(1932 – 2008)
Militante na Resistência contra a ditadura fascista, engenheiro e ensaísta, jornalista, intelectual de renome, foi Secretário de Estado no IV Governo Provisório , fundador do MES e do BE. Ficou conhecido como amante da igualdade e da liberdade, e por ser um independente, marxista heterodoxo, “sartriano revolucionário”. Pensador da esquerda portuguesa, propôs modelos e políticas da transição para o socialismo. A par da grande radicalidade política que o colocava no extremo do espectro político, tinha um sentido crítico e um sentido da realidade social que, frequentemente, o fizeram entrar em choque com os mais dogmáticos. Esteve sempre no centro dos debates sobre o socialismo no século XX[1].
Militante na Resistência contra a ditadura fascista
João Manuel Midosi Bahuto Pereira da Silva Martins Pereira nasceu a 24 de Novembro de 1932, em Lisboa, filho de Carlota do Rosário Midosi Bahuto Pereira da Silva Martins Pereira e de Flávio Martins Pereira, e morreu de cancro, em 13 de Novembro de 2008.
De 1939 a 1942 fez a instrução primária em casa, com uma professora particular; em 1942 entrou no Colégio Académico, mas foi obrigado a interromper as aulas por doença e a fazer um ano de repouso. Entre 1944 e 1949 frequentou o Colégio Valsassina, e aí completou o curso liceal. Em 1950 entrou para o Instituto Superior Técnico (IST), onde frequentou o curso de Engenharia Químico-Industrial. [É durante estes anos que descobre Jean-Paul Sartre, que se tornará uma referência central no seu pensamento]. Aluno brilhante, envolveu-se no Movimento associativo, e entre 1954 e 1956 integrou a Direcção da Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico (AEIST), a convite de José Manuel Prostes da Fonseca, então presidente. Participou nas lutas estudantis contra o Decreto 40.900 (que se propunha extinguir, a médio prazo, as Associações de Estudantes). Recebeu, entre vários outros, o Prémio Mira Fernandes em 1954. Colaborou até 1958 no Boletim da AEIST.
Em 1955, nas férias entre o 5º e o 6º ano do IST, fez um estágio numa empresa siderúrgica francesa e, no regresso a Portugal, foi detido pela PIDE na fronteira de Vilar Formoso[2]. .
E Engenheiro
De 1956 a 1958 cumpriu o serviço militar. Entre 1958 e 1962 trabalhou na CUF (Companhia União Fabril, no Barreiro) e na Siderurgia Nacional. Os anos de trabalho na Siderurgia Nacional são passados em estágios em siderurgias no estrangeiro, na Alemanha e Áustria. Regressou a Portugal, em 1960, e em 1962 deixou a Siderurgia Nacional. Aceitou um convite para ir dirigir uma fábrica de vidro e garrafaria, na Venezuela . Ficará aí apenas um ano, o suficiente para poupar o dinheiro que iria permitir-lhe estudar Sociologia e Economia em Paris[3]. De 1963 a 1964 frequentou o Institut des Sciences Sociales du Travail, onde obteve os certificados de «Sociologia do Trabalho», «Economia do Trabalho» e «Problemas do Trabalho em Países em Vias de Desenvolvimento». Entre os seus professores estiveram Alain Touraine, Michel Rocard e André Philip. Tem então actividade política no M.A.R. – Movimento de Acção Revolucionária) .
João Martins Pereira
De 1965 a 1982 trabalhou no Departamento de Estudos Económicos da Profabril (Centro de Projectos, no Departamento de Estudos Económicos), onde permaneceu até 1982. Criou um núcleo de estudos técnico-económicos, e a partir de 1969, foi Chefe de Serviço de Processo, Estudos Económicos e Agronomia e, a partir de 1971, Director-Adjunto.
E ensaísta
Em 1969 colaborou na campanha da CDE (Comissão Democrática Eleitoral).
De 1970 a 1972 foi assistente de Economia Industrial no ISCEF. Em 1971, publicou na D. Quixote o seu primeiro livro, «Pensar Portugal Hoje».
