Marcelo Rebelo de Sousa recebeu em Belém os influencers. Os influencers eram, no tempo em que um vendedor de banha de cobra era um vendedor de banha de cobra, vendedores, caixeiros-viajantes.
Homens e mulheres que faziam pela vida e muitas vezes tentavam impingir o supérfluo para sermos como os outros e pensarmos como os outros. Levavam as novidades aos isolados, aos analfabetos, aos que não tinham rádio e depois televisão.
Alguns alcançaram fama mundial. Um influencer do tipo chico-esperto ganhou fama ao convencer meio mundo a, num determinado dia, a determinada hora, saltar de uma cadeira para com o peso de meia humanidade alterar a inclinação do eixo de Terra! Outro dos mais conhecidos influencers foi um membro do Partido Comunista Chinês que impôs (em vez de influenciar) que durante duas horas todos os chineses agitassem leques e batessem em panelas para não deixar os pássaros poisarem, morrerem de exaustão e não comerem os cereais.
Em Portugal o fenómeno dos influencers é antigo. A Santa Inquisição foi um ninho de influencers, que convenciam o seu nicho de mercado de cristãos velhos de que os judeus e cristãos-novos eram a origem de todo o mal e que o que estava na moda eram as fogueiras. Mais recentemente, Cecília Supico Pinto, a Cilinha do Movimento Nacional Feminino, foi um exemplo antecipado de influencer ao potenciar a moda entre os jovens de que ir para a guerra em África era cool.
Os influencers mais influentes, digamos assim, ainda são os que nos convencem que vamos para o Paraíso depois de mortos. Desde que obedeçamos como os outros e pertençamos ao rebanho certo. Mas são influencers de outras eras. Pré-históricos. Vivemos no mundo virtual e do mercado. O Paraíso existe, é digital e está disponível através de bitcoins.
A definição atual de influencer digital é a de alguém que “trabalha a produção de conteúdo para um nicho segmentado, que reconhece sua autoridade no assunto e considera a sua opinião uma referência para suas atitudes e decisões de compra” (sic). O digital influencer “é alguém que consegue influenciar outras pessoas, seja para comprar determinado produto, assumir alguma postura ou refletir sobre assuntos específicos”.
Influencer de sucesso é o Marques Mendes, um caso de estudo, e Marcelo devia tê-lo apresentado como exemplo de postura: embora não influencie nada do que acontece, embora as suas previsões saiam sempre frustradas ele tem uma grande audiência e pagam-lhe para não influenciar. Ele e o Ricardo Araújo Pereira gozam do estatuto de influencers cómicos. Mereciam ter sido convidados. Tal como o Ferreira, o influencer da economia da SIC, ou o Fernandes do Observador, entre tantos. Influencer a sério e com consequências foi Cavaco Silva, quando influenciou milhares de pessoas a acreditar na solidez do BES dias antes de estoirar! Um influencer de estoiro, devia ter ido a Belém! Dava um ar sério ao meeting.
Mas, ao que parece, para já, Marcelo limitou-se a convidar uns influencers tipo IPad, saídos das Bimbis eletrónicas que determinam onde imprimir tatuagens, se na bimba da esquerda ou na da direita, que piercing usar na orelha, no umbigo ou no nariz. Como parecer sexy com uma barriga XXL, como pintar as unhas de roxo na quaresma sem ser pirosa, ou como lamber um gelado enquanto se manda um sms. Malta bué de fixe.
Marcelo é uma pessoa culta, não escolheu esta tribo de influencers de pechisbeque por acaso. Escolheu-os porque eles têm uma gaita que é escutada num segmento de futilidade que lhe interessa. Marcelo conhece o conto do Flautista de Hamelin, escrito pelos Irmãos Grimm e que narra o acontecido na cidade de Hamelin, na Alemanha, infestada de ratos. Um homem chega à cidade, anuncia-se como “caçador de ratos” e garante ter a solução para o problema. Prometeram-lhe um bom pagamento em troca dos ratos – uma moeda pela cabeça de cada um. O homem aceitou o acordo, pegou uma flauta, hipnotizou os ratos e afogou-os no Rio Weser.
Apesar do sucesso, o povo da cidade recusou-se a pagar afirmando que ele não havia apresentado as cabeças. O homem deixou a cidade, mas retornou semanas depois e, enquanto os habitantes estavam na igreja, tocou novamente a flauta, atraindo desta vez as crianças de Hamelin. Cento e trinta meninos e meninas seguiram-no para fora da cidade, onde foram enfeitiçados e trancados numa caverna. Na cidade, só ficaram opulentos habitantes e um imenso manto de silêncio e tristeza. Na deserta e vazia cidade de Hamelin, onde, por mais que se procure, nunca se encontra nem um rato, nem uma criança.
Em Belém, após a passagem dos influencers de Marcelo, acontece o mesmo que na cidade de Hamelin: Resta a futilidade. Não é nada seguro que os influencers tenham levado os ratos e, menos ainda, que os inocentes tenham ganho consciência do engodo da flauta mágica.
Não é caso de escândalo que os ditos influencers sejam chamados a tocar flauta em Belém. O único risco é os pobres influencers convencerem-se que não serviram apenas o grande influenciador. É certo que entretanto aumentaram os cachets pelas futilidades agora certificadas pelo senhor Presidente. Nada mal.
Para a próxima devem ser convidados astrólogos e cartomantes. Que também merecem uma mãozinha.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
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