(1884 – 1960)
Médico, escritor e historiador, antifascista, Jaime Cortesão foi uma figura de grande prestígio nos meios da Resistência ao regime de Salazar.
É uma das mais insignes personalidades da cultura portuguesa de meados do século XX, a par de António Sérgio e Azevedo Gomes. Destacado intelectual, político e homem de intervenção cívica, foi também um grande historiador, uma personagem ímpar que deixou uma extensa obra, repartida entre a literatura, a poesia, o conto e o drama, e a história (portuguesa e brasileira).
Jaime Cortesão, Médico, escritor e historiador
Nasceu a 29 de Abril de 1884, em Ançã, concelho de Cantanhede, no distrito de Coimbra. A sua trajectória académica é marcada pela mudança de cursos, com passagens pela Universidade de Coimbra, pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto e pela Universidade de Lisboa, onde concluiu a sua licenciatura em medicina[1]. Participou nas manifestações estudantis do período em que foi estudante (1898-1910), tendo tido um papel de relevo na Greve Académica de 1907, quando então frequentava o curso no Porto. Foi professor no Porto de 1911 a 1915.
Simpatizava com os ideais anarquistas, mas defendia o republicanismo democrático. Ingressou na Maçonaria, em 1911 (foi maçon com o nome simbólico de Guyau, na Loja Redenção, de Coimbra). Esta diversidade de interesses e a paixão política encurtaram a sua carreira como médico.
Envolveu-se no movimento revolucionário de 14 de Maio de 1915 e entrou na Guerra de 1914-1918 como voluntário do Corpo Expedicionário Português, no posto de capitão-médico miliciano. Nesta qualidade participou na Campanha da Flandres (1918), foi ferido em combate e foi-lhe atribuída a Cruz de Guerra. Posteriormente, escreveu um livro sobre este episódio da sua vida, sob o título “Memórias da Grande Guerra”.
Apesar de ter optado pela medicina, Cortesão manifestou, desde cedo, o gosto pelas letras, colaborando na edição de revistas literárias e de crítica social. Com Leonardo Coimbra e outros intelectuais, fundou em 1907 a revista Nova Silva. Em 1910, com Teixeira de Pascoaes, colaborou na fundação da revista A Águia, e em 1912 dá início à Renascença Portuguesa . Em 1921, separando-se da Renascença Portuguesa, é um dos fundadores da revista Seara Nova[1].
Destacado intelectual, político e homem de intervenção cívica
No Parlamento, foi deputado, pelo círculo do Porto, nas fileiras do Partido Democrático de Afonso Costa, do qual se afastou em 1917. Lutou contra o Sidonismo e participou nas revoltas monárquicas de 1919. Depois da guerra, assumiu um posicionamento apartidário, embora mantivesse uma crítica atenta relativamente ao poder. Após participar como voluntário no combate à Monarquia do Norte, assumiu o cargo de director da Biblioteca Nacional de Lisboa, de 1919 a 1927. No entanto, apesar de se manter distanciado das lides partidárias, não se afasta da actividade política e participa no Grupo de Propaganda e Acção Republicana e na União Cívica, entre 1922 e 1923. Ainda em 1922, acompanha António José de Almeida na sua visita oficial ao Brasil, onde tem contactos com intelectuais brasileiros.
Exila-se em Espanha e em França
Com o advento da ditadura, participa da revolta de 3 de Fevereiro de 1927, sendo obrigado a exilar-se na Galiza, e, posteriormente, em França. Regressa a Espanha em 1931, já acompanhado de Moura Pinto e Jaime de Morais, sendo um dos «Budas»[1] e desenvolve acção política em Madrid, em contacto directo com os socialistas espanhóis. Durante este período trava amizade com o escritor Alfonso Castelao, fundador do Partido Galeguista, e com outros membros dos movimentos nacionalistas espanhóis. Em 1934 foi um dos envolvidos no fornecimento de armas para a Revolta das Astúrias, e foi obrigado a exilar-se em França, onde permaneceu até 1935 . De regresso a Madrid, acompanha o governo republicano após o golpe de Franco.
Participa do II Congresso Internacional de Escritores Antifascistas, realizado, em Julho de 1937, nas cidades de Barcelona, Valência e Paris. Envolvido no Plano Lusitânia, é o responsável por alguns dos contactos externos do grupo dos «Budas», entre os quais Armando Cortesão, seu irmão e representante do grupo em Inglaterra. Em Fevereiro de 1939, juntamente com Jaime de Morais e as respectivas famílias, atravessa os Pirenéus a caminho de França. Ali permanece até 1940, escrevendo textos de propaganda sobre a guerra para o governo inglês, por intervenção do irmão. Em Junho do mesmo ano, quando, ao lado de Morais, volta ao território português, é preso juntamente com a restante família e acompanhantes. Permanece na cadeia até o mês de Outubro e embarca, depois, com um passaporte de turista (visado pela polícia política PVDE) para o Brasil, onde chega em Novembro do mesmo ano. A sua reputação como historiador e intelectual permite que ocupe o lugar de Bibliotecário no Real Gabinete Português de Leitura, apesar do conservadorismo e da reserva dos dirigentes relativamente ao ilustre exilado. Permanece no cargo até 1944, ano em que vai ser professor no Instituto do Itamaraty, do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Neste mesmo ano, é agraciado com a Ordem do Cruzeiro do Sul pelo governo brasileiro.
Para além das actividades intelectuais, mantém-se activo em termos políticos, integrando os protestos promovidos pelos «Budas» e participando em reuniões e manifestações públicas.
Nunca desistiu de lutar pelo restabelecimento da democracia em Portugal
Durante o longo período de exílio não desistiu de lutar pelo restabelecimento da democracia em Portugal e produziu uma grandiosa obra histórica, da qual constam: “Os factores democráticos na formação de Portugal” ; estudos sobre a História dos Descobrimentos, incluídos na História de Portugal dirigida por Damião Peres e na Historia de America y de los Pueblos Amercianos, volumes III e XVII e n’ Os Descobrimentos Portugueses; A Carta de Pêro Vaz de Caminha e Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid.
No Brasil, além de dar continuidade aos trabalhos históricos, colaborou em periódicos e proferiu conferências.
Entre 2 de Agosto e 5 de Setembro de 1942, publica uma série de artigos no jornal A Manhã, do Rio de Janeiro, sobre Alexandre de Gusmão. Também o faz em outros periódicos, como no Diário de Notícias e O Jornal, ambos do Rio de Janeiro. A partir de Setembro de 1946, inicia uma coluna regular neste mesmo jornal, que perdurará até Agosto de 1949, atingindo um total de cerca de 120 artigos, todos eles sobre história e historiografia. Alguns dos artigos são publicados também no periódico “O Estado de São Paulo”, onde continuará a publicar de forma esporádica até 1955. Em 1954 organiza a Exposição Histórica da cidade de São Paulo, em homenagem aos 400 anos da sua fundação. Nessa ocasião, viaja para Portugal, em representação do Brasil e é homenageado pela Oposição anti-salazarista.
Volta para Portugal
Volta para Portugal em 1957, fixando-se aqui definitivamente.
Em 1958 foi eleito presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores e, tendo sido proposto pelo Directório Democrático como candidato à Presidência da República, não aceita. Nestas eleições participa na campanha do candidato da oposição Humberto Delgado, o que o leva à prisão, , em Novembro do mesmo ano, juntamente com António Sérgio, Vieira de Almeida e Azevedo Gomes. Protestos de intelectuais de todo o mundo contribuem para que seja libertado. Debilitado e doente vem a falecer em 14 de Agosto de 1960.
A 30 de Junho de 1980 foi feito grande-oficial da Ordem da Liberdade e a 3 de Julho de 1987 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, ambas a título póstumo.
