No seu o Fascismo Catedrático de Salazar: Das origens na I Guerra Mundial à Intervenção Militar na Guerra Civil de Espanha (1914-1939), Jorge Pais de Sousa debruça-se sobre os processos que, nos domínios politico, social e cultural, levaram ao fim da I República e à sua sucessão por um Estado Novo.
No seu o Fascismo Catedrático de Salazar: Das origens na I Guerra Mundial à Intervenção Militar na Guerra Civil de Espanha (1914-1939), Jorge Pais de Sousa debruça-se como dissemos no artigo anterior (Jorge Pais de Sousa e os militares alunos de Salazar) , sobre os processos que, nos domínios politico, social e cultural, levaram ao fim da I República e à sua sucessão por um Estado Novo, mas é de realçar que apoiando-se no historiador da I Guerra Mundial Martin Gilbert o qual, refere, “identificou e equacionou o problema da existência de uma guerra ideológica e de propaganda, paralela e complementar à guerra que era travada nas trincheiras e nos campos de batalha”, definiu um objecto específico do seu estudo:
Neste contexto é nosso objectivo, no domínio específico do confronto ou da guerra ideológica, identificar a emergência e a afirmação crescente de uma linha de comportamento e de intervenção política protagonizada por intelectuais de matriz e de posicionamento nacionalistas. Intelectuais de índole diversa e que plasmaram as suas posições políticas em textos produzidos, na sua diferente qualidade de escritores, jornalistas, artistas plásticos, e até enquanto professores universitários. No entanto, é importante frisar que esta linha de comportamento politico, ao nível do discurso intelectual, foi também ela autónoma dos partidos políticos da I República, mas teve, também ela, como objectivo último combater os resultados da acção política de Afonso Costa e do PRP / Partido Democrático na vida pública.
Não sendo possível reproduzir aqui todos os itinerários percorridos no livro, é de chamar a atenção, ainda num plano essencialmente politico, para as referências à formação da corrente integralista, para o início da intervenção dos católicos enquanto tais nos tempos do Centro Académico de Democracia Cristã (em que nos mostra Salazar e Cerejeira em Março 1914, cada um com uma pistola no bolso do sobretudo, na expectativa de confronto físico com republicanos a propósito da desafectação do culto da Igreja de São João de Almedina e sua integração no Museu Nacional Machado de Castro) e , numa fase mais madura, com a criação do Centro Católico pelo qual Salazar falha uma eleição e consegue outra, por Guimarães, no âmbito de um acordo com os republicanos evolucionistas sendo que Cerejeira, depois de se doutorar em Letras com uma tese sobre Nicolau Clenardo, irá percorrer uma carreira eclesiástica que o levará a Patriarca de Lisboa, e ainda para a existência enquanto tais, de monárquicos “constitucionalistas” e “miguelistas”, divisão atenuada por força de um pacto que reconhecia os direitos de acesso ao trono do ramo miguelista no caso de o ramo constitucional se extinguir, como viria a acontecer 20 anos depois.
Desde o lançamento, sob o Sidonismo, com o apoio de algumas personalidades republicanas, da Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira, com o objectivo de, segundo Jorge Pais de Sousa, “constituir uma liga patriótica que superasse as divisões partidárias e unisse os portugueses em torno de uma figura e de um culto ao herói nacional Nuno Álvares”, que nesta vinha participando um número crescente de personalidades conservadoras.
Baseando-se em Ernesto Castro Leal Jorge Pais de Sousa refere que na segunda fase da vida desta liga, decorrida entre 1921 e 1924 , a sua direcção distrital de Coimbra seria constituída essencialmente por professores universitários católicos: João Serras e Silva (presidente), José Alberto dos Reis (vice-presidente) e António de Oliveira Salazar, Manuel Gonçalves Cerejeira, Fortunato de Almeida e José Beleza dos Santos (vogais) sem que contudo a pertença de Salazar e de Cerejeira esteja referida em textos respectivamente biográfico e auto-biográfico. E regista igualmente:
A fase seguinte, que decorre entre 1924 e 1926 e onde se regista algum declínio da organização, representa um aumento de conflitualidade interna de vias possíveis, entre o presidencialismo republicano, a atracção fascista e o nacionalismo abrangente. A procura de uma solução de compromisso ficou reflectida na constituição de uma Junta Consultiva no ano de 1924, na qual encontramos uma espécie de “federação” de posições políticas por vezes até opostas, como se pode ver pela sua composição: “presidente Pedro José da Cunha; vogais, João Tamagnini Barbosa (presidencialista), João de Castro Osório (fascista), Hipólito Raposo (monárquico integralista), Mário de Aguiar (monárquico constitucionalista), Diogo Pacheco de Amorim (católico), Jorge Alexandre Barreto (democrático), Júlio Cruz (nacionalista), Maciel Bastos Marques (radical), Joaquim Teixeira Beltrão Júnios (miguelista) e Francisco Duarte Salvado (socialista). É nesta fase também que Filomeno da Câmara e Martinho Nobre de Melo, pela sua cumplicidade com o general Gomes da Costa, procuram utilizar a cruzada para conspirarem contra a República e levarem os militares a tomar o poder.
