Essencial para o estilo criado por João, o seu canto é uma marca da batida da bossa nova. Com o uso do microfone, João dispensa o excesso e cria um estilo apropriado para o uso do violão, com a emissão de voz próxima à da fala quotidiana, limpa e enxuta como a voz de Dorival Caymmi. A sua dicção era impecável, não denotando qualquer sotaque baiano. A integração voz e violão formavam um todo, único. Por vezes, João usava a voz como instrumento, adiantando ou atrasando o fraseado em relação ao violão numa estudada e precisa imprecisão, caindo em várias posições rítmicas, mas nunca prejudicando o balanço da canção.
Retirando excessos à interpretação, João permitia que a letra da canção criasse emoção a partir da sua própria construção, fugindo da emoção criada por artífices vocais e enriquecendo, naturalmente, a canção. Entre as várias técnicas que usava, estão a ausência de vibratos, conferindo peso emocional à interpretação, retirando o forte e fortíssimo da dinâmica do tema. Outra técnica assentava no complemento harmónico entre a voz e o violão, no qual a voz emite uma nota que não está no acorde do violão, mas o complementa. O rubato funcionada como um jogo de escondidas entre voz e violão, retardando sílabas e frases, deixando o violão seguir adiante para, depois, alcançá-lo, ou então antecipando-se, emendando versos, para depois aguardar a chegada do violão. A sua afinação era absolutamente precisa, embora muitos críticos a condenassem, classificando-a como “desafinada”. João Gilberto também utilizava a voz para criar ritmos, usando técnicas comuns nos conjuntos vocais dos anos 1940 e outras criadas por si. O seu objetivo era encontrar um ponto em que conseguisse falar com perfeição deixando a melodia brotar naturalmente da palavra.
João Gilberto era um melómano artesão das suas músicas, em eterno estado febril de criação, trabalhando dentro de rigorosos limites autoimpostos, sem ostentação de voz, velocidade ou outros enfeites. Passava horas, dias ou meses recompondo, em termos de ritmo, harmonia e melodia, uma canção que ouvira durante a vida, desde sambas a boleros, em português, inglês, italiano ou francês. Desde o início da sua carreira, João procurou o passado da música popular para sensibilizar o presente. A pesquisa pelo passado levou-o a canções de compositores como Janet de Almeida, Herivelto Martins, Noel Rosa, Bororó, Geraldo Pereira, Lamartine Babo e Wilson Batista, entre outros. A seleção correspondia a um critério existencial do próprio João: a maioria dessas canções ele ouvira durante a infância em Juazeiro e Aracajú, na juventude em Salvador ou no início da carreira no Rio. Percebe-se na arte de João Gilberto um projeto nacional, uma aspiração do que o Brasil poderia ser. Usando o samba, ele acabou por mudar toda a estrutura da canção brasileira.
É difícil encontrar na história da música algum movimento que seja atribuído a um nome. João Gilberto fez isso com a bossa nova. Apesar da grande importância de Tom Jobim no movimento, João deu a forma, a possibilidade. Ainda hoje se discute se a bossa nova é um movimento ou um estilo, um momento de jazz ou um capítulo da música popular brasileira. No entanto, é aceite por todos que João Gilberto é o seu pai.
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