Em 1974 publicou, nas Edições Afrontamento, «Indústria, Ideologia e Quotidiano» (ensaio sobre o capitalismo em Portugal). Entre 1974 e 1975 foi responsável pela secção económica da revista Vida Mundial, .
Secretário de Estado no IV Governo Provisório
Depois do 25 de Abril, João Martins Pereira teve uma passagem pela governação, em 1975, no IV Governo Provisório, presidido por Vasco Gonçalves. Foi secretário de Estado da Indústria e Tecnologia, a convite do seu amigo João Cravinho, que ocupou a pasta da Indústria e Tecnologia[4]. Quando entrou para o Governo era grande a sua reputação. Na verdade, o seu primeiro livro, «Pensar Portugal Hoje» (D. Quixote, 1971), uma colectânea de artigos cuja primeira edição de 3000 exemplares se esgotou num mês, tinha sido uma obra central para aqueles que ansiavam pela modernização do País e pela democracia[5].
A missão que lhe coube, enquanto secretário de Estado, foi histórica: as nacionalizações das grandes empresas industriais, que vieram na sequência da anterior nacionalização da banca, imediatamente depois do golpe do 11 de Março[6]. As nacionalizações abrangeram a siderurgia, os cimentos, os estaleiros navais, a química pesada e petroquímica, as celuloses. Feitas as nacionalizações, Martins Pereira deixou o Governo, sem conflitos mas desiludido com o rumo da governação e com as inúmeras coisas que não era possível fazer.
Foi fundador do MES e do BE
Foi apoiante de Otelo Saraiva de Carvalho nas presidenciais de 1976, e participou na Convenção fundadora do Bloco de Esquerda. Em 1987 participou na campanha eleitoral do PSR.
De Abril de 1976 a Dezembro de 1977 foi director interino do semanário Gazeta da Semana, um jornal sem publicidade, que acompanhava criticamente o que se ia passando em Portugal e no resto do mundo, dando particular atenção aos movimentos populares . Em 1978 colaborou em Solutions socialistes (org. Serge-Christophe Kolm, Ramsay, Paris). Em 1980 foi director da Gazeta do Mês, que retomou e transformou o projecto da Gazeta da Semana com os mesmos e outros e que durou três números. Publica (edição da Fundação Calouste Gulbenkian) Sistemas Económicos e Consciência Social – para uma teoria do socialismo como sistema global. De 1983 a 1998 trabalhou na TECNINVEST, empresa de projectos e consultadoria ligada à PROFABRIL, como director de projecto e consultor sénior. Também fez projectos e foi consultor para diversas outras entidades, entre as quais o IAPMEI e o Instituto de Prospectiva.
Em 1987 entrou para a redacção do jornal Combate, onde publicou, ao longo dos anos, numerosos artigos, crónicas e notas.
Em 1989 publicou, nas edições Salamandra, O Dito e o Feito – cadernos 1984 -1987, livro em forma de diário. Em 1993 Coordenou, com Francisco Louçã e João Paulo Cotrim, uma antologia de textos de vários autores publicados no jornal Combate, intitulada À Esquerda do Possível ( Edições Colibri).
Pensador da esquerda portuguesa
A sua constante intervenção cívica e intelectual fê-lo passar, em 1967-1968, pelo corpo redactorial da Seara Nova. Em 1969-1970 fez parte do grupo que lançou a segunda série de O Tempo e o Modo, dirigida por João Bénard da Costa, mas iria deixá-la em 1971, quando a revista ficou sob controlo do MRPP.
Integrou a equipa colectiva que publicou, em 1969, o livro Alguns Aspectos do III Plano de Fomento (Ed. Seara Nova) e foi responsável pela secção económica da revista Vida Mundial entre Novembro de 1974 e Março de 1975. Seria mais tarde director interino do semanário Gazeta da Semana e, posteriormente, director da Gazeta do Mês.
Foi autor de inúmeros ensaios e artigos de opinião e de vários livros na área da economia industrial e da história da indústria e do capitalismo em Portugal. Destacam-se: À esquerda do possível (1993), com João Paulo Cotrim e Francisco Louçã; O socialismo, a transição e o caso português; Indústria, ideologia e quotidiano; e Para a História da indústria em Portugal (2005).
