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Sábado, Março 1, 2025

“Inconscientemente a gente dança”: Axé, 40

Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Pesquisadora, coordenadora do Centro de Memória Sindical e jornalista do site Radio Peão Brasil. Escreveu o livro "O mundo do trabalho no cinema", editou o livro de fotos "Arte de Rua" e, em 2017, a revista sobre os 100 anos da Greve Geral de 1917

Em 1992 assisti a um show da Banda Olodum no vão do MASP. A multidão avançava pela Avenida Paulista que tremia com a batida quase mística da Banda. O som dos tambores tocou fundo meu coração de adolescente roqueira. É uma lembrança que guardo com carinho daquela tarde azul e vibrante. Quem assistiu, não esquece.

Eu já conhecia, da TV e do rádio, outros músicos que formaram o que chamamos de Axé. Era uma música que estava no ar desde 1985, após o lançamento do hit Fricote, de Luiz Caldas e Paulinho Camafeu, um dínamo, bem-humorado e com provocações de duplo sentido, que ganhou o povo.

Pegou, apesar da esnobação

A “alta burguesia da cidade” e a pequena burguesia, torceram o nariz e debocharam do fenômeno que, entretanto, chegou forte. A matéria do G1, “40 músicas que atestam a grandeza do cancioneiro do gênero afro-pop-baiano”, de Mauro Ferreira (publicada em janeiro de 2025), informa que o rótulo axé music, foi criado pelo jornalista Hagamenon Brito em uma entrevista para a Folha de São Paulo, em 1987. Não foi um elogio. Ao contrário, uma tentativa de colar naqueles músicos o emblema de mal gosto.

Mas o Axé teve isso de assimilar até as dificuldades, transformando-as em ritmo, dança e multidões em uma antropofagia carnavalesca. O rótulo pegou e o estilo prosperou.

A palavra, afinal, evoca a espiritualidade afro do candomblé, e muito de sua batida remete a rituais sagrados que tratam do amor, da guerra e da força da natureza.

Da Bahia para o Brasil, o Axé projetou uma música popular e caliente que tomou conta dos programas de auditório, das praias do nordeste, das festas e do carnaval. Com alta capacidade de mobilização.

Maior projeção

Um momento importante desta história foi a parceria da banda Olodum com o cantor Paul Simon. No documentário Axé o Canto do Povo de Um Lugar (Chico Kertész, 2016), vemos Lazinho, membro fundador da banda, falando sobre a surpresa com a visita do cantor e compositor de Mrs. Robinson, quando o Olodum ainda era uma banda local. Eles ganharam o mundo com aquela africanidade que só a Bahia tem. Olodum em pleno Central Park, em 1991, é coisa linda de se ver. E não parou aí. Na série de parcerias estreladas, Michael Jackson, gravou com Olodum a música They Don’t Care About Us, no Pelourinho, em 1996, em um esquema montado pelo cineasta Spike Lee, que produziu o vídeo. O resultado é potente.

Quarenta anos depois do lançamento de Fricote, passada a estridência que capturou o estilo, conseguimos enxergar melhor sua riqueza e sua variedade. De Luiz Caldas à Banda Olodum, de Daniela ao É o Tcham, passando por Araketu, Banda Eva e pela Timbalada de Carlinhos Brown. Há o apelo comercial e sexual, mas também há uma abordagem do cotidiano e, sobretudo, há fortes raízes africanas, bem como uma influência da salsa, do merengue, do reggae de Bob Marley, do pop e, claro, do samba. Em seu nome, a banda axezeira Chiclete com Banana, outra cria do carnaval baiano, faz referência ao forró de Jackson do Pandeiro. A música que diz “Eu só boto bebop no meu samba quando Tio Sam tocar um tamborim”, chamada Chiclete com Banana, brinca com essa mistura de gêneros e de culturas. Algo que o Axé soube fazer.

Música e trabalho

Dia desses lembrei de uma música desta safra para a coluna Música e Trabalho, do Centro de Memória Sindical. Era Xibom Bombom. A letra encaixou no nosso tema e, em meu breve comentário, disse: “As Meninas tiveram a proeza de levar para o universo do Axé um questionamento importante: a desigualdade econômica”.

O estilo proclamou a liberdade da mulher, dos negros, dos trans e homossexuais e do povo pobre. Guiou os blocos de carnaval que, sob sua batida, ganharam outra dimensão. No documentário, Caetano Veloso diz que a música Eu sou negão, de Gerônimo Santana, foi um grito de autoafirmação do povo negro. O Axé foi mais do que isso. Foi um grito de autoafirmação do povo brasileiro.


Texto em português do Brasil

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