Obra
- A Morte da Águia (Lisboa, 1910)
- A Arte e a Medicina: Antero de Quental e Sousa Martins (Coimbra, 1910)
- “O Poeta Teixeira de Pascoaes” in: A Águia, 1ª série, Porto, nº 8, 1 de abril de 1911; nº 9, 1 de maio de 1911
- “A Renascença Portuguesa e o ensino da História Pátria” in: A Águia, 1ª série, nº 9, Porto, Set. 1912
- “Da ‘Renascença Portuguesa’ e seus intuitos” in: A Águia, 2ª série, nº 10, Porto, Out. 1912
- “As Universidades Populares”, série de artigos in: A Vida Portuguesa, Porto, 1912-1914
- …Daquém e Dalém Morte, contos, (Porto, 1913)
- Glória Humilde, poesia, (Porto, 1914)
- Cancioneiro Popular. Antologia (Porto, 1914)
- Cantigas do Povo para as Escolas (Porto, 1914)
- “O parasitismo e o anti-historismo. Carta a António Sérgio” in: A Vida Portuguesa, nº 18, Porto, 2 de outubro de 1914
- “Teatro de Guerra”, série de artigos in: O Norte, Porto, 1914
- O Infante de Sagres, drama, (Porto, 1916)
- “Cartilha do Povo. 1º Encontro” in: Portugal e a Guerra, Porto, 1916
- “As afirmações da consciência nacional”, série de artigos in: Atlântida, Lisboa, 1916
- Egas Moniz, drama, (Porto, 1918)
- Memórias da Grande Guerra (1916-1919) (Porto, 1919)
- “A Crise Nacional” in: Seara Nova, nº 2, Lisboa, 5 de novembro de 1921
- Adão e Eva, drama, (Lisboa, 1921)
- A Expedição de Pedro Álvares Cabral e o Descobrimento do Brasil (Lisboa, 1922)
- Itália Azul (Rio de Janeiro; Porto, 1922)
- O Teatro e a Educação Popular (Lisboa, 1922)
- Divina Voluptuosidade, poesia, (Lisboa, 1923)
- Intuitos da União Cívica, União Cívica. Conferências de Propaganda (Porto, 1923)
- “A Reforma da Educação” in: Seara Nova, nº 25, Lisboa, Jul. 1923
- Do sigilo nacional sobre os Descobrimentos (Lisboa, 1924)
- A Tomada e Ocupação de Ceuta (Lisboa, 1925)
- Le Traité de Tordesillas et la Découvert de L’Amérique (Lisboa, 1926)
- O Romance das Ilhas Encantadas (Lisboa, 1926)
- A Expansão dos Portugueses na História da Civilização (Lisboa, 1983 (1ª ed., 1930)
- Os Factores Democráticos na Formação de Portugal (Lisboa, 1964 (1ª ed., 1930)
- História da expansão portuguesa (Lisboa, 1993), colaboração na História de Portugal dirigida por Damião Peres, 1931-1934
- Influência dos Descobrimentos Portugueses na História da Civilização (Lisboa, 1993), colaboração no vol. IV da História de Portugal dirigida por Damião Peres, 1932
- “Cartas à Mocidade” in: Seara Nova, Lisboa, 1940
- Missa da Meia-noite e Outros Poemas, sob o pseudónimo de António Froes (Lisboa, 1940)
- 13 Cartas do cativeiro e do exílio (1940) (Lisboa, 1987)
- “Relações entre a Geografia e a História do Brasil” e “Expansão territorial e povoamento do Brasil” in: História da Expansão Portuguesa no Mundo, dirigida por António Baião, Hernâni Cidade e Manuel Múrias, vol. III, Lisboa, 1940
- O carácter lusitano do descobrimento do Brasil (Lisboa, 1941)
- Teoria Geral dos Descobrimentos Portugueses – A Geografia e a Economia da Restauração (Lisboa, 1940)
- O que o povo canta em Portugal. Trovas, Romances, Orações e Selecção Musical (Rio de Janeiro, 1942)
- Cabral e as Origens do Brasil (Rio de Janeiro, 1944)
- Os Descobrimentos pré-colombinos dos Portugueses (Lisboa, 1997 (1ª ed., 1947)
- Eça de Queiroz e a Questão Social (Lisboa, 1949)
- Os Portugueses no Descobrimento dos Estados Unidos (Lisboa, 1949)
- Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid (Lisboa, 1950)
- Parábola Franciscana, poesia, (Lisboa, 1953)
- O Sentido da Cultura em Portugal no século XIV (Lisboa, 1956)
- Raposo Tavares e a Formação Territorial do Brasil (Rio de Janeiro, 1958)
- A Política de Sigilo nos Descobrimentos nos Tempos do Infante D. Henrique e de D. João II (Lisboa, 1960)
- “Prefácio a modo de memórias” in: O Infante de Sagres, 4ª ed., (Porto, 1960)
- Os Descobrimentos Portugueses, 2 vols., (Lisboa, 1960-1962)
- Introdução à História das Bandeiras, 2 vols., (Lisboa, 1964)
- O Humanismo Universalista dos Portugueses (Lisboa, 1965)
