A notícia não mereceu, obviamente, a abertura dos telejornais, nem a capa das melhores revistas e jornais, nem os sons da rádio e os soluços das redes sociais – nem sequer motivará a emoção de muitos dos nossos leitores, estamos certos disso. Todavia, o retorno à liberdade religiosa em alguns pontos do mundo agora menos sufocados pelo terrorismo, é um mote de grande importância, uma extraordinária exceção num mundo que, aparentemente, regride em tantas facetas da liberdade.
A miséria no Brasil provocada pela nova política de Estado – cortando salários, subsídios e direitos – devia estar ao lado desta notícia, é claro. Porque ambas lidam com a menoridade do homem e o desprezo que lhe é votado, porque ambas exigem a nossa revolta, a nossa atenção, a nossa mobilização.
Outro tanto se aplica aos registos que denunciam a loucura de Rodrigo Duterte, o presidente das Filipinas, eleito em maio de 2016, um ditador que tem o discurso aplaudido do assassino que é, pondo em prática promessas que fez na campanha eleitoral e que, de forma democrática, o legitimaram (até ao mês passado, na capital, Manila, quase cinco mil pessoas tinham sido mortas pela polícia ou por esquadrões da morte — sem julgamento ou prova de que fossem criminosas. Em dezembro, já são 6.000, o que perfaz uma média diária de 37 assassinatos).
Ou então, a lista ingrata de todos os pontos do globo onde se morre de fome e de subnutrição, ainda sob os efeitos de guerras sempre insanas. Podíamos por nos escaparates Angola e Moçambique, o Chade ou o Níger, o Sudão ou as fábricas onde as crianças, um pouco por todo o mundo, trabalham para a riqueza dos privilegiados deste mundo. Podíamos relembrar a Ucrânia, os atentados aos direitos humanos na China, a vergonha da Coreia do Norte. Não ficaríamos por aí.
É que não há bitolas, isto é, medidas, para apurar o que é mais terrível. Se aquilo que se sofre num ponto do mundo é mais vibrante que noutro ponto, já que a cobardia que lhe está na origem é sempre equivalente. O que sabemos, sem equívoco, é que o Homem quando deixa de ser o centro das prioridades e da sensibilidade, sofre os efeitos do que, sendo desumano, o contradiz e aniquila.
Viremos a atenção, apenas, para Mossul, no Iraque.
É ali que vai travar-se uma das próximas grandes batalhas da história. Estamos a falar de pouco mais de 200 quilómetros quadrados de uma cidade mártir, onde o único hospital digno desse nome é uma tenda militar que sofre ataques diariamente. Mais próximos, só os hospitais de Erbil, capital do Curdistão (a 80 quilómetros de Mossul), para onde são levados muitos feridos.
A ONU calcula em milhão e meio de pessoas, 600 mil crianças, as que vivem em Mossul, a maior parte em áreas controladas pelos assassinos que se autodenominam Estado Islâmico. Ali impera a repressão, o terror, a fome – a escassez de alimentos e de água é cada vez mais evidente.
O facto de viverem sob o domínio dos terroristas, tem, paradoxalmente um efeito aparentemente positivo: isso ainda os afasta das batalhas mais intensas ou dos bombardeios aéreos, que ocorrem noutras frentes. Mas sabe-se que as coligações que combatem os terroristas avançam em direção a essas áreas, concentradas sobretudo na margem ocidental do rio Tigre. Espera-se, portanto, que o número de vítimas civis cresça a breve trecho.
Mossul não é apenas um grande alvo estratégico, mas é-o também da cobiça internacional. É que ali concentra-se o produto de muitos roubos perpetrados pelos exércitos assassinos dos fundamentalistas . Uma das práticas dos terroristas é a pilhagem e o assalto a bancos.
O ouro acumulado em Mossul já terá muitas toneladas. A ousadia fez mesmo com que os marginais anunciassem que iriam cunhar a sua própria moeda – o dinar (a mesma que circulava na península arábica no século VII). Trata-se muito provavelmente de um momento de propaganda e autopromoção, pois ninguém a aceitaria, internacionalmente, como moeda.
Já o ouro tem servido, ao lado do petróleo, para comprar armas, alimentos, fardas e munições, assim como para pagar aos terroristas que, no mundo, fazem os atentados em seu nome.
Nada disto é grande novidade. Nem mesmo o constatar que 2017 será um ano muito violento e que as missões de paz precisarão de muito mais e melhor mobilização de todos nós.
Este artigo respeita o AO90