O facto de a actual direcção do Sindicato dos Jornalistas ter conseguido ultrapassar esse longo “silêncio” e ter chamado a Casa de Imprensa e o Clube de Jornalistas para co-organizarem este Congresso merece por isso referência.
Os jornalistas nunca foram um grupo profissional homogéneo, desde logo pela natureza do trabalho que realizam, muito baseado na concorrência como é próprio de uma sociedade em que existe liberdade de criação de empresas de comunicação social e em que os novos media tornaram essa concorrência ainda mais acentuada. Algumas discussões antigas que chegaram até hoje sem solução, como sejam a auto-regulação dos jornalistas ou a criação de uma Ordem, contribuíram para dividir a classe, independentemente de os jornalistas serem também acusados de corporativismo perante críticas externas.
A avaliar pelos temas dos painéis o Congresso procura cruzar a discussão das actuais condições de trabalho dos jornalistas com questões relacionadas com a prática do jornalismo, com maior incidência nas condições de trabalho. Dada o vasto número de oradores e a abrangência dos temas, o principal desafio será extrair das intervenções ideias-chave que possam transformar-se em propostas exequíveis para melhorar quer as condições de trabalho quer as práticas do jornalismo.
Teria, a meu ver, sido útil e desafiador organizar um painel de “case studies” para apresentação e debate de casos concretos e polémicos que confrontassem pontos de vista e obrigassem a separar as águas entre o jornalismo e as suas corruptelas. De facto, o Congresso não pode ignorar casos de atropelos à ética e à deontologia, de promiscuidade entre jornalismo e poder económico e judicial, de ausência de pluralismo e diversidade na escolha de comentadores e analistas da área política e económica, de mimetismo entre as agendas dos diversos meios, de sedução do jornalismo pela informação-espectáculo.
Os dados conhecidos de inquéritos à classe preparados para o Congresso revelam uma situação inquietante que aliás não é nova mas que não pode servir de justificação para a deriva do jornalismo e para a sua perda de credibilidade. A luta por condições de trabalho justas – salário, tempo para investigação, protecção social – tem de ir a par da recuperação dos valores da independência, rigor, isenção, distanciamento face às fontes, procura da verdade, que fizeram do jornalismo um caminho da democracia, porque não há democracia sem jornalismo livre e independente nem jornalismo livre e independente sem democracia.