Em 1994, por ocasião dos 20 anos do 25 de Abril, foi um dos fundadores da «Abril em Maio – Associação Cultural», onde colaborou durante 10 anos. Nesse mesmo ano fez uma conferência na Câmara Municipal de Matosinhos, intitulada «Indústria e sociedade portuguesa hoje», que veio a ser ser publicada. Em 1999 participou, com uma intervenção de fundo, na convenção fundadora do Bloco de Esquerda.
Publicações e comunicações
Em 2005 publicou, na Imprensa de Ciências Sociais, «Para a História da Indústria em Portugal, 1941-1965: Adubos azotados e siderurgia», resultado de um projecto de investigação que vinha muito de trás e que deixou incompleto . No princípio da década de 90, colaborou com a Delegação Regional de Lisboa e Vale do Tejo, do Instituto do Emprego e Formação Profissional, onde elabora vários pareceres e estudos, em particular na área da formação profissional; participa, a convite do Prof. Mariano Gago, no Grupo de Trabalho do Instituto de Prospectiva que elaborou o relatório português (de que foi relator) para o estudo “The European Challenges Post-1992” da Célula de Prospectiva da Comissão Europeia. Fez uma comunicação intitulada “A indústria perante o desafio da investigação: divórcios, equívocos e mitos” no colóquio “Denúncia do Atraso Científico Português”, Grémio literário, 1991. Participou em vários dos Encontros de Prospectiva realizados na Arrábida.
A lista de obras que publicou inclui inúmeros títulos, que discriminamos abaixo, na nota[7].
João Martins Pereira casou em 1970 com Fátima Bonifácio, de quem iria divorciar-se em 1978. Em 1981, casou com Manuela Vasconcelos. Em 1966 JMP começou a frequentar as «Tertúlias do Vá-Vá», um café onde se encontrava com cinéfilos e “associativos” e onde fez amigos que o acompanharam até ao fim da vida.
Em Dezembro de 2011, o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra disponibilizou online a bibliografia de João Martins Pereira.
Elegia de Majorda, na morte de João Martins Pereira
para a Manuela Vasconcelos
Hoje, sob as ondas doutro mar, na praia de Majorda,
lembrámo-nos de como o João gostava
de quebrar as ondas da nossa praia
e de como saía, congelado e feliz, do frio mar de Odeceixe.Hoje, o sorriso dele atravessou as águas e a luz da tarde quente de Majorda,
Como a consolar o nosso luto.Assim te mando este poema
Só para te dizer que esteve aqui o João, no Mar Arábico,
a rir e a saltar connosco as ondas deste quente mar.
Goa, 14 de Novembro de 2008
Luís Filipe Castro Mendes, Lendas da Índia in João Martins Pereira
[1] As discussões emergentes sobre o socialismo do século XXI, tão necessárias quanto difíceis, não poderão chegar a lado nenhum se não partirem de uma análise rigorosa do que foi o socialismo do século XX. Em Portugal, ninguém o fez melhor que JMP …» – Boaventura de Sousa Santos; «O João Martins Pereira não fazia o circuito das televisões nem dos colóquios (…). Era um conversador extraordinário mas tinha um certa timidez que o mantinha afastado de certos meios. Além de que os seus livros se dirigem a um público um pouco especializado. Mas era sem dúvida o pensador marxista mais criativo em Portugal, de um marxismo que não estava preso a nenhuma ortodoxia.»
[2] A polícia política terá suspeitado de que Martins Pereira, dirigente estudantil, tinha ido participar, em Varsóvia, no 5º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, que reuniu 30.000 jovens de 114 países.
[3] Aprendi na Venezuela mais uma coisa: o papel dos Estados Unidos nos países sul americanos. O petróleo enriqueceu muita gente, mas destruiu a Venezuela. Quer durante a ditadura, que tinha acabado pouco tempo antes de eu chegar e que fora muito apoiada pelos Estados Unidos, quer com a democracia. Ao fim de um ano, como tinha matematicamente previsto antes de ir, parti para Paris. O que lá tinha ganho deu-me efectivamente para isso.
