(1922 – 2003)
Cidadão da Resistência antifascista, moçambicano, esteve preso durante 4 anos por lutar contra o colonialismo na sua pátria. Escritor de poemas e contos, homem de extraordinária humildade, gostava de se dizer aprendiz de poeta[1].
Em 1991 foi-lhe atribuído o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa, sublinhando a criatividade do poeta. Por ser uma figura mítica moçambicana e tutelar da jovem literatura, o governo moçambicano, por altura do seu 80º aniversário, consagrou 2002 como “O ano de José Craveirinha”. Traduzido em diversas línguas, o seu nome é uma referência da lusofonia e da cultura africana.
José Craveirinha foi também um prestigiado desportista.
Homem de extraordinária humildade
José Craveirinha nasceu a 28 de maio de 1922, em Lourenço Marques (Maputo), e faleceu a 6 de Fevereiro de 2003 em Joanesburgo, África do Sul. A sua família partiu para Moçambique em 1908, e José Craveirinha iria nascer no bairro da Mafalala e estudar na escola «Primeiro de Janeiro». Filho de um algarvio de Aljezur que fazia versos, aos 8 anos de idade José Craveirinha recitava Camões. Ainda adolescente, começou a frequentar a Associação Africana. Pelos vinte anos iniciou a sua carreira como jornalista no “O Brado Africano”, e a partir daí colaborou em diversos órgãos de informação, em Moçambique.
Fez campanha contra o racismo no Jornal Notícias, onde trabalhava. Teve um papel importante na vida da Associação Africana, na década de 50, e foi seu presidente. Em 1958, começou a trabalhar, também, na Imprensa Nacional, mas continuou no Notícias até à fundação do jornal A Tribuna, em 1962.
Entre 1964 e 1968, José Craveirinha esteve preso pela PIDE. Militante da FRELIMO, envolvido na luta pela independência de Moçambique, já era poeta publicado quando a PIDE o acusou de actividades subversivas e o mandou para a prisão durante 4 anos. Aí conhece o pintor Malangatana e um outro poeta, Rui Nogar, seu conterrâneo.
Como jornalista, colaborou nos periódicos moçambicanos O Brado Africano, Notícias, Tribuna, Notícias da Tarde, Voz de Moçambique, Notícias da Beira, Diário de Moçambique e Voz Africana. Utilizou os seguintes pseudónimos: Mário Vieira, J.C., J. Cravo, José Cravo, Jesuíno Cravo e Abílio Cossa.
Foi o primeiro presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos, entre 1982 e 1987.
“José Craveirinha segurando o retrato da esposa”
Foto: Sérgio Santimano (Maputo- 2000)
A obra literária
Iniciou-se cedo na escrita literária, mas a sua poesia demorou a ser publicada. Em Lisboa, a primeira obra a surgir foi Xigubo, em 1964, editada pela Casa dos Estudantes do Império. A partir de determinada altura, a consciência política do autor passou a reflectir-se em obras como O Grito e O Tambor.
A sua obra é fortemente marcada por um carácter popular e moçambicano. José Craveirinha assume na poesia a sua oposição ao colonialismo e ao regime de Salazar. Juntamente com Noémia de Sousa[2], sua companheira, sua musa inspiradora e também ela poeta, criou o movimento Negritude, influenciado pelo neo-realismo português. A exaltação dos valores africanos contra o racismo da metrópole era o ponto comum das suas produções intelectuais.
Os seus tempos de cárcere serão recordados em Cela 1, livro de poesia lançado em 1980, dezasseis anos depois de o ter escrito.
Publicou:
- Xigubo. Lisboa, Casa dos Estudantes do Império, 1964. 2.ª ed. Maputo, Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1980;
- Cantico a un dio di Catrame (bilingue português/italiano). Milão, Lerici, 1966 (trad. e prefácio Joyce Lussu);
- Karingana ua karingana. Lourenço Marques, Académica, 1974. 2.ª ed., Maputo, Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1982;
- Cela 1. Maputo, Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1980;
- Maria. Lisboa, África Literatura Arte e Cultura, 1988;
- Izbranoe. Moscovo, Molodoya Gvardiya, 1984 (em língua russa);
- Hamina e outros contos, 1997.
