Para a professora Nara Helena Lopes, a exposição on-line infantil afeta tanto quem produz o conteúdo como seu público-alvo, ou seja, outras crianças, impedindo que mecanismos utilizados para lidar com o cotidiano possam se aperfeiçoar corretamente, como frustração e interação social.
O fenômeno dos influencers digitais mirins, crianças com milhares de seguidores nas plataformas on-line, torna-se cada vez mais comum no cotidiano. De canais no YouTube dedicados a crianças brincando até redes sociais que as acompanham desde seu nascimento, vivem suas vidas sendo vistas, muitas vezes sem entender o tamanho que elas possuem on-line. A exposição on-line infantil decorrente desse fenômeno afeta tanto quem produz o conteúdo seu o público-alvo, ou seja, outras crianças.
“O ambiente on-line, quando os influencers mirins estão em cena, acaba sendo um espelhamento para outras crianças”, diz a professora Nara Helena Lopes, do Instituto de Psicologia da USP. Apesar de não se tratar de um acontecimento novo, o entretenimento produzido pelas crianças aumentou nos últimos anos graças à internet, que descentralizou a produção e divulgação desse conteúdo de outros veículos de comunicação, como a televisão.
Outro fator que colabora para a popularização desses influencers é a identificação que o público possui com eles. “O influenciador mirim está ali na mesma linguagem da criança, um ideal de consumo”, afirma Nara, que explica como a naturalidade que a criança tem ao produzir um conteúdo ressoa para o espectador. Segundo ela, o ambiente on-line potencializa essa exposição para ambos os lados, produtor e consumidor infantil.
A exposição pode afetar o desenvolvimento de ambos, impedindo que mecanismos utilizados para lidar com o cotidiano, como a frustração, e de interação social se aperfeiçoem corretamente. Além disso, os efeitos são sentidos também na artificialização dos desejos, isto é, o entendimento por parte da criança do que ela quer e a criação de um imediatismo de consumo daquilo que é visto nas plataformas on-line.
Desenvolvimento
De acordo com um levantamento feito pelo App Annie, após a pandemia de covid-19, o tempo médio de uso de celulares é de mais de 5,5 horas, fazendo do Brasil o campeão no uso de dispositivos móveis. “Quando a gente intensifica essa exposição dentro do ambiente on-line, a gente está intensificando o uso de outras crianças nesses aplicativos, nesses dispositivos, nessa rede on-line”, ressalta a professora, ao comentar como o uso desses meios de comunicação resulta na criação de uma geração hiperconectada.
A exposição infantil, nesse cenário, cria um efeito cascata, fazendo da criança que produz um interlocutor para as experiências que, naturalmente, outras crianças teriam quando desconectadas, influenciando nos desejos delas, tanto de consumo quanto de atividades. Para Nara, o último é preocupante, pois, ao criar uma geração que é influenciada a ser influenciadora existe a possibilidade de criar uma geração que pode se frustrar por não conseguir se tornar um, devido à dificuldade que existe no processo.
A estrutura familiar é outro ponto que é alterado pela exposição infantil. Quando uma criança torna-se uma influencer, automaticamente ela também se torna uma fonte de renda. “Meu filho deixa de ser filho, ele passa a ser um objeto que pode trazer uma fonte de renda muito significativa para mim”, afirma Nara. Pela facilidade de produção e divulgação, muitas vezes as famílias passam a apostar nos talentos e vontades da criança para conseguir algum tipo de benefício derivado disso.
“Às vezes pode passar a ser o sonho da família e a família insistentemente expõe essa criança a uma série de riscos, porque a internet não é um ambiente seguro”, diz Nara sobre os riscos que a criança tem devido à exposição: “Então, essa criança pode sofrer um bullying, pedofilia, sofrer violências nas mais variadas formas dentro de um ambiente que parece que é protegido, mas que, na verdade, os riscos são muito superiores em termos subjetivos”.
Ambiente on-line
“A criança acaba tendo uma vivência muito sem corpo de tudo”, afirma Nara sobre o ambiente on-line durante o desenvolvimento da criança. De acordo com ela, por tratar-se de um ambiente com poucas limitações, a internet acaba permitindo um crescimento de interações e interlocuções sem a utilização do corpo no processo.
O imediatismo criado pelo consumo de conteúdo impede o desenvolvimento natural dos desejos da criança. “A criança não teve o tempo de desejar algo, aquele desejo já foi imposto para ela a partir de uma interação que não envolve a territorialidade, a corporeidade, o tempo daquela criança”, explica a professora.
Essa falta de contato que a internet causa cria uma falsa sensação de invulnerabilidade, que pode se refletir no desenvolvimento de situações altamente estressantes no futuro daquela criança, por não conseguir lidar com frustrações. “O aprendizado da criança sem a experiência concreta, a criança sendo uma outra imagem, acaba naturalizando esse mundo”, afirma Nara.
Para Nara, esse tipo de fenômeno acaba criando uma geração que não sabe lidar com divergências ou diferenças, por conta da falta de contato. “Na verdade, está impactando bastante, porque o sofrimento vem exatamente por não ter essa possibilidade de reconhecimento do território ao redor, então isso é uma questão importante”, conclui Nara.
por Patrick Fuentes (Jornal da USP) | Texto em português do Brasil
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