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Segunda-feira, Novembro 4, 2024

Júlio Martins

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

(1926 – 1978)

Engenheiro agrónomo, Júlio Martins dedicou grande parte da sua vida à luta antifascista, passando, entre 1950 e 1969, quando foi libertado pela última vez, mais de doze anos nas prisões fascistas. Sofreu os horrores das torturas da polícia política.

Homem íntegro, militante comunista, sereno na comunicação e corajoso na acção, entregou-se inteiramente à luta pela dignificação da vida dos mais pobres e explorados. Até morrer, aos 52 anos, acreditou sempre numa «sociedade humanizada, em que todos pudessem ser felizes». Depois do 25 de Abril de 1974 empenhou-se, com todo o seu saber técnico e científico, no apoio às estruturas da Reforma Agrária. O Curso de Agronomia fez dele um técnico de excelente qualidade nesse apoio, e a sua capacidade de diálogo enraizou-o no coração dos trabalhadores alentejanos.

«Júlio Martins é daqueles homens que nunca partem. Pela força do legado e do exemplo caminha ao nosso lado» – escreveu-se nos jornais diários do dia do seu enterro. Quisemos com esta biografia recordar um cidadão afinal praticamente esquecido 40 anos depois da sua morte.

Começou a actividade política com apenas 13 anos

Filho de Maria Josefina da Conceição Rocha e Silva e de José Martins Pacheco, grande proprietário rural, Júlio da Conceição Silva Martins nasceu em Figueiredo, freguesia de Pinheiro de Bemposta, concelho de Oliveira de Azeméis, em 31 de Julho de 1926. Provavelmente, por influência do irmão José Augusto da Silva Martins, importante quadro do Partido Comunista em finais da década de 30 e anos 40, das irmãs, nomeadamente Armanda Forjaz Lacerda (cuja biografia se encontra aqui) e cunhado, aderiu àquele com apenas 13 anos, quando ainda era estudante liceal.

Até 1945, envolveu-se em actividades no Norte do país e depois, até 1949, enquanto aluno do Instituto Superior de Agronomia, integrou o MUD Juvenil, participou na campanha presidencial de Norton de Matos e envolveu-se no Movimento Nacional Democrático (MND).

A primeira prisão aconteceu aos 23 anos, no dia 24 de Junho de 1950, quando se preparava para distribuir propaganda do MND (em que se pedia eleições livres, abolição da PIDE, abolição da censura, Paz, ampla amnistia, direito ao trabalho e extinção do Tarrafal), tendo Júlio Martins considerado aquela agremiação justa e legal, seguindo as orientações publicamente defendidas pelo general Norton de Matos. Enviado para o Aljube, onde lhe foi recusada a visita de duas irmãs, e transferido para Caxias em 29 de Agosto, foi libertado ao fim de dois meses e meio, em 4 de Setembro.

Frequentou o Instituto Superior de Agronomia, onde foi colega de Amílcar Cabral, e formou-se com a classificação de 19 valores. Integrado na tropa depois da prisão, concluiu, em 1951, o serviço militar obrigatório na 1.ª Companhia Disciplinar, em Penamacor e, com pouco mais de 20 anos, foi um dos dirigentes do Movimento Nacional Democrático, tendo integrado a sua Comissão Central desde meados de 1954 (João Madeira). Foi o responsável “pelo aparelho de agitação” e “pelo controlo das Distritais de Lisboa, Beja e Algarve” (João Madeira).

Preso entre o Aljube ou Caxias, consoante as circunstâncias

Foi já como funcionário clandestino do Partido Comunista que, em 8 de Novembro de 1955, foi novamente detido e enviado para o Aljube ou para Caxias, consoante as circunstâncias, já que era naquele que cumpria os castigos em cela disciplinar aplicados pelo Director do Forte de Caxias. Julgado em 26 de Julho de 1956 e condenado a 2 anos e 15 dias de prisão maior, entrou no Forte de Peniche em 16 de Março do ano seguinte, de onde só sairia em liberdade condicional em 17 de Dezembro de 1959, depois de ter iniciado em 6 de Julho de 1958 o cumprimento de medidas de segurança. Nesse período, interveio na organização partidária prisional e, liberto, regressou à militância clandestina.

Em Fevereiro de 1961 foi-lhe revogada a liberdade condicional e passados mandados de captura, sendo detido pela terceira vez em 15 de Dezembro, juntamente com Natália Henriques Soares David Campos, sua companheira, na casa clandestina que ocupavam em Linda-a-Velha. O casal tinha, então, substituído José Dias Coelho e Margarida Tengarrinha no aparelho técnico de falsificações. Nessa mesma data, foram presos Américo Guerreiro de Sousa, Joaquim Pires Jorge e Octávio Pato.

