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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Independentes na Reforma Administrativa

Nuno Ivo Gonçalves
Nuno Ivo Gonçalves
Economista, Mestre em Administração e Políticas Públicas, Doutor em Sociologia Política. Exerceu actividade em Gestão Pública, Recuperação de Empresas, Auditoria e Fiscalização e foi docente no ISE e no ISG. Investiga em História Contemporânea.

A Reforma Administrativa que pretendo tratar no presente artigo não é “A” que os políticos de serviço vão anunciando sob diferentes rótulos, nos seus diversos governos mas a que em Portugal começou a ser anunciada no início dos anos 1950 e se prolongou até ser criado um Secretariado da Reforma Administrativa não sob o Governo de Marcelo Caetano, como muitas vezes se diz e se escreve, mas em 1967, num diploma unicamente assinado por António de Oliveira Salazar. Quanto aos independentes que irei considerar trata-se de individualidades que viram o seu nome ligado a alguns momentos deste processo, mas cuja intervenção, ainda que relevante, não passou pela titularidade de cargos políticos ou altos cargos públicos conexa com o processo, sendo que alguns deles desempenharam sucessivas funções nem todas ligadas ao sector público ou às suas reformas.

 

Joaquim José de Paiva Corrêa

Como exemplo de vontade de participação temos “licenciado em Ciências Económicas e Financeiras” Joaquim José Paiva Corrêa, que publicou em 1941 na editora Portugália um estudo de 377 páginas intitulado Contabilidade Pública Financeiro-Patrimonial (Esquema de uma organização) que partindo do esforço para organizar um cadastro dos bens do Estado e um Inventário – materializado em três diplomas de Salazar – viu este no Relatório da Conta Geral do Estado de 1938 declarar que se deixaria de publicar nesta os resultados para não ter de se admitir sempre que necessitariam de ser revistos. Paiva Corrêa não valoriza esta situação, antes louvando a acção do Director-Geral da Fazenda Pública, António Luís  Gomes e as “Instruções” para a organização dos mapas do cadastro  estabilizadas em 1940, propõe no seu livro a construção de uma “Contabilidade Pública Financeiro-Patrimonial” articulada com a “Contabilidade Pública Orçamental”. Num prefácio intitulado “Duas Palavras” o seu amigo “dos bancos de escola” José de Figueiredo Dias, Inspector de Finanças, elogiou  o trabalho e apresentou-o como uma via para a generalização da contabilidade digráfica em todos os organismos. Desconhece-se em que medida o próprio António Luís  Gomes acolheu bem este estudo, que não foi o único promovido por Paiva Corrêa sobre o tema. A única reacção formal que localizei foi a de, em 1969, o então Director-Geral Mouteira Guerreiro, o qual  reagindo a uma observação formulada  por Paiva Corrêa no trabalho que referenciei, escreveu  “A tal reparo poderá responder-se com as transcrições ou referências a legislação feitas neste capítulo. Mas, quando se discordasse desses princípios legais, por se julgarem inconvenientes aos interesses da administração, poder-se-ia defender que, segundo julgamos, não se deve encarar a gestão financeira do Estado como a de qualquer empresa privada.”

Paiva Corrêa reaparece em 1950, tendo-se licenciado entretanto também em Direito, e mostrando-se a par da evolução do pensamento económico verificada após o fim da II Guerra Mundial e no contexto da reconstrução da Europa. Aureliano Felismino reproduz no início de 1951 numa edição interna da Direcção – Geral da Contabilidade Pública intitulada Finanças Nacionais – alguns aspectos um conjunto de 4 artigos publicados por Paiva Corrêa no Diário de Lisboa no fim do ano anterior, edição que virá anos mais tarde a ser seriada como nº 4 dos Opúsculos do Gabinete de Estudos António José Malheiro.

Em 18 de Junho de 1951 Paiva Corrêa(i) profere na presença do Ministro das Finanças Artur Águedo de Oliveira em iniciativa promovida pela Direcção-Geral da Contabilidade Pública nas instalações da Sociedade de Geografia de Lisboa uma conferência intitulada A Macroeconomia e a Ciência das Finanças onde dá conta das novas práticas de política económica de vários países, da importância da inspiração Keynesiana e onde contrapõe “orçamento económico” – em ligação com o desenvolvimento das Contas Nacionais – e “orçamento financeiro”, concluindo

Portugal carece urgentemente de conhecer as suas grandezas económicas expressas em quantidades globais, o que implicitamente exige a construção da teoria portuguesa do rendimento e orçamento nacionais, o conhecimento do custo e rendimento dos serviços e do património da Nação.

O texto correspondente foi mais tarde referenciado como nº 6 da série de Opúsculos do Gabinete de Estudos António José Malheiro.

