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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

O Jornalismo? Está bestial. Excepto o facto de não ser

Pedro Pereira Neto
Pedro Pereira Neto
Académico. Ensina comunicação e jornalismo.

Dez directores e uma directora – nota para o diagnóstico habitual que esta constatação permite – aceitaram pronunciar-se sobre a afirmação do Jornalismo, e fizeram-no da forma esperada: reconhecendo dificuldades hetero-impostas e distribuindo responsabilidades como quem dispara confetti para o ar.

Em seu entendimento, de forma mais explícita e bazofienta aqui, de forma mais envergonhada mas igualmente cúmplice ali, a culpa é de toda a gente menos de quem dirige os media, da evolução tecnológica, habitual destinatária silenciosa do determinismo desresponsabilizante de quem não sabe mais ou cujo carácter não permite melhor, até à insubmissão (a um tempo) e à burrice (a outro) das suas audiências.

Quem dirige um meio de comunicação é sempre a vítima injustiçada do drama grego, simultaneamente impotente perante o imprevisto e omnipotente perante o desafio e a medalha; tudo o que não foi tragédia imprevista foi mérito próprio, e o resto é imponderável, é injustiça, é incompreensão, é ilegitimidade alheia.

Perante a crítica ao crescente hiato de estatuto, de rendimento e de visão por parte da classe jornalística, sobra a surpresa, a incompreensão, a vitimização e a garantia de que 2530 das 24 horas do dia são passadas a tratar de questões editoriais, e muito pouco a tratar daquele nojo solidariamente partilhado com a classe: o mundo da finança e do marketing.

Quem, na plateia, se perguntasse se quem dirige ainda sabe o que significam “questões editoriais” levou para casa, não a resposta, mas a pergunta; isto de um congresso sobre jornalismo é coisa onde apenas o CM pode ser ridicularizado pois todos os restantes media e respectivas redacções são ávidos praticantes de yoga deontológico e onde a falta de reflexão sobre a consequência do trabalho da classe perde em brilho para o êxtase colectivo das histórias de vida e para a auto-celebração anti-hetero-censória a que se reserva o direito – o mesmo de que priva diariamente todas e todos as/os que têm a infelicidade de ver-se escrutinados pela sua pena.

Interessa pouco que queiram confundir-se com agentes do meio político, que tenham entronizado a si em espaços de comentário especializado em tudo, que o facto de a realidade precisar de contextualização lhes perturbe a excelência.

Portanto, a única afirmação passível de ser feita a propósito do Jornalismo é a de que está bestial, que o que é bestial no Jornalismo é mérito de quem o dirige, é qualidade de quem o escreve mesmo que cada vez mais não saiba sequer escrever, e que o que é azelhice está sempre para lá do que é possível condicionar-se, é um desafio, e “estamos todos juntos, camaradas, pá”.

A culpa, habitual passageira única da walk of shame jornalística, continuará a ficar à porta, juntamente com a pressão para a última hora não verificada, de braço dado com o estágio não remunerado em substituição contínua e o último “conteúdo” produzido pela “redacção”, e piscando o olho aos panama papers (quem?) e ao facto de o número de títulos escritos de forma foucaulteanamente habilidosa se ter tornado tão frequente como ridículo.

Acompanhar o trabalho jornalístico em Portugal neste momento não é muito diferente de ver (a repetição de) um acidente: toda a gente sabe como termina excepto quem segue na viatura, confiante de que a carteira profissional e o título na porta são o único GPS necessário.

Mas podemos todos regozijar-nos, bater no peito e celebrar a geração jovem que cobriu o evento, que a próxima transfusão está aí e o monstro precisa de carne fresca.

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