Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória, é um verso escrito por José Régio num poema sobre a sua cidade adotiva, Portalegre.
Quando desenhei o retrato de um dos meus escritores preferidos fui reler pensamentos seus em textos que escreveu.
Ficou-me o eco vindo do mesmo poema sobre Coisas que terei pudor, De contar seja a quem for.
Todos temos uma intimidade a defender e só nos vamos deitar no sofá de Freud quando disso sentimos necessidade e quando o terapeuta nos ouve, nas nossa dúvidas e razões, nas nossas memórias, e aceita que aquelas coisas, coisas intimas que teremos pudor de contar seja a quem for, possam ficar ainda retidas pelo filtro da angústia e da apreensão.
O terapeuta não ama o doente. Respeita-o e respeita o fluxo de sentimentos, afetos, relutâncias, incertezas que afluem à consciência, dos quais alguns são verbalizados, outros se mantêm fora da inspeção.
Alias, o terapeuta ou um bom psiquiatra não faz a inspeção abusiva de quem ocorre a pedir ajuda. Aguarda que o cliente consiga dar voz aos temores, à náusea , a angústia que o levou a deitar-se para deixar cair as pálpebras e tentar entrar nas zonas sombrias de conflito interno.
Claro que o terapeuta ou o psiquiatra não vai julgar o doente. Vai tentar compreender, aceitar e adquirir a visão, a perspetiva pela qual quem sofre entrou em via de sofrimento.
O oposto acontece com familiares e amigos dedicados que querem à viva força vergar a pessoa em sofrimento a reconhecer que sofre de uma patologia socialmente condenável que a pode levar a ser apontada a dedo como a louca. Porque se ainda fosse a original outro julgamento se faria.
Aí um familiar cheio de obsidiante amor acusa o amigo ou parente querido de levitar nos Céus que lá em cima, estrelados, boiando em lua, ou fechados, nos seus turbilhões de trevas, que parecem engoli-lo.
Uso novamente linhas de José Régio mais sucintas e aceradas do que as minhas.
Fitando o amor suspenso nas palavras acusatórias, o alvo de tanto amor fica siderado de silêncio imenso, E sente o chão a fugir-lhe.
É muito difícil escapar ao amor e ao apego de quem nos diz que nos ama e quer proteger, quando sentimos que tanto amor obsidiante é uma carga que não ajuda, mas afunda, da qual só queremos fugir.
É impossível respirar em ritmo sereno quando nos tentam forçar a admitir que o nosso comportamento é aberrante sobretudo quando não temos memória disso.
Daquela Bela Varanda, Daquela Minha Janela que é a minha face exposta, quando inocente me rio, pode assomar o escuro nos recantos, cheios de medo e sossego, de silêncios e de espantos, à qual quis como se fora tão feita ao gosto de outrora, como ao do meu aconchego e descanso.
Nem tudo sabemos sobre nós próprios, nem das vaga que nos agitam e trazem à praia da nossa pele, uma espuma que já deixamos de sentir.
Cada um de nós é uma ilha, que se sente tranquilamente sozinha, a menos que o amor obsidiante dos outros nos queira invadir, acusando, de não querermos reconhecer turbilhões de trevas esquecidas.
Não, nem amigos nem parentes cheios e sôfregos de amor asfixiante, podem trazer paz e consolo às dúvidas que nos atormentam o sono e os sonhos. Não não são eles que podem, com as suas dúvidas e temores obsessivos, preencher as lacunas das nossas dúvidas, náuseas e tormentos.
É melhor não tentar entrar ruidosa e inquisitorialmente na mente dos outros para os ajudar com um amor aflito.
Com José Régio, por aqui me fico.
Ilustração: José Régio, de Beatriz Lamas Oliveira
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
Transferência Bancária
Nome: Quarto Poder Associação Cívica e Cultural
Banco: Montepio Geral
IBAN: PT50 0036 0039 9910 0321 080 93
SWIFT/BIC: MPIOPTPL
Pagamento de Serviços
Entidade: 21 312
Referência: 122 651 941
Valor: (desde €1)
Pagamento PayPal
Envie-nos o comprovativo para o seguinte endereço electrónico: [email protected]
Ao fazer o envio, indique o seu nome, número de contribuinte e morada, que oportunamente lhe enviaremos um recibo via e-mail.