“Só um fascista?”, perguntará o leitor que já terá ouvido falar de alguns destes nomes. A verdade é que Jorge Pais de Sousa, que destaca o impacto do pensamento deste intelectual hoje praticamente olvidado, identifica como tais outros civis e militares que haviam colaborado com Sidónio Pais e vieram a tomar como referência os movimentos de Mussolini em Itália, e de Primo de Rivera, em Espanha, como é o caso de Francisco Homem Cristo Filho que residia em França, entrevistara o Duce em 1923 e publicara a entrevista em livro sob o título Mussolini: Batisseur de L´Avenir. Harangue aux Foules Latines, falecendo num acidente de automóvel em 1928 “quando estava próximo de chegar a Roma e em condições nunca verdadeiramente esclarecidas”, julgou necessário o autor dizer. E, é claro, de António Ferro.
António Ferro, que, mostra o autor, sempre procurou alguém que pudesse eleger como seu Chefe, fosse Sidónio, fosse D´Annunzio que entrevista durante a ocupação de Fiume no pós-guerra pelos voluntários deste, fosse Mussolini, que também entrevistou, fosse Filomeno da Câmara em cujos malogrados golpes de 18 de Abril de 1925 e dos “Fifis” se compromete e que acompanha na sua última passagem por Angola como governador, e que, longe de ser o genial criador da imagem mediática de Salazar, se mostra no livro ter sido estreitamente controlado por este em tal produção.
António Ferro que estaria destinado a estimular e apoiar escritores, artistas plásticos, arquitectos, através de prémios, encomendas e subsídios do SPN/SNI, antes mesmo da criação deste, e até jornalistas, isto é “rapazes, cheios de talento e de mocidade que esperam, ansiosamente, para serem úteis ao seu país, que o Estado se resolva a olhar para eles” , por exemplo os que participavam no movimento futurista tais como Almada Negreiros e Fernando Pessoa, do qual o autor transcreve numerosos escritos, em nome próprio ou do seu heterónimo Álvaro Campos, antes e depois do período da sua militância sidonista, contra a República e as suas principais figuras, designadamente Afonso Costa “Lenine de capote e lenço”, sobre o qual aquando de um grave acidente derivado da queda de um eléctrico já havia dito constituir o desastre um alto ensinamento da “Providência Divina”.
Jorge Pais de Sousa, que não acompanha no seu livro as tentativas do pós-guerra de formação de um grande partido republicano conservador capaz de disputar o poder ao Partido Democrático, mostra contudo que a União Liberal Republicana, que se formou pouco antes do 28 de Maio de 1926, reuniu brevemente, sob a égide de Cunha Leal, republicano que passara pelo sidonismo mas se pronunciara contra as tentativas de restauração monárquica e estaria disposto a aceitar uma “ditadura breve”, de tipo comissarial, mas não uma “ditadura eterna” de tipo soberano, um conjunto de figuras que tinham um passado republicano, como Mendes Cabeçadas e Bissaia Barreto, ou sidonista, como Jorge Botelho Moniz, Teófilo Duarte e Eurico Cameira, ou não tinham experiência anterior de direcção partidária, como Mário Pais de Sousa. Mendes Cabeçadas primeiro presidente do Ministério após o 28 de Maio de 1926 foi rapidamente substituído por Gomes da Costa, sob pressão dos oficiais monárquicos, e Cunha Leal manter-se-á até 1930 nas margens da Situação, mas os seus colegas da direcção da União vão-se na sua maioria afastando dele. Mário Pais de Sousa primeiro governador civil de Coimbra, depois Ministro do Interior, considerado francamente liberal, terá sido o primeiro a anunciar a criação de um Estado Novo.
É conhecido, pelos trabalhos de João Medina e de António Costa Pinto como também no Movimento Nacional Sindicalista de Rolão Preto se produziu uma cisão que levou a maioria dos seus membros para a União Nacional. Pergunta-se então quais seriam as referências aglutinadoras da base de apoio de Salazar.
Apoiando-se em Miguel de Unamuno, que criou a designação “Fascismo de Cátedra” por contraposição a “Socialismo de Cátedra”:
La dictadura del núcleo que representa Oliveira Salazar es una dictadura académico-castrense o, sise quiero, bélico-escolástica. Dictadura de generales – o coroneles – y de catedráticos, com alguma que outra gota eclesiástica,
Jorge Pais de Sousa realça que Salazar chamou a colaborar consigo na pasta das Finanças como Subsecretários de Estado , que a seguir seriam sucessivamente nomeados Ministros, dois doutores de Coimbra – João da Costa Leite (Lumbrales), que lhe sucederia nas cadeiras de Finanças e de Economia Política, e Artur Águedo de Oliveira, que ficaria com a Presidência do então restabelecido Tribunal de Contas – e que nos primeiros anos do Estado Novo muitos catedráticos seriam chamados a exercer funções governativas ou de alta administração.