“Vila Borghesi e Outros Poemas de Viagem” e “Tâmaras Azedas de Beirute”, obras inéditas do poeta, foram lançadas em 2003, em Maputo, assinalando os 90 anos do poeta.
Autobiografia de José Craveirinha
«Nasci a primeira vez em 28 de Maio de 1922. Isto num domingo.
Chamaram-me Sontinho, diminutivo de Sonto. Isto por parte da minha mãe, claro. Por parte do meu pai, fiquei José. Aonde? Na Av. do Zichacha entre o Alto Maé e como quem vai para o Xipamanine. Bairros de quem? Bairros de pobres. Nasci a segunda vez quando me fizeram descobrir que era mulato. A seguir fui nascendo à medida das circunstâncias impostas pelos outros. Quando o meu pai foi de vez, tive outro pai: o seu irmão. E a partir de cada nascimento eu tinha a felicidade de ver um problema a menos e um dilema a mais. Por isso, muito cedo, a terra natal em termos de Pátria e de opção. Quando a minha mãe foi de vez, outra mãe: Moçambique. A opção por causa do meu pai branco e da minha mãe negra. Nasci ainda mais uma vez no jornal “O Brado Africano”. No mesmo em que também nasceram Rui de Noronha e Noémia de Sousa. Muito desporto marcou-me o corpo e o espírito. Esforço, competição, vitória e derrota, sacrifício até à exaustão. Temperado por tudo isso. Talvez por causa do meu pai, mais agnóstico do que ateu. Talvez por causa do meu pai, encontrando no Amor a sublimação de tudo. Mesmo da Pátria. Ou antes: principalmente da Pátria. Por causa da minha mãe só resignação. Uma luta incessante comigo próprio.
Autodidacta. Minha grande aventura: ser pai. Depois eu casado. Mas casado quando quis[3]. E como quis. Escrever poemas, o meu refúgio, o meu país também. Uma necessidade angustiosa e urgente de ser cidadão desse país, muitas vezes altas horas da noite.»
Prémios e Condecorações
Em Portugal, foi-lhe atribuído o Prémio Camões (1991), tornando-se o primeiro autor africano galardoado com este prémio. Em 1997, Jorge Sampaio distinguiu-o com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique de Portugal.
Antes tinha recebido diversos prémios e galardões, dos quais destacamos:
- Prémio Cidade de Lourenço Marques (1959);
- Prémio Reinaldo Ferreira do Centro de Arte e Cultura da Beira (1961);
- Prémio de Ensaio do Centro de Arte e Cultura da Beira (1961);
- Prémio Alexandre Dáskalos da Casa dos Estudantes do Império, Lisboa, Portugal (1962);
- Prémio Nacional de Poesia de Itália (1975);
- Prémio Lotus da Associação de Escritores Afro-Asiáticos (1983);
- Medalha Nachingwea do Governo de Moçambique (1985);
- Medalha de Mérito da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, Brasil (1987).
Em sua homenagem, a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), em parceria com a HCB (Hidroeléctrica de Cahora Bassa), instituiu em 2003, o Prémio José Craveirinha de Literatura.
Vice-presidente do Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa, escritor galardoado com o prémio “Vida Literária” da Associação de Escritores Moçambicanos, foi homenageado no dia 28 de maio de 2002, na sequência da iniciativa do governo moçambicano em consagrar o ano de 2002 a José Craveirinha.
[1] Na entrevista que concedeu à rádio pública portuguesa, em 1989, confessava que ainda não se adaptara à ideia de que era um escritor. Tinha 67 anos, muitos livros publicados e uma longa lista de distinções. Faltavam dois anos para receber o Prémio Camões.
[2] Noémia de Sousa (1926 – 2002) – ver biografia em Antifascistas da Resistência.
[3] Foi casado com Maria de Lurdes Nicolau Batista Craveirinha, falecida em 1979, e desse casamento teve um filho, José Craveirinha.
Dados biográficos
- Wikipédia: José Craveirinha
- Ensina: José Craveirinha, um mito da poesia moçambicana
- Escritas.org: José Craveirinha
- Templo Cultural Delfos: José Craveirinha – os tambores poéticos do grito negro
- Infopédia: José Craveirinha