Júlio da Silva Martins foi barbaramente torturado, tendo sido sujeito a onze dias e a onze noites da tortura do sono e espancado durante três dias consecutivos (Irene Pimentel). Mais uma vez, passou pelo Aljube, por Caxias e por Peniche, tendo sido julgado pelo Tribunal Plenário em 24 de Novembro de 1962 e condenado a cinco anos e meio de prisão maior e, em cúmulo jurídico, a oito anos. Saiu em liberdade condicional em 25 de Setembro de 1969 e a definitiva foi-lhe concedida em 14 de Dezembro de 1973. Natália David Campos, também torturada, foi libertada ao fim de seis anos, em 21 de Novembro de 1967.

Depois do 25 de Abril de 74, Júlio Martins, contribuiu para a Reforma Agrária

No jornal O Diário (30/10/78)[1]
Após o 25 de Abril de 1974, foi um dos convidados de honra do primeiro grande comício do Partido Comunista, realizado no Campo Pequeno em 28 de Junho e, em 1975, integrou a lista de deputados pelo círculo de Lisboa à Assembleia Constituinte.

Foi delegado do Ministério do Trabalho nas primeiras convenções de trabalho no Alentejo, Director da Estação de Cultura Mecânica, da Secretaria de Estado da Agricultura, Director de Serviços da Direcção Geral de Hidráulica e Engenharia Agrícola (DGHEA) fez parte da Comissão Revolucionária de Apoio à Reforma Agrária (CRARA) e disseminou junto dos trabalhadores e técnicos, através da participação em reuniões, encontros, conferências e sessões de esclarecimento, o trabalho a desenvolver: ampliação da maquinaria, criação de parques de máquinas e construção de oficinas, aumento e melhoria da produção agrícola e dos efectivos da pecuária, introdução de novas culturas, produção forrageira, formação de quadros operadores de máquinas, cursos para contabilistas, construção de pequenas barragens, apoio à criação das Ligas de Pequenos e Médios Agricultores.

Os latifundiários odiavam-no e Spínola ameaçou-o de que o prenderia pessoalmente, se necessário. (Jornal “O Diário”, 30/10/78).

Dinamizador e co-organizador de várias Conferências da Reforma Agrária, coordenou, em termos técnicos, as ofertas dos países socialistas a nível de maquinaria agrícola, sementes e sémen para gado.

Publicou diversos estudos sobre a sociedade rural e a economia agrária em Portugal, nomeadamente “Estruturas Agrárias em Portugal”, 2 volumes editados pela Prelo em 1973-74, onde demonstra como uma minoria de famílias de latifundiários detinha a maior área do Portugal agrícola. Assinou, em Setembro de 1976, uma rigorosa introdução à segunda edição do livro de Álvaro Cunhal “Contribuição para o Estudo da Questão Agrária” (Edições Avante!, 1976).

Faleceu repentinamente em 25 de Outubro de 1978. Poucos dias antes, um jornal fascista injuriara-o.

No velório e funeral para o Cemitério de Benfica participaram milhares de pessoas, segundo relato do “Diário de Lisboa” (27/10/1978), sendo muitos deles trabalhadores alentejanos e ribatejanos que prometeram que “Faremos brotar o pão que nos ajudaste a produzir”. Américo Leal, em nome do Comité Central do Partido Comunista, evocou o contributo de Júlio Martins para a Reforma Agrária, tendo estado presentes muitos resistentes antifascistas e dirigentes comunistas.

O deputado do PCP Victor Louro, Isaura Madeira Lopes, João Saraiva (ex Presidente da CM Mora e Chefe Gab Grupo Parlam. PCP) e Margarida Tengarrinha do CC do PCP. Recorte do jornal “O Diário” de 30/10/78 (arquivo pessoal de Victor Louro).

[1] Fotografia de Júlio Martins, do jornal O Diário (30/10/78), inserida no artigo que noticiava a sua morte (Arquivo de Victor Louro)

Biografia da autoria de João Esteves com colaboração de Helena Pato

Dados biográficos:

  • Avante!, 26/10/1978 e 02/11/1978
  • Diário de Lisboa, 27/10/1978
  • Irene Flunser Pimentel, A História da PIDE, Círculo de Leitores – Temas e Debates, 2007
  • João Madeira, O Partido Comunista Português e a “Guerra Fria”: “sectarismo”, “desvio de direita”, “Rumo à Vitória” (1949-1965), FCSH – UNL, 2011
  • Informações prestadas por: Victor Louro, António José Madeira Lopes, Irene Pimentel, Luísa Tiago de Oliveira, Vasco Paiva

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