Em meio à efervescência artística e a grande profundidade política que o Brasil vivia no início do século 20, nascia uma mulher de olhar imutável e intenso, que logo depois veio mostrar que este também estaria presente em sua escrita, assim como na sua luta política e ideológica. Patrícia Rehder Galvão (1910-1962), conhecida pelo seu pseudônimo de Pagu, foi uma das mais importantes figuras políticas da nossa história.
Nascida em Santos, participou de inúmeras greves e levantes, sendo presa em 1931 pela polícia de Getúlio Vargas. Esta seria a primeira das mais de 20 prisões políticas pelas quais passou. Considerada pela ditadura como “inimiga número um” de Getúlio, foi presa e torturada, chegando a permanecer cerca de cinco anos na cadeia sem contato com o filho, que ficou aos cuidados do pai, o modernista Oswald de Andrade.
Em 1933, publicou seu primeiro livro, Parque Industrial, com o pseudônimo de Mara Lobo, o primeiro romance proletário brasileiro. A obra demonstrou um rompimento com o realismo que estava sendo produzido, comumente chamado de “romance de 30”, pondo em destaque temas, personagens e cenários da São Paulo industrial.
Nesse romance, Pagu trabalha já temas urgentes, como o feminismo. “A narrativa, ao encaminhar-se num crescendo para a eclosão de uma greve, traz uma evidência logo de saída: trata-se de um romance de mulheres. São moças de vários tipos e instâncias da vida social, embora unidas pela classe: pertencem todas ao proletariado”, resume a crítica literária Walnice Nogueira Galvão, em ensaio para o “Suplemento Cultural” do Diário Oficial de Pernambuco.
A escritora e ativista Patrícia Galvão
(1910-1962)
seu primeiro livro foi um romance de mulheres que integravam o proletariado
Entre essas moças, segundo Walnice:
há poucas exceções, como aquela que subiu na vida casando-se com um homem de posses; ou aquela que chegou aos abismos da prostituição mais desamparada, por ter perdido o emprego e não ter saúde para enfrentar a extenuante jornada de trabalho. No mais, são operárias mais politizadas ou mais alienadas, mais decididas a enfrentar as agruras da vida ou mais desesperadas. O dia a dia das jovens trabalhadoras é mostrado em suas facetas de tarefas, vida social, amores, militância. A imersão de Pagu em sua própria proletarização e trabalho na fábrica é húmus para a elaboração ficcional. Seu ativismo é ponto de partida, e mais anos de cárcere ainda viriam”.
Pagu, entretanto, foi ainda mais longe. Frequentou a Escola de Arte Dramática de São Paulo e se tornou dramaturga e diretora de teatro. Traduziu, dirigiu e incentivou artistas e companhias iniciantes em Santos. Plínio Marcos foi um dos atores que estavam em seus espetáculos. Como tradutora, escolheu autores como Octavio Paz e James Joyce, entre outros até então inéditos no Brasil na área teatral. Também fez contos policiais, além de desenhos e croquis.
Pagu foi e é uma mulher que vibra e vive dentro de cada uma de nós. Sua vida é de uma inspiração latente. Onde formos buscar, acharemos mais e mais talentos e histórias emaranhadas em cada articulação desse corpo político e artístico vivo e pulsante.
por Soraya Monteiro, Produtora cultural e atriz, é formada em Letras pela Universidade Federal de Viçosa (MG) | Texto em português do Brasil
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