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Terça-feira, Julho 16, 2024

Jihadismo, o filho bastardo dos governos ocidentais

É a conclusão da realizadora e activista norueguesa Deeyah Khan, com base nas suas próprias experiências e na reportagem de fundo que deu origem ao seu mais recente documentário, Jihad: A story of the others.

Durante 18 meses, Deeyah entrevistou alguns dos fundadores do movimento na Grã-Bretanha. Em declarações ao Tornado por ocasião da apresentação do filme no Festival de Cinema dos Direitos Humanos em Genebra (FIFDH), aponta o dedo aos governos ocidentais denunciando políticas que alimentaram um “monstro” que começou por matar muçulmanos em países muçulmanos e hoje se volta contra o mundo ocidental.

Denunciando a hipocrisia de governos que apoiaram grupos jihadistas quando estes lhes eram úteis contra o comunismo soviético ou regimes que decidiram derrubar, a realizadora constata que “o monstro cresceu, foi alimentado, foi armado. Durante muitos anos destruiu muçulmanos. Durante muito tempo estes homens destruíram do interior outros muçulmanos e sociedades muçulmanas e ninguém se preocupou”.

Na Grã-Bretanha encontrou algumas das células mais influentes no processo de expansão do movimento jihadista na Europa e falou com alguns dos líderes mais carismáticos deste período. Identifica ao mesmo tempo o país com maiores responsabilidades no financiamento e organização desta estratégia de disseminação do ensinamento radical em território europeu – a Arábia Saudita, berço da versão mais fundamentalista e primitiva do islamismo: o wahabismo.

“A Arábia Saudita é uma das principais fontes deste cancro e tem espalhado o veneno em todos os nossos países e nas nossas comunidades. Apesar de saberem que assim é, os líderes ocidentais dão medalhas ao regime saudita por combate contra o extremismo,” sublinha.

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Deeyah Khan não espera dos governantes e dos políticos as atitudes de coragem e transparência que a situação actual exige. Isto só acontecerá se forem forçados a isso pela sociedade civil.

Por isso defende que é necessário hoje denunciar e enfrentar o movimento jihadista e os seus líderes, mas também os dirigentes ocidentais, pois “ambos os lados estão errados, ambos se alimentam mutuamente, indiferentes ao preço que pagam os seres humanos e as sociedades”. Não nos podemos dar mais ao luxo de olhar para o lado, “temos de começar a pensar que tipo de sociedade queremos ser”.

Nascida em Oslo de pais de origem Panjabi/Pashtun, Deeyah cresceu entre os requisitos e susceptibilidades asfixiantes da comunidade muçulmana a que pertencia e a rejeição irracional e por vezes violenta de concidadãos que não lhe reconheciam direitos nem dignidade no país natal. Algumas dessas experiências fizeram com que se sentisse impelida a procurar respostas.

Conhecedora das tensões vividas no interior das comunidades e famílias muçulmanas debruçou-se sobre um dos seus aspectos mais chocantes. O tema do seu primeiro documentário, Banaz: A Love Story, é o “assassínio de honra” de Banaz Mahmod, morta em Londres em 2006 por membros da sua família, curdos iraquianos, que a fizeram pagar com a vida a decisão de deixar um marido violento para viver com o homem que amava.

As numerosas conversas que teve com jovens muçulmanos ocidentais durante as filmagens de Jihad: A story of the others, ajudaram-na a perceber que um dos mecanismos que os conduzem ao radicalismo é o sentimento de estarem à margem das oportunidades e sem modelos a seguir.

Sem ancoragem nas famílias e comunidades de origem, sentem-se personae non gratae na sociedade onde cresceram: “Uma questão fundamental subjacente ao problema da radicalização é o acesso ao poder. A maioria dos homens ou mulheres de origem imigrante não tem acesso ao poder, não pode participar no poder”.

Aqueles que recrutam carne para canhão aproximam-se destes jovens e propõe-lhes o papel de combatente heróico e a glória do martírio. “Uma proposta muito atraente, pois muitos deles acreditam que nesta história são eles o herói, já que nas sociedades ocidentais o lugar que lhes é naturalmente reservado é o do mau da fita.”

Terreno fértil para o recrutamento que os extremistas desenvolvem há anos em todo o mundo. Em grande parte dos casos, com o apoio financeiro e ideológico do wahabismo saudita e o consentimento dos governos ocidentais: “Uma das razões que me levaram a querer fazer este documentário foi a intenção de explicar que não se trata de qualquer coisa que caiu do céu ontem.

Este movimento tem vindo a crescer nos últimos 30 ou 40 anos. E muitas vezes com o conhecimento e até com o apoio dos governos ocidentais, directamente ou por negligência”.

A outra peça desta conjuntura favorável ao crescimento do “monstro”, são os média, denuncia Khan, “pois colocam todos os holofotes sobre os terroristas e assassinos e ignoram todos os muçulmanos que se lhes opõem”. Os média existem numa relação viciada de espelhos interdependentes face aos extremistas, alimentam-se do mal que estes produzem e aceitam o jogo perverso no qual cumprem o papel que lhes é proposto por estes.

Face a este filtro mediático e com o objectivo de trazer ao debate sobre o jihadismo as mulheres de origem muçulmana, Deeyah Khan criou a revista online Sister-hood. Explica que a ausência de mulheres no debate torna tudo mais difícil, porque são elas as maiores resistentes, as melhores mediadoras: “Nos lugares de liderança dos nossos países, das nossas comunidades e sociedades, o papel activo das mulheres não é reconhecido, nenhuma das partes do conflito lhes concede um lugar em posições de poder e isto é um erro, pois elas são o elemento de equilíbrio que falta.”

Nota do editor: Em Jihad: A story of the others um dos ex-líderes jihadistas entrevistado por Deeyah Khan é Manwar Ali, conhecido como Shaikh Abu Muntasir, que enviou para a morte centenas de jovens que radicalizou. Na edição de TEDxExeter 2016, Manwar Ali contou a sua experiência.

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