a marca Carris Metropolitana de Lisboa, que NÃO incluía a Carris do Município de Lisboa(iii).

Ficou assim criado um factor de confusão, pelo menos para os utentes, e de desresponsabilização, porque a empresa que foi efectivamente criada recebeu o nome de Transportes Metropolitanos de Lisboa.

Os Estatutos – de difícil localização dentro do próprio site – mostram que a entidade criada é, em termos de natureza jurídica, mais um “monstro”:

A sociedade é uma pessoa colectiva de direito privado sob a forma de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, de responsabilidade limitada, com a natureza de empresa local metropolitana, que goza de personalidade jurídica e é dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, que adota a denominação “TML- Transportes Metropolitanos de Lisboa, E.M.T., SA”, abreviadamente designada por “TML””

Que faz praticamente tudo:

A TML visa a prossecução de competências próprias e delegadas nos domínios da mobilidade e transportes, designadamente das competências de autoridade de transportes relativamente aos serviços públicos de transporte de passageiros explorados na área metropolitana de Lisboa, bem como competências conexas na área da mobilidade de transporte, incluindo a prestação de serviços de interesse geral no âmbito do desenvolvimento, gestão e exploração de estacionamento e soluções de mobilidade urbana”.

A presidente do Conselho Metropolitano (e Presidente da Câmara da Amadora) é Presidente da Mesa da Assembleia Geral da sociedade TML, reflectindo as alterações posteriores à saída de Medina, a que me referi em artigo aqui publicado em 2 de Março de 2022.(iv)

Em princípios de Junho de 2022 esperava-se que arrancasse a inauguração da Carris Metropolitana na área 4 – maioria dos concelhos da Margem Sul e que no mês seguinte arrancassem as áreas 1 e 2 – margem Norte e a área 3, ou seja, a restante Margem Sul, isto é os concelhos de Almada, Seixal e Sesimbra.

A inauguração da Área 4, protagonizada pelo operador Alsa/Todi, correu mal, com muitas das ligações previstas a não funcionarem, ao que se foi dizendo por falta de pessoal, ou por este não ter formação sobre a condução das viaturas, ou sequer informação sobre os horários que deveriam ser assegurados.

No site TML podia ler-se na véspera do lançamento:

 “A cerimónia de lançamento da Carris Metropolitana na área 4, que corresponde aos municipios de Alcochete, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela e Setúbal, é já amanhã.

A sessão de pré-lançamento será no Parque da Bacalhôa em Azeitão, e terá inicio às 11:30.

Contamos com a presença de Carla Tavares, presidente do Conselho Metropolitano de Lisboa, Jorge Delgado, secretário de estado da Mobilidade, Carla Guerreiro, Carlos Humberto de Carvalho, primeiro-secretário metropolitano, autarcas da área metropolitana de Lisboa e representantes de diversas instituições.”

Ao fim de alguns dias de confusão a TML, resguardando-se embora, teve de anunciar que, até ao início do mês seguinte, os transportes obedeceriam aos horários anteriormente praticados:

A Carris Metropolitana entrou em funcionamento no dia 1 de junho, nos municípios de Alcochete, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela e Setúbal.

A Carris Metropolitana entrou em funcionamento no dia 1 de junho, nos municípios de Alcochete, Barreiro, Moita, Montijo, Palmela e Setúbal.

Como entidade detentora e responsável pela gestão da marca Carris Metropolitana, a Transportes Metropolitanos de Lisboa (TML) está a acompanhar, com preocupação, todas as dificuldades relativas à entrada em operação nestes municípios, lamentando o impacto que as mesmas têm causado junto dos passageiros.

A operação nestes municípios, área 4, é assegurada pela empresa Alsa Todi, que assumiu contratualmente um nível de serviço que ainda não conseguiu atingir, nomeadamente no que diz respeito ao cumprimento de horários e disponibilização de informação ao público.

A TML tomou hoje conhecimento que algumas destas falhas de serviço se devem a questões laborais entre a Alsa Todi e os seus trabalhadores, estando, no entanto, a desenvolver todos os esforços para garantir que a operação da Carris Metropolitana seja realizada nos termos contratuais definidos, com vista à rápida e completa resolução das atuais situações de incumprimento.

