Empresário ganha direito ao terreno, mas juiz volta atrás e decide a favor de indígena. O caso foi enviado à Justiça Federal.
Lideranças indígenas de Manaus cobram cumprimento do mandado de reintegração de posse em favor de Erlen de Souza Soares, autodeclarada indígena Mura, na comunidade do Ramal da Prainha, no Tarumã. Uma petição do MPF (Ministério Público Federal), esclarecendo a condição étnica da autora, fez o juiz José Renier da Silva Guimarães, da 5ª Vara Cívil de Acidente de Trabalho, revogar sua decisão que garantiu posse do terreno ao empresário Ney Barros, dono da IBK Comércio e Serviço.
Além de suspender sua decisão e ordenar a imediata reintegração de posse em favor da indígena, o juiz expediu no último dia 10 um ofício requisitando força policial para auxiliar no cumprimento do mandado, mas até esta terça-feira (15) a ajuda não chegou. O juiz determinou o limite de dez dias para a retirada do ocupante, sob pena de multa diária de R$ 5 mil. O prazo termina no próximo sábado (19).
Por conta da condição da declarante, o juiz José Renier também declinou da competência de julgar o caso e enviou os autos para a Justiça Federal.
“Muito embora os documentos apresentados pelo peticionante não demonstram de forma cabal a condição de indígena da autora, nem a alegada etnia da autora, verifico a existência de início de prova no sentido de que tenha origem indígena, como sua autodeclaração perante autoridade pública na sede da Funai e do reconhecimento de sua identidade indígena por lideranças locais”, justificou o magistrado.
“Deixo claro, ainda, que sou indigenista e, obviamente, não tenho qualquer interesse em prejudicar qualquer indígena ou etnia, desde que tenha informação disso”, completou, justificando que não sabia da origem.
Segundo ele, laudos técnicos também comprovaram que a região está em constante conflitos entre indígenas e não indígenas em razão do crescimento urbano e especulação imobiliária.
Clima tenso
O clima é tenso no local onde estão presentes, prestando solidariedade, algumas lideranças das etnias Kokama, Ticuna, Miranha, Apurinã e Dessana. Eles não só reclamam pela demora na reintegração, mas protestam pela derrubada das casas e pedem reparação dos danos materiais.
O líder Francisco Mura explicou que Erlen Soares é sua prima é vive no local há 30 anos quando comprou o terreno com o marido Adailson Lima Leal, que não tem origem indígena. “Estamos acampado no local. Quebraram tudo. São quatro famílias, todos os meus parentes. Aqui vivem filhos e netos dela. Também vivem aqui na proximidade cinco aldeias de etnias diferente”, disse ele, por telefone, ao Vermelho.
Francisco Mura afirmou que o terreno tem documentação registrada em cartório e só começou a ter problemas em 2016 quando Ney Barros apareceu reivindicando a posse e usando de violência para derrubar casas, inclusive sem decisão judicial. Sobre a decisão favorável ao empresário, o indígena reclama da força policial usada para tirá-los do local. “Usaram balas de borracha e derrubaram as casas, mesmo com o pedido de um procurador federal para que isso não fosse feito”, protestou.
Origem
Erlen de Souza Soares declarou à Procuradoria Federal Especializada junto à Funai que nasceu em Ponta do Natal, próximo ao Rio Madeira, no município de Manicoré (AM), onde foi morar com os pais aos quatro anos após deixar a aldeia. Ela conheceu o marido no local e depois de 20 anos se mudou para Borba (AM).
Erlen e o marido chegaram em Manaus em 1990 quando passou a morar num flutuante em frente a atual casa. Na época, o casal comprou o terreno de José Fonseca de Araújo. “Afirma que desde 1990 tem posse mansa e pacífica do terreno”, dizem os procuradores.
A Procuradoria esclarece que acompanha muitos casos relacionados a “disputas possessórias” envolvendo indígenas na região do Tarumã-Açu.
por Iram Alfaia | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado