Jerusa Pires Ferreira, uma das principais estudiosas da cultura popular e folclórica brasileira, faleceu no dia 21 de abril, aos 81 anos de idade. Nascida em Feira de Santana (BA), mudou-se para Salvador, onde graduou-se em Letras pela Universidade Federal da Bahia, obtendo depois o grau de mestre em História Social pela mesma instituição.
Radicada em São Paulo, Jerusa continuou seus estudos, obtendo os títulos de doutora e livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP). Na capital paulista, onde conheceu e se casou com Boris Schnaidermann, professor de língua russa e tradutor de poetas russos modernos e contemporâneos, Jerusa desenvolveu carreira de pesquisadora, ensaísta e professora universitária, lecionando na Pontifícia Universidade Católica (PUC). Suas pesquisas estavam voltadas a áreas como a oralidade, a memória, o conto popular, a novela de cavalaria e o romance de cordel.
Conforme o poeta e professor de Literatura Portuguesa Horácio Costa, “Jerusa foi criativa em todos os aspectos da existência, mas particularmente para com uma área escura para a dita alta cultura brasileira. O mundo do repositório do imaginário popular, do arquivo oral dos Brasis, do cordel, deverá cada vez mais à sua criatividade e teimosia muito de sua habilitação como objeto de interesse, desvendamento, estudo, para navegar no revolto agora. Jerusa, generosa, fará muita falta”.
Para o poeta, tradutor e editor da Demônio Negro, Vanderley Mendonça, “Jerusa era uma das raríssimas pessoas para se conversar sobre poesia medieval no Brasil. Sua trajetória como professora e pesquisadora abriu portas para dimensões que eu jamais abriria sozinho, não fossem as longas tardes no bairro de Higienópolis, em SP, conversando sobre poesia galega antiga e todas as variantes da poesia provençal”.
Leda Tenório da Mota, ensaísta, tradutora, professora da PUC e colega de Jerusa, recorda que ela foi um dos poucos críticos literários brasileiros que se debruçaram com seriedade sobre o livro A Máquina do Mundo Repensada, de Haroldo de Campos, fato reconhecido pelo próprio poeta paulistano, que “põe a Jerusa no seu testamento”, conforme escreva Leda Tenório, citando-a “em sua última obra crítica publicada em vida, Depoimentos de Oficina (Unimarco, 2002), no capítulo ‘De uma cosmopoesia: sobre a Máquina do Mundo Repensada’”.
Já a professora da PUC Lúcia Santaella, que também conviveu com Jerusa, afirma que “a força da vida brotava dentro de Jerusa Pires Ferreira com o mesmo ímpeto e verdade com que a primavera brota depois do inverno. O riso irônico e o olhar maroto acompanhavam a poesia que não se apartava de sua fala. Quando Jerusa falava, não havia quem não silenciasse em admiração. As palavras esvoaçavam no ar, leves e brilhantes no jorro do talento. Tinha sempre algo a dizer com dupla sabedoria, aquela que cresce pelo bem querer ao outro e à experiência e aquela que se sedimenta no conhecimento. Não por acaso, falava muitas línguas com inimitável desenvoltura e não à toa, sua grande especialidade teórica e empírica estava na poética da voz e da fala que ela arrebanhava desde suas raízes mais populares, tanto no Brasil como no exterior”.
Jerusa Pires Ferreira publicou cerca de 20 livros, entre eles Armadilhas da Memória, Cavalaria em Cordel, O Livro de São Cipriano e Matrizes Impressas do Oral, além de 180 artigos. Ela também foi tradutora de teóricos e ensaístas como Henri Meschonnic e conferencista convidada em diversas universidades europeias. Fará falta, muita falta, ao cenário intelectual brasileiro, neste momento em que o país vive mergulhado nas mais sombrias trevas.
por Claudio Daniel, Poeta, tradutor e ensaísta, é formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, com mestrado e doutorado em Literatura Portuguesa pela USP, além de pós-doutor em Teoria Literária pela UFMG | Texto original em português do Brasil
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