É expetativa da TML que a partir de amanhã a operação da área 4 possa retomar o seu funcionamento, efetuando os horários praticados pelo operador anterior. Estamos a trabalhar no sentido de garantir que o novo operador possa superar os incumprimentos nesta fase de arranque inicial e assegurar a oferta prevista para a nova operação.”

Não se sabe exactamente que tipo de trabalho existiu entre a TML, os pelouros de transportes das Câmaras Municipais e os operadores para estruturar as linhas e os horários. Muito optimisticamente a TML divulgou a marcação de reuniões com as juntas de freguesia de cada Área alguns dias antes das datas previstas para a inauguração do serviço. O flop da área 4 levou ao adiamento por SEIS MESES da inauguração do serviço nas áreas 1 e 2, ou seja nos concelhos a Norte do Tejo.

No entanto manteve-se o arranque da Área 3 – Almada, Seixal, Sesimbra em 1 de Julho com a expectativa que as coisas se compusessem entretanto na Área 4. A criação de um grupo no Facebook actualmente denominado Passageiros da Carris Metropolitana, veio revelar que:

  1. o maior descontentamento surgiu entre passageiros do Concelho de Almada, designadamente de pessoas que trabalham em Lisboa em diversos horários e dependem para o regresso de ligações com horários adequados, que se tinham volatilizado com o novo esquema;
  2.  muitos dos interessados não haviam assimilado que a Carris Metropolitana, nada tinha a ver com a Carris de Lisboa e em geral que o operador TST – Transportes Sul do Tejo cujo nome deixara de aparecer nos autocarros que eram sua propriedade, conduzido por motoristas de que continuava a ser entidade patronal, não se considerava responsável pela organização do serviço, pelas lacunas de informação ou pela resposta a reclamações.

De resto soube-se entretanto que o Grupo Arriva, de que a componente mais emblemática é o DB alemão, tinha combinado com uma empresa israelita vender-lhe a sua posição nos TST.

Nestas condições, a Câmara Municipal de Almada terá funcionado como destino principal dos protestos e tê-los-á levado a sério e a Carris Metropolitana tem sido levada a fazer alguns ajustamentos.

Já no concelho do Seixal a situação estará normalizada, embora algumas das alterações previstas tenham ficado previstas para se realizar até ao fim do ano. A Câmara Municipal continua a enfatizar o seu “investimento nos transportes” em outdoors que propagandeiam “oito milhões de euros em quatro anos” em autocarros “mais ecológicos”. O Boletim Municipal de Junho dedicou 4 páginas bem concebidas ao “novo sistema de autocarros” como lhe chamou o Presidente da Câmara Joaquim Santos num destaque inserido no seu Editorial do mês seguinte, em que com inteira propriedade lhe foi possível afirmar “É no concelho do Seixal que a implementação das novas carreiras e horários está a correr da melhor forma.(v)

Pessoalmente, valorizo o desenho da rede que multiplicou o número de interfaces autocarros-comboios nas quatro estações de Caminhos de Ferro do concelho: Corroios, Foros de Amora, Fogueteiro, Coina. Se no presente contexto inflacionista o preço dos passes se mantiver as perspectivas de valorização do recurso aos transportes colectivos e a Norte do Tejo se trabalhar melhor na preparação do projecto do que se trabalhou até agora, talvez o impacto venha a ser compensador.

Não seria contudo má ideia que a Carris Metropolitana deixasse de ser uma “marca” algo fantasmagórica.“

 

Notas

(i)Passes sociais – quando a esmola é grande o pobre desconfia?

(ii) Na Área Metropolitana do Porto, registou-se, creio, um incidente a ser dirimido em sede judicial.

(iii) Nem os Transportes Colectivos do Barreiro, empresa municipal.

(iv) As eleições autárquicas e a Área Metropolitana de Lisboa

(v) Semanas depois veio-se a saber que Joaquim Santos iria renunciar ao mandato.

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