[4] O João Martins Pereira nunca tinha querido estar na acção política directa, assumir cargos políticos, mas quando o fui convidar nessa altura, ele achou que não era possível dizer que não. Tinha a noção de que se tratava de um momento-chave. Lembro-me que me disse algo do género ‘Isto agora é que é. Ou pegamos nisto e levamos isto para a frente ou isto perde-se’»
[5] O livro tinha uma conceptualização ideológica forte, mas não fazia as leituras que na altura eram as convencionais na esquerda. Era um livro aberto, com uma grande frescura analítica, que se opunha àquelas ortodoxias que às vezes não tinham grande apoio na realidade. Não era um livro a preto e branco.»
[6] Naquele contexto, as nacionalizações da indústria eram inevitáveis, As empresas estavam profundamente endividadas e a visão política da época era a de que a consolidação da democracia só seria possível através dessas nacionalizações. A alternativa seria não o fazer e ajudá-las com financiamentos públicos maciços – o que naquele contexto político era impensável – e enveredar por um regime de democracia musculada que continuaria a ser tutelada por esses cinco ou seis grandes grupos económicos – a solução preconizada por Spínola»
[7] Obra publicada:
- 1963 – As instalações da aciaria da Siderurgia Nacional. Lisboa: , 1963
- 1971 – Pensar Portugal Hoje / João Martins Pereira. 1ª ed. e 2ª ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1971
- 1974 – Indústria, ideologia e quotidiano (ensaio sobre o capitalismo em Portugal). Porto: Editora Afrontamento, 1974
- 1975 – Portugal 75: Dependência externa e vias de desenvolvimento. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1975
- 1976 – O Socialismo, a Transição e o Caso Português. Lisboa: Edições Livraria Bertrand, 1976
- 1979 – Pensar Portugal Hoje: Os caminhos actuais do capitalismo português. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 3ª ed., 1979
- 1980 – Sistemas Económicos e Consciência Social: Para uma teoria do socialismo como sistema global. Oeiras: Instituto Gulbenkian de Ciência, 1980 (Colecção Centro de Estudos de Economia Agrária – Instituto Gulbenkian de Ciência) Trabalho realizado com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian
- 1983 – No Reino dos Falsos Avestruzes: Um olhar sobre a política. Lisboa: Edições A Regra do Jogo, 1983
- 1986 – O Dito e o Feito: Cadernos 1984-1987. Lisboa: Edições Salamandra, 1986
- 1988 – Urgent infrastructural needs of portuguese industry in science, research and technology development / João Martins Pereira. 1ª ed. SL: Commission of the European Communities, 1988
- 1995 – Indústria e Sociedade Portuguesa Hoje. Porto: Página a Página, 1995 Realizada no âmbito das “Conferências de Matosinhos – 1ª série”, em 14 de Abril de 1994, por iniciativa da CMM
- 1996 – As PMEs industriais em números. Lisboa: IAPMEI, 1996
- 2002 – “Como entrou a siderurgia em Portugal?”. Comunicação apresentada ao Seminário “Com os Homens do Aço – história, memória e património”, organizado pelo Ecomuseu Municipal do Seixal em 25 e 26 de Outubro de 2002
- 2005 – Para a História de Indústria em Portugal 1941-1965: Adubos azotados e siderurgia. Lisboa: ICS – Imprensa de Ciências Sociais, 2005 (Colecção Estudos e Investigação, 37) – Trabalho realizado no âmbito do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, projecto financiado pelo Observatório das Ciências e das Tecnologias, do Ministério da Ciência e Tecnologia
- 2008 – As Edições Combate publicam As voltas que o capitalismo (não) deu, selecção de textos de João Martins Pereira publicados no jornal Combate entre 1988 e 1999.
Dados biográficos
- O radical que gostava de compreender as coisas
- Wikipédia: João Martins Pereira
- JMPhoto
- UC – PDF: «Bio – Bibliografia João Martins Pereira – E o seu, nosso tempo»
- Esquerda: Obra de João Martins Pereira disponível online
- Entrevista de JMP a Maria João Seixas, na Revista “Pública” de 1 de Abril de 2001
Receba a nossa newsletter
Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.