- História do Brasil nos Velhos Mapas (Rio de Janeiro, 1965-1971)
- Portugal – A Terra e o Homem (Lisboa, 1966)
Jaime Cortesão
Em 1910, com Teixeira de Pascoaes, colaborou na fundação da revista A Águia
Guerra de 1914-1918
Jaime Costesão envolveu-se no movimento revolucionário de 14 de Maio de 1915 e entrou na Guerra de 1914-1918 como voluntário do Corpo Expedicionário Português, no posto de capitão-médico miliciano
Memórias da Grande Guerra
Jaime Cortesão participou na Campanha da Flandres (1918), foi ferido em combate e foi-lhe atribuída a Cruz de Guerra. Posteriormente, escreveu um livro sobre este episódio da sua vida, sob o título “Memórias da Grande Guerra”
[1] A indecisão na escolha da sua formação académica, que se manifesta no longo percurso pelo ensino superior (de 1898 a 1910) e pela frequência de diversos cursos deveu-se a uma procura incessante de intervir no real e um prenúncio claro do seu percurso multiforme. Após a frequência do curso de Medicina, na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, conclui a sua formação em Lisboa com a apresentação da tese licenciatura – A Arte e a Medicina. Antero de Quental e Sousa Martins (1910).
[2] O sentimento poético e a vocação para a escrita da poesia emergem durante os conturbados tempos de estudante em Coimbra e no Porto e, embora a sua produção seja mais intensa nos primeiros anos da República, a presença do Poeta será uma constante na produção literária e histórica, bem como na intensa actividade cívica. Antes do seu primeiro, e mais conhecido, livro de poesia – A Morte da Águia (1910), poema heróico – Cortesão publica algumas composições poéticas em periódicos de Coimbra e do Porto, sendo destacar a sua colaboração na Nova Silva (1907), revista que evidencia tendências anarquistas, libertárias e anticlericais e da qual foi fundador com Leonardo Coimbra, Álvaro Pinto e Cláudio Basto. As suas poesias surgem, na generalidade, imbuídas de panteísmo, romantismo, religiosidade, misticismo naturalista e de espiritualismo, inserem-se no movimento literário do Saudosismo, pela confluência de contrastes, sentimentos e ideais, forma de expressão e de estilo, mas integram um elemento que as singulariza, como assinalou Fernando Pessoa: o impulso/dinamismo heroico. A mesma tendência se esboça na escrita dos seus dramas históricos – O Infante de Sagres (1916) e Egas Moniz (1918) – e em Adão e Eva (1921), que ilustra o ambiente convulsionado do Portugal do pós-guerra. Neles se encontra subjacente o objetivo pragmático que atribui à produção dramática, como «instrumento de educação popular», moral e cívica colocado «ao serviço do ressurgimento heroico de Portugal» – in “Jaime Cortesão, por Elisa Neves Travessa”
[3] Grupo dos “Budas” é a designação pela qual ficou conhecido um grupo de opositores ao regime ditatorial português [ Golpe de 28 de Maio de 1926], que se refugiou em Madrid. Neste sector da oposição, que iria exilar-se no Brasil, estavam, entre outros, Jaime de Morais, Jaime Cortesão e Alberto Moura Pinto, que comungavam do ideal republicano, possuindo pontos de contacto com o socialismo. Porém, muitos deles possuíam uma formação política diferenciada, como era o caso de Câmara Pires, com o seu vínculo ao anarquismo. A trajectória deste grupo de exilados é marcada pela busca de apoios de outros sectores da oposição, ultrapassando as divergências políticas em prol de um objectivo comum: o combate ao salazarismo. Para tal, procuravam captar outros apoiantes, tanto na sociedade brasileira, como em outros grupos de exilados portugueses ideologicamente distintos.
Dados biográficos
- Biografias: memória da emigração e do exílio: Exílio: uma história em três dimensões. Estudos biográficos – Jaime Cortesão
- Instituto Camões: Jaime Cortesão, por Elisa Neves Travessa
- SIGARRA U.Porto: Antigos Estudantes Ilustres da Universidade do Porto – Jaime Cortesão
- Wikipédia: Jaime Cortesão
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