Além do mais, quem vai se interessar por uma segunda versão dos fatos endossada pelos que estão fora do jogo?
“Tempo, tempo, tempo, tempo’, canta Caetano Veloso, sabiamente. Porque a história tem uma dinâmica surpreendente e, vão-se os dias, a versão dos excluídos um dia prepondera. Temos no Brasil o exemplo bem próximo da ditadura, que está sendo recontada há 30 anos.
A imprensa atual, em referência à época, já pediu desculpas publicamente por colaborar com o golpe da direita (anos 1960), mas desculpas não apagam imagens absurdas como a do jornalista Vladimir Herzog morto, pendurado em uma corda no Doi-Codi, oficialmente suicidado. Tampouco pode apagar a memória dos torturados e dos que desapareceram, enterrados como desconhecidos em covas rasas. Jamais encontrados.
Direto ao assunto, vamos falar da Dilma Rousseff e do golpe em curso. Os que já passam a uma segunda versão na grande imprensa, desamparam os leitores que estão certos do impeachment, ainda anunciado na TV, como Globo News.
O inferno
Clóvis Rossi, jornalista, diz que o Brasil caminha para o último patamar do inferno de Dante Alighieri (faz alegoria com a famosa obra). Discordo, a rede de intrigas, sim, é o inferno de Dante, não o cenário político como o descreve Clóvis Rossi na Folha deste domingo (10).
Diz o articulista: “hoje por hoje, não há número suficiente nem para aprovar o afastamento de Dilma Rousseff nem para barrá-lo. Se essa situação se mantiver na hora da votação em plenário, ficaríamos assim: a oposição sem força para derrubar o governo, por sua vez sem força para governar, em minoria no Congresso e na sociedade. Por si só, já seria o penúltimo círculo do inferno, mas há que se acrescentar o panorama socioeconômico, caracterizado pelo que o banqueiro Roberto Setúbal define, adequadamente, como a maior recessão em um século e suas inescapáveis consequências (aumento do desemprego e da pobreza).”
Clóvis, que faz bem o papel de cronista, descreve uma situação sem saída e, pior, que não é alardeada na totalidade ao povo que vai às ruas pela saída de Dilma. Esses, não sabem o que os espera, desconhecem a profecia de Setúbal. Querem um mínimo de proteção contra a crise e não terão.
“Mauzinho”, Clóvis não conta que depois do inferno, Dante chega ao céu num processo de purificação e autoconhecimento. Não é disto que nossos políticos e nós mesmos estamos precisando? Já o lado “bonzinho” de Rossi preconiza novas eleições. OK, então vamos importar políticos como importamos médicos cubanos já que ninguém parece querer fazer o trabalho sujo de limpar a área e deixar que outros, comprometidos com ética e democracia, se candidatem?
Há os grupos de interesses, lembram-se? Os tais das propinas, eles é que determinam candidatos e métodos, então, novas eleições agora, parece-me, apelo demagogo.
Arrumar a casa
O País precisa desses dois últimos anos da Dilma para cobrar reformas, faxinar a casa e dar chance ao surgimento de novos políticos, defensores de novos grupos: há muitos que precisam ter suas causas levadas a termo e há muitos que precisam lutar para não perderem o que foi conquistado. Inclusive nós: nossos direitos trabalhistas estão sendo retirados sem reclamação da imprensa. Um grupo de juristas redigiu manifesto a respeito, exigindo que o conquistado seja mantido. Como se vê, há honestidade no país e só por isso podemos ter esperança de dar um chega pra lá no golpe.
Por falar em honestidade, vamos à Veja. A capa traz a notícia da derrocada final de Dilma Rousseff, vendendo últimos cargos a preço de xepa de feira. Só que o editorial, mais prudente, reconhece que o golpe – malgrados os 60% de votos pró-impeachment anunciados pelo Data Folha – pode falhar. Depois de uma ampla campanha que a revista fez pela queda de Dilma, há que se justificar a permanência da presidente no governo, se confirmada. A culpa é do Cunha, sem dúvida: “Desmoralizado por propinas e contas secretas na Suíça, Cunha com sua presença, contamina a lisura do impeachment.”, afirma o editorialista de Veja.
Cunha contaminou a lisura do impeachment? Lisura é sinônimo de falta de provas, de falta de crime de responsabilidade? Ora, que informem os nossos dicionaristas com urgência esta nova acepção de lisura.
Detox midiático
O melhor caminho, para os que estão sofrendo da síndrome do arranca cabelos quando liga a TV ou compra jornais nas bancas, é fugir da grande imprensa como diabo da cruz e buscar avaliações consequentes da realidade na boa mídia alternativa, nos políticos de bem (existem, acreditem), é pegar o Brasil metaforicamente de volta e erguer a voz para proibir qualquer venda (pré-sal, por exemplo).
Há soluções para a bancarrota; não apenas uma, que os opositores querem fazer crer.
Temos que nos resguardar de embates civis, bons para instalar a desordem e acender a fogueira da inquisição, mas muito distantes de resolverem nossos problemas.
A baderna das ideias semeia desamparo, o povo acaba por buscar um Donald Trump, bem vestido, bem apresentável, destemido, que não tem medo de nada e vai acabar com ervas daninhas que querem dividir o pouco pão que temos, sejam mexicanos, negros, refugiados…esse é o cerne do pensamento fascista que domina o mundo, que já desembarcou no Brasil.
O brasileiro médio, cabeça feita pela imprensa, raciocina: “Bolsa família para os pobres enquanto eu estou desempregado, com diploma em um quadro pendurado na parede do escritório, a ponto de perder meu imóvel financiado? Meus filhos disputando vagas em medicina enquanto há cotas para negros que provavelmente sabem menos que eles?”
Pois pode acabar bolsa família, talvez sistema de cotas, talvez sumam os empregos e sobrem bicos terceirizados… isso é o que está no horizonte. Mas não é por causa dos negros e pobres, é por causa da política econômica que vem por aí. Então, aprendamos, não há luta deles (os pobres) e nossa (os remediados), a luta é de todos!!!
Temos que nos livrar da herança nefasta de acordos de governabilidade, que todos os governos inclusive PT nos legaram, temos que defender nossos interesses ou outros continuarão defendendo os próprios. E, para fazermos a coisa direitinho, temos que estudar, ler, debater, ir às ruas. Juntos
Nota: A autora escreve em português do Brasil