Em seu apoio não deixa de transcrever uma menção do discurso com que Salazar inaugurou em 22 de Novembro de 1951, o 3º Congresso da União Nacional realizado em Coimbra:
Muitos, lá fora, não atinando com designação apropriada, chamam-nos uma “ditadura de doutores” não depreciativamente – seria falho de senso – mas para exprimir que os universitários puros ou desinteressados exercem entre nós as funções de comando e têm dado ao regime o seu substracto intelectual.
Toda a aparente segurança evidenciada por Salazar não impedia que este, durante algum tempo, pelo menos, se medisse por Afonso Costa, que aliás várias vezes elogiou pelos seus resultados enquanto Ministro das Finanças (1912-1914). Jorge Pais de Sousa identificou o célebre “Sei muito bem o que quero e para onde vou” de uma das primeiras intervenções públicas de Salazar” como a retoma de formula adoptada pelo politico republicano na Moção que apresentou à Câmara dos Deputados em 4 de Março de 1915 em condenação da instauração da ditadura “comissarial” de Pimenta de Castro:
Na moção que vou mandar para a mesa resume-se o meu pensamento. Essa moção é serena, calma, essencialmente, jurídica, própria de homens que sabem o que querem e para onde vão.
E o autor, que ao longo do seu trabalho, sem afectar o rigor e autenticidade da investigação, valores que muito prezava, não deixou de sustentar mais do que uma vez a ilegitimidade dos movimentos contra a República e do derrube de Governos democraticamente constituídos, e se apercebeu de que de algum modo o Estado Novo tinha conseguido apagar ou distorcer muitas memórias desse período, passou a concentrar a sua investigação em Afonso Costa.
Julgo que não a terá concluído antes de falecer, mas depois de ler O Fascismo Catedrático de Salazar ainda mais me repugna a ideia de um roteiro de “figuras históricas” em que em Seia se visita Afonso Costa e em Santa Comba Dão Oliveira Salazar.
Mais tarde, nas “conversas” com António Ferro, este procurará dar a ideia de que Salazar foi a uma sessão e não mais voltou por desinteresse pela actividade do Parlamento, mas na realidade o Centro Católico, que reconhecia a República, procurava na altura obter expressão parlamentar e se a experiência se não prolongou terá sido porque foram convocadas novas eleições na sequência do fracasso político do movimento outubrista de 1921.
Pacto de Dover, assinado em 30 de Janeiro de 2012.
Nação e Nacionalismos : A Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira e as Origens do Estado Novo (1918-1938).
Está hoje em dia esquecido que uma das razões que levou a em Itália ter sido considerada a vitória na I Guerra Mundial como “vitória mutilada” foi o não lhe terem sido anexadas as cidades da Dalmácia entre as quais Fiume, sobre as quais tinha tido historicamente influência e que ficaram integradas na então criada Jugoslávia.
Jorge Pais de Sousa refere-se também ao movimento futurista em Itália, de que um dos expoentes foi Marinetti, referindo que ao contrário do que sucedera com os futuristas portugueses, os seus participantes tinham conhecido individualmente a experiência da guerra.
No que se refere ao “depois”, no jornal “Acção” do Núcleo de Acção Nacional, dirigido por Geraldo Coelho de Jesus, sendo patrão deste nas minas de Porto de Mós o capitalista Soares Franco, financiador do jornal.
O discurso de ódio, em termos que fazem lembrar os actuais comentários on line em muitas publicações, formulados a coberto do anonimato ou de perfis falsos, foi muito utilizado contra a República e os republicanos de várias tendências, como Luís Farinha mostrou a propósito dos Ridículos no seu Cunha Leal, Deputado e Ministro da República. Um notável rebelde.
Segundo informação que nos foi prestada por Luís Reis Torgal, Mário Pais de Sousa era tio do autor. Este assinala existir uma versão das Lições de Finanças de Salazar redigida pelo na altura seu aluno.
Nota no entanto o autor que alguns catedráticos de Coimbra se transferiram para Lisboa de forma a poderem assegurar funções em conselhos de administração de empresas para que haviam sido entretanto nomeados. Também não deixa de se referir à legislação que a partir de 1935 permitiu depurar os corpos docentes universitários e condicionar admissões.
Confrontado com a possibilidade de extinção da Maçonaria, a que se opunha, o próprio Fernando Pessoa viria, segundo colecção de textos editada por José Barreto, a manifestar a sua consideração por Afonso Costa:
Por isso esta confiança, que tenho no Prof. Salazar, me não impõe a mais pequena sombra de aversão a, por exemplo, o Prof. Afonso Costa. Timbro em afirmar por ele a minha absoluta consideração. Esse homem foi o único que cumpriu integralmente, no Governo Provisório, o que prometera na propaganda … Não sou evidentemente seu correligionário, mas não consigo ser seu inimigo. Nego-lhe o meu apoio: não posso negar-lhe o meu respeito.”
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