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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

Investigadores portugueses estiveram um mês no mar a estudar sismos

Joaquim Ribeiro
Joaquim Ribeiro
Jornalista

Uma equipa portuguesa integrou uma expedição internacional durante um mês, que realizou o primeiro estudo completo e sistemático da Falha Glória. A campanha oceanográfica M162 – Gloria Flow começou no dia 5 de Março em Ponta Delgada e terminou a 5 de Abril em Lisboa.

Percorreu o oceano Atlântico, ao longo do segmento da fronteira de placas, com cerca de mil quilómetros, que se estende entre os Açores e o estreito de Gibraltar. Foi nessa zona que ocorreu o epicentro dos terramotos de Lisboa de 1755 e 1969 e o sismo de maior magnitude instrumentalmente medido no Atlântico Norte, Europa e África, em 1941, com magnitude 8.4 na escala de Richter. A campanha do navio alemão “Meteor” foi liderada por Christian Hensen, do Geomar, e financiada pela agência alemã DFG (German Science Foundation).

João Casal Duarte, professor do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e investigador do Instituto Dom Luiz, foi um dos portugueses que integrou essa equipa. Explicou-nos que o navio, que tem cerca de 100 metros de comprimento, está dotado de equipamentos de investigação de dois tipos: “um indirecto, onde usamos o som para obter imagens do fundo do mar; e outro de amostragem directa, que consiste em levar equipamentos ao fundo do mar para a recolha de dados”. Essa recolha foi até aos 6.500 metros de profundidade, com câmaras para obtenção de imagens, sensores para medir a temperatura e a existência de gases e um tubo em PVC de três a cinco metros de comprimento, que penetra no fundo do mar e, por sucção, recolhe sedimentos.

A equipa obteve dois tipos de dados. O primeiro resultou do corte longitudinal daqueles tubos. No fundo do mar os sedimentos são muito finos, essencialmente de argila, mas aparecem outros mais grossos, gerados quando naqueles sítios ocorrem sismos e há deslizamentos de terras nas vertentes das montanhas submarinas. “Isso é espectacular porque permite saber o intervalo entre sismos grandes, o que nós chamamos de ciclo sísmico. No fundo é aquilo que andamos sempre à procura, de quando é que ocorre um novo sismo. Nós, não sabendo ainda prever, podemos ter uma ideia de quanto em quanto tempo é que estes sismos ocorrem, o que é essencial para prepararmos estratégias. Podemos ter uma ideia de quantos sismos é que ocorreram nos últimos 80 mil anos e a sua periodicidade”, contou-nos o cientista.

Por outro lado, prossegue João Duarte, “nós sabemos que a água do mar penetra na rocha e enfraquece-a, acabando por potenciar os sismos. Nós já conhecemos esse processo, mas irmos lá recolher amostras permite-nos perceber melhor como é que se geram esses grandes sismos”.

A equipa de cerca de 25 cientistas integrou geólogos, químicos, físicos e biólogos. “Já tinham sido realizados muitos estudos ao longo da nossa costa, em áreas muito localizadas, e também nas fontes hidrotermais nos Açores, mas agora foi a primeira vez que se fez de forma sistemática ao longo desta falha, o que nos permite fazer um estudo comparado de toda a estrutura, ver qual é a zona mais activa ou menos activa e que tipo de processos é que ocorrem”, explicou.

A viagem coincidiu com a pandemia de Covid-19, com a redução significativa da actividade humana em todo o mundo. Isso tornou o planeta mais silencioso, o que acabou por ajudar os investigadores: “nós usamos o som que se propaga ao longo da coluna de água e uma das coisas que interfere são os navios no mar a passar. No dia 5 de Março estávamos no início da pandemia e conseguíamos ver alguns navios a passar ao longe, mas ao fim de três semanas deixámos de ver aviões e navios e desse ponto de vista as condições melhoram para nós”.

Por outro lado “isso faz-nos pensar que os processos estão todos ligados e nós temos impacto no planeta”, disse João Casal Duarte, que nos relatou ter encontrado lixo a 6.500 metros de profundidade numa zona inóspita do oceano, longe de tudo.

Desde que saiu dos Açores até chegar a Lisboa a equipa de investigação nunca mais viu terra. As cerca de 50 pessoas a bordo, entre cientistas e tripulantes, partilharam o mesmo espaço durante um mês. O barco especialmente preparado para investigação científica tinha boas condições. Só que ao fim de duas semanas já não existiam produtos frescos na dispensa, só congelados e enlatados, e isso “começa a ser estranho e obriga a estar uma ou duas semanas em modo de sobrevivência, com a agravante de aquilo estar sempre a mexer”. Pelo caminho apanharam duas tempestades, “uma conseguimos mais ou menos evitar mas apanhámos outra com ondas de sete metros. É bastante difícil dormir, parece um carrossel. Mas faz parte da experiência”, lembrou João Duarte, que referiu ainda aquilo a que chamou o “efeito big brother”. Significa que, “não podemos sair dali para dar uma voltinha. Quando está mau tempo não se pode ir lá fora. Parece que estamos dentro de um submarino durante dois ou três dias”. As comunicações também eram limitadas, apenas por satélite, e só havia dois computadores no navio onde se podia consultar a internet, mas muito lenta.

Em terra firme a pandemia da Covid-19 agravou-se muito num mês e o regresso do “Meteor” foi atribulado. “Nós éramos para ter desembarcado nas Canárias mas a Espanha fechou todos os portos. Os alemães não queriam desembarcar em Portugal, porque tinham de ficar de quarentena, mas se fossemos para a Alemanha depois não tínhamos maneira de voltar para Portugal. Houve situações complicadas com os colegas da Croácia e da Suíça”, recordou. O desembarque acabou por ser em Lisboa, mas o navio não foi ao porto, subiu um pouco o Tejo e foi uma lancha buscá-los.

A equipa portuguesa, para além de João Casal Duarte, contou ainda com Luís Batista, geólogo do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), e o seu orientador de doutoramento, Pedro Terrinha, professor universitário e chefe da Divisão de Geologia e Geo Recursos Marinhos do IPMA. Helena Adão e Katarzyna Sroczynska, ambas do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente da Universidade de Évora; e Pedro Nogueira, professor da Universidade de Évora e investigador no Instituto de Ciências da Terra, completaram a equipa portuguesa nessa expedição científica.


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