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Sábado, Dezembro 21, 2024

Índia, e os mitos que lhe foram sendo colados

Raghunath Kadavanoor
Raghunath Kadavanoor
Licenciado em Jornalismo pela Bharatiya Vidya Bhavan, Rajendra Prasad Institute Mumbai, estado do Kerala, Índia

Fascismo Hindu, vegetarianismo e vacas sagradas na Índia

Em 20 de Julho 2018, Rakbar, um agricultor e produtor de gado, indiano muçulmano, foi assassinado por um grupo de gau rakshaks[1]. Elas acusavam Rakbar de estar a levar uma vaca para ser abatida, e depois a carne ser vendida. A esposa, Asmeena, foi obrigado a fazer Iddat[2], e portanto a filha de ambos, Sahila, teve que abandonar a escola para cuidar da casa.

Isto não é caso único.

Desde 2010, que 86% dos mortos  por violência relacionada com o culto hindu ligado ao preconceito de que a vaca é sagrada  são muçulmanos, e 97% destes ataques surgiram após a eleição em 2013 do governo hindu fascista de que é Primeiro Ministro Narendra Modi.

Perderam-se 28 vidas ao longo deste  período de nove anos em análise, Além disso, mais do que 124 outras pessoas foram feridas com maior ou menor gravidade nestes ataques. Mais de metade (52%) desses ataques foram baseados em rumores e  manipulação provocatória inseminada em populações pobres e pouco educadas. Todas as investigações relacionadas com atos de violência em nome da pretensa sacralidade da vaca estão ligadas com a ideologia Hindutva.

 

O que é essa ideologia Hindutva?

Hindutva é a fusão do fascismo e fundamentalismo religioso Hindu. Este ideologia  é uma forma religiosa, agressiva, retrograda que  integra inteligentemente o espírito nacionalista aproveitando tradições seculares fortemente enraizadas nas populações rurais e pouco educadas. Desde a sua fundação em 1925, este movimento incorporou ambiguidade, confronto, compromisso e contradição  para infiltrar as mentes e impor uma agenda totalitária sobre toda a Índia. Esta narrativa do “Hindutva“ ou “Ram Raj“[3] (Um país criado em nome de Deus) também tem outros objetivos tal como destruir a diversidade cultural e religiosa da Índia para criar um estado com  uma cultura única (negando as outras religiões/culturas), uma religião única e inclusivamente uma tentativa de criar uma língua nacional única.

Arya Darma ou Sanathana Dharma seria o conceito base ou paradigma  dessa tal nação Hindu. Os princípios da “Nação Hindu” deveriam, na opinião dos teóricos destes conceitos, refletir ícones do Sânscrito, normas e símbolos hindus, que invocam as  verdades cósmicas e eternas da lei védica.

Neste conceito, a sociedade deve ser dividida em quatro grupos ou castas (Chathur Varnya). Cada casta representa o “Karma e dharma”. Pessoas que nascem no seio de uma casta alta têm os seus privilégios e as castas baixas sempre seriam exploradas para benefício dos primeiros. Além dos aspetos de pureza e impureza do sangue mantido pela ausência de relação entre castas, elementos como considerar sagrado o sangue da aristocracia vai determinar o lugar e a posição das pessoas na “ordem Hindu”.

A grande contradição deste sistema  injusto é que estes conceitos anulam e negam a existência de direitos humanos e democracia no país. Os direitos das pessoas estariam ligados à casta e nunca ao merecimento individual. A Justiça, a Saúde e a Educação nunca seriam iguais para todos e isto elimina qualquer possibilidade de existir uma democracia dentro deste quadro rígido.

 

Porque é que a vaca não é um animal sagrado?

A vaca é um animal como outros animais domésticos que vivem na Índia. De facto, a vaca não tem nenhuma importância na vida social dos indianos. Então porquê este mito da vaca sagrada que se tornou tristemente célebre no ocidente?

É fácil a propaganda insidiosamente veiculada pela crença dos fundamentalistas religiosos ser tomada a sério. O mito pode transformar-se em realidade e causar mortes em nome dele. Basta dar-lhe o aspeto de coisa  sagrada. A grande maioria dos crentes Hindus não sabe nada sobre a sua própria religião e facilmente cai na armadilha da retórica fundamentalista, que utiliza a vaca como o símbolo do pecado maior cometido pelos muçulmanos ou pelos cristãos que não têm esse tabu e comem desde sempre  carne de vaca, sem que antes isso levantasse problemas.

Mas estudos e investigações sobre a religião Hindu revelaram que os Hindus da Índia antiga sempre consumiram carne de vaca e vitela. “Rigveda” um dos textos escrito em sânscrito que constitui base da filosofia hindu explica bem como é que se deve matar uma vaca para fins religiosos rituais e/ou para  comer.

Esta ideia de mitificar e mistificar a vaca como animal sagrado chegou à Índia depois da chegada da religião islâmica no século XVI. Na Índia, vacas não eram tratadas com mais bondade e respeito que qualquer outro animal doméstico.

Hoje em dia muitas vezes estes animais são espancadas e sofrem de fome. As vacas que não tenham boa capacidade de reprodução são sempre mal tratadas.

Mahatma Gandhi, também foi um político culpado por esta triste situação e chegou a dizer que “a questão central do hinduísmo é a proteção da vaca”.

 

Os indianos não são vegetarianos

70% dos Indianos não são vegetarianos. Comer carne e peixe  na Índia é frequente. De facto, estudos sobre vegetarianismo na Índia mostram que é um erro dizer que a Índia é um país vegetariano.

É óbvio que a maioria dos indianos consomem alguma espécie de carne. Frango, cabrito, búfalo ocasionalmente ou todos os dias. Estados tal como Arunachal Pradexe, Querala, Meghalaya, Mizoram, Nagaland, Tripura and Lakshadweep permitem abater vaca e servem-na em casa e nos restaurantes. Nos outros estados do Norte da Índia, onde os governos regionais representam a ideologia “hindu fascista”, é proibido abater vacas para consumo humano.

Em sumo, ser vegetariano ou comer vaca são opções baseadas nas ideias políticas do hindu fascismo e não por motivos religiosos.

 

Os Europeus também são culpados

Para entender este fascismo baseado na religião Hindu, é necessário fazer pesquisa. Estudar e ler. Em 1925, o nacionalismo Hindu, foi pescar ideias do fascismo e nacionalismo dos europeus para transformar pessoas de religiões diferentes em inimigos. Os líderes do Hindutva, sempre mostraram a sua admiração e boa vontade para com líderes autoritários Europeus tal como Mussolini e Hitler. Esta influência está novamente a crescer na Índia e não dá nenhuns sinais de abrandamento.

 

Conclusão

Quando uma sociedade dá mais importância a um animal por falsas tradições religiosas do que aos humanos, essa sociedade tem um problema grave. No caso da Índia, a vaca não é um animal sagrado, é uma ferramenta política. Manter os cidadãos na sombra do analfabetismo e da superstição alimentando o medo e a ignorância é gravíssimo.

O mundo tem de conhecer esta realidade e dar atenção a este assunto.

A “Incrível Índia” não pode ser só um folheto turístico.

 

[1] gau rakshaks: Grupo de militantes armados e violentos ligados ao nacionalismo hindu.

[2] Idatt: é o prazo de exclusão social que deve ser observado pela mulher muçulmana após o divórcio ou a morte do marido.

[3] violência relacionada à vaca India struggles with religious lynchings


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


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