Desconheço em que medida o conferente, que elogia não só a suposta abertura ao keynesianismo do Ministro Águedo de Oliveira, que sucedera na pasta ao Ministro Costa Leite (Lumbrales), o qual transitara para Ministro da Presidência de Salazar, mas também as medidas vertidas na Lei de Meios para 1951(ii), em que destaco “O Governo promoverá os estudos necessários à adopção, nos serviços públicos, de métodos que permitam obter melhor rendimento com o menor dispêndio” mantinha um relacionamento directo com o Ministro. Aureliano Felismino em ambas as publicações citadas marca algum distanciamento, se não da pessoa, pelo menos das ideias. Quando, por Decreto veio a ser criada em fim de 1951(iii) uma Comissão Central de Inquérito e Estudo da Eficiência dos Serviços Públicos cuja denominação é um decalque da de uma Comissão francesa que num dos artigos inseridos no Diário de Lisboa se revela ter sido criada em 1946, o “publicista”(iv) Paiva Corrêa, ficou designado como Secretário e terá sido o relator dos estudos feitos pela Comissão sobre organização e funcionamento das Secretarias-Gerais, a que já me referi em artigo publicado no Jornal Tornado (O Extermínio das Secretarias-Gerais), bem como sobre fornecimento de bens, e sobre pessoal administrativo da Administração Central.

Não ter sido feito um estudo sobre contabilidade digráfica, elementar quando se dizia pretender analisar custos e rendimentos de serviços públicos, e a Comissão incluía não só Paiva Corrêa, mas também o Inspector de Finanças Figueiredo Dias que prefaciara o seu trabalho de 1941 e o Professor Doutor Fernando Gonçalves da Silva, é manifestamente estranho. Reflectindo um pouco mais percebe-se que nesta Comissão, interdepartamental, a Direcção-Geral da Fazenda Pública não tinha assento e atenta-se em que a partir de 1952 arrancou um esforço de informatização do Ministério (“criação de serviços mecanográficos”) assente numa parceria entre a Direcção-Geral da Contabilidade Pública e a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos em que a Direcção-Geral da Fazenda Pública também nunca foi envolvida. Cinquenta anos depois a Direcção-Geral do Património do Estado, sucessora da Direcção-Geral da Fazenda Pública, continuava a receber de todos os serviços públicos e – a arquivar – mapas do Cadastro organizados segundo as Instruções de 1940 que nunca foram tratados.

A Comissão nunca teve os seus relatórios despachados, deixou de funcionar em 1955 depois da saída do Ministro, mas NUNCA FOI EXTINTA. De Paiva Corrêa localizei na Biblioteca Nacional outros títulos, de data anterior ou posterior, alguns dos quais incidiam sobre organização e gestão de estabelecimentos de saúde. Nascido em 1910, segundo indica o Catálogo da BNP, ter-se-á posteriormente “privatizado”, como me mostraram algumas pesquisas na INTERNET. Em 1974 integrava o Conselho de Administração do Banco Intercontinental Português, presidida por Jorge de Brito, que teve de ser demitida. Também terá estado ligado à Torralta, uma experiência que também correu mal.

 

Eduardo Sebastião Vaz de Oliveira

Outro nome que nos anos 1950 e sobretudo nos anos 1960 se tornou conhecido no debate de questões relacionadas com a Reforma Administrativa foi o de Eduardo Sebastião Vaz de Oliveira, tanto quanto posso reconstituir, um jurista ligado à Administração Fiscal, e que escreveu tanto sobre questões fiscais como sobre Reforma Administrativa em sentido amplo e em especial sobre regime de função pública.

A primeira referência que sobre ele localizei dá-o como um chefe de divisão da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos que em 1958 realiza uma visita à sede do Instituto Internacional de Ciências Administrativas em Bruxelas com o fim de estudar os métodos utilizados pelo Instituto para preencher e classificar documentos(v).Em 1962 publica pelo Ministério das Finanças A Reforma Administrativa. Contribuição para os Trabalhos Preliminares que aparece com a menção “Estudo feito no Gabinete de S. Exa. O Ministro das Finanças pelo Dr. Eduardo Sebastião Vaz de Oliveira, juiz do Tribunal de 2 ª instância do Contencioso das Contribuições e Impostos. As ideias e opiniões expressas reflectem apenas o pensamento do autor.” De assinalar que o Relatório da proposta de Lei de Meios para 1962 subscrito pelo Ministro António Manuel Pinto Barbosa, parece muito influenciado por este então membro do seu Gabinete. O Grupo de Trabalho nº 14 – Reforma Administrativa criado no âmbito da preparação do III Plano de Fomento valoriza a contribuição de Vaz de Oliveira. O livro Processo Administrativo Gracioso publicado em 1962 é também da sua autoria.

A partir de meados da década de 1960 Vaz de Oliveira escreve sobretudo sobre a reforma do regime de função pública. Não faz parte dos subscritores do pedido de reconhecimento do Instituto Português de Ciências Administrativas, que será deferido pelo Ministro da Educação Nacional em 30 de Abril de 1968, segundo relato preparado por José de Sousa Mendes para o nº 1 do Boletim Ciências Administrativas(vi), e, tendo sido aprovado, na primeira sessão de trabalhos, realizada em 24 de Julho, por proposta do ainda Presidente da Direcção Marcelo Caetano um plano de debates sobre Problemas da Função Pública, Eduardo Sebastião Vez de Oliveira é convidado a apresentar na 4ª e 5ª sessões de trabalho, realizadas em 23 de Janeiro e 12 de Fevereiro de 1969 o seu estudo “Para uma nova política da função pública portuguesa”. O debate decorre na segunda sessão, ainda com a presença do apresentante, sendo que está assinalada a existência do estudo, com indicação das datas de apresentação, em base de dados da DGAEP, e prolonga-se por duas sessões que Sousa Mendes localiza em 26 de Fevereiro e 5 de Março e nas quais Vaz de Oliveira, que não seria, julga-se, sócio do I.P.C.A. já não terá estado presente.

Presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano virá a legislar sobre função pública, mas Eduardo Sebastião Vaz de Oliveira continuará a explicitar os seus pontos de vista.

 

Edgard dos Santos Matos

Terceiro e último nome que incluo nos Independentes da Reforma Administrativa, o de Edgard de Santos Matos, cujo nome aparece como membro da Comissão Executiva da Mesa Redonda de Lisboa, realizada em 1961, do Instituto Internacional de Ciências Administrativas.

Tinha havido em 1949 uma Mesa Redonda em Lisboa organizada com tempo, para a qual o Ministério do Interior fizera convites a numerosas personalidades que poderiam integrar a Secção Nacional Portuguesa do Instituto, cujas sessões de trabalho decorreram no “Palácio da Assembleia Nacional” e cujos participantes usufruíram de um programa turístico na região de Lisboa. O Presidente da Secção Nacional Portuguesa era à data Marcelo Caetano e o Secretário Mário Mathias, irmão do diplomata Marcelo Mathias. A Mesa Redonda de 1961 não estava no “programa” mas a Mesa Redonda de 1960 conhecida como “colóquio de S. Remo” que deveria ter preparado o Congresso de Viena, a realizar em 1962, não o fez de forma satisfatória e Marcelo Caetano, então Reitor da Universidade de Lisboa, teve de pedir ao Governo apoio para viabilizar a iniciativa, que, na parte relativa ao Instituto Internacional propriamente dito, teve lugar em regime fechado no Hotel Tivoli(vii).

Na emergência, a Comissão Executiva da Mesa Redonda ficou constituída por Marcelo Caetano, Presidente da Secção, António Pedrosa Pires de Lima, membro do Comité Científico, Aureliano Felismino, membro do Comité de Práticas Administrativas e… Edgard de Santos Matos, que não era membro da Secção Nacional Portuguesa e julguei, erradamente, que fizesse parte do pessoal da Universidade.

Não era: tinha colaborado em tempos com a Corporação do Comércio e feito parte da delegação portuguesa a uma Conferência da OIT, fez para a Mesa Redonda um trabalho meramente pontual e continuou a participar em outras iniciativas culturais que exigiam capacidades organizativas. Creio que em meados da década de 1960 terá exercido funções como chefe de divisão num organismo da Administração Pública mas não estou certo de ter consigo identificar todas as suas actividades.

O leitor deste artigo poderá encontrar a relação dos participantes portugueses nos Congressos Internacionais de Ciências Administrativas a páginas 253 a 307 do meu As Secções Nacionais Portuguesas do Instituto Internacional de Ciências Administrativas (1908-2012) já disponibilizado em Academia.Edu .

 

Notas

(i) Cujo nome na apresentação de Aureliano Felismino aparece escrito como Paiva Correia.

(ii) Lei nº 2045.

(iii) Decreto nº 38 503, de 12 de Novembro de 1951.

(iv) Hoje em dia talvez se escrevesse “influencer”.

(v) “Visits to IIAS Headquarters”, “Chronicle of the Institute – IIAS, its Sections and Members”, International Review of Administrative Sciences (IRAS), September 1958, 24 (3), pp. 422-423.

(vi) Abril de 1969.

(vii) Na mesma altura  teve lugar a reunião constitutiva de uma associação de escolas de Administração Pública que ficou com a denominação de IASIA e se reuniu na própria Universidade.

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