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Quarta-feira, Julho 17, 2024

Juros baixos, riscos altos?

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Atendendo às muitas semelhanças de natureza política, social e económica entre aquele período e a actualidade, justifica-se a questão de saber se a história se repete ou não? e ainda se os actuais banqueiros centrais e políticos podem levar as economias a uma nova e grave crise económica global?

Um recente artigo do Expresso, da autoria de Jorge Nascimento Rodrigues, levanta a questão de saber se os «Juros negativos são positivos?» e explica (bem) as vantagens para os investidores e para os estados mais endividados da Zona Euro (como o português) que assim podem realizar uma reestruturação suave da sua dívida pública e as desvantagens para os aforradores que assim vêem reduzidos os seus ganhos.

Mas, se a questão parece bem respondida porquê voltar a ela?

Porque importa perceber a razão que levou os bancos centrais das principais moedas mundiais a cortar as suas taxas de referência até aos níveis actuais e onde tal opção pode levar a economia global.

Tudo começou com a crise financeira do subprime, iniciada no final do Verão de 2007, quando alguns megabancos entraram em colapso com o eclodir de uma bolha do sector imobiliário alimentada por um novo tipo produtos financeiros, nomeadamente os MBS (mortgage debt-backed securities) que outra coisa não eram senão títulos garantidos por hipotecas de alto risco que foram vendidos como títulos de baixo risco… Quando o mercado imobiliário ruiu, aqueles títulos artificialmente criados também entraram em colapso e os bancos viram-se confrontados com sérias dificuldades financeiras.

Para evitar a falência dos seus grandes bancos, o banco central norte-americano (o Fed), começou a criar moeda para resgatá-los, no que chamou de “Quantitative Easing” e atingiu o montante de mais de três triliões de dólares, com os quais comprou, entre 2008 e 2014, títulos do Tesouro e grandes quantidades de dívidas incobráveis dos bancos privados. Esta iniciativa de flexibilização quantitativa foi lançada no pressuposto de que os bancos assim resgatados deixariam a maior parte das suas recém-criadas reservas excedentárias depositadas no banco central, mas o resultado do excesso de liquidez injectado no sistema bancário foi a continuação do ciclo especulativo e o aumento dos preços dos títulos e dos valores mobiliários e a redução das taxas de juros em geral. Embora com valores inferiores, também o BCE lançou a sua política de flexibilização quantitativa e até um programa de compra de títulos de dívida pública, conhecido por “Securities Markets Programme” (SMP), que abrangeu os países europeus então mais afectados pela subida dos juros como era o caso de Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha e Itália e que atingiu mais de 74 mil milhões de euros.

A crise despoletada pelo subprime – a que os mais conservadores recusam a denominação de sistémica, preferindo o eufemismo de Grande Recessão – foi a mais grave desde a Grande Depressão dos anos 30, com uma duração de quase 2 anos e uma recuperação que se arrastou por mais de 10 anos, que em parte terá sido resolvida pela política de juros baixos implementada pelo Fed norte-americano e pelo europeu BCE.

Com o aumento do número de governos que associam às políticas anti-imigração um modelo de política económica caracterizada pelo proteccionismo comercial e pela redução de impostos para as grandes empresas e os grandes bancos (opção potenciadora do aumento anual dos déficits), é expectável que governos e bancos centrais sejam tentados a baixar as taxas de juros, para aliviarem o fardo do serviço da dívida (essencialmente pagamentos de juros sobre títulos de dívida pública) e tentar evitar atingir o ponto em que se receie que o aumento contínuo das taxas de juro coloque em risco a solvabilidade da dívida pública. Este é actualmente o caso de alguns países europeus, como a Suíça, a Alemanha, a Holanda, a França e a Suécia, embora o paradigma dessa situação seja um Japão que vive há duas décadas com taxas de juros zero e sem claro sinal de recuperação após a sua crise do imobiliário no início dos anos 90 do século passado.

A par com os já referidos riscos de uma política de juros baixos há ainda que ter em atenção que quando um banco central cria moeda para financiar a compra de dívida pública (a chamada “monetização da dívida”) pode, se o fizer em montantes demasiado elevados, originar um processo de inflação galopante ou até hiperinflação. Mesmo que tal não suceda é amplamente reconhecido que quando os bancos centrais reduzem as taxas de juros a níveis ultrabaixos ou negativos, conduzem os investidores à compra de activos que oferecem retornos positivos, mas de maior risco, como acções de empresas ou imóveis, o que pode originar bolhas especulativas naqueles mercados assim transformados em mercados de refúgio. E sempre que isso tem acontecido, sucederam-se os crashes e as bem conhecidas crises económicas.

Esta situação é, em grande parte, uma clara reminiscência da situação da economia norte-americana na década de 1920 que levou à Grande Depressão na década seguinte. De facto, a economia da época estava em crescimento e vivia-se uma situação de pleno emprego e de inflação estável, mas quando o crescimento económico foi ampliado por meio de medidas proteccionistas e o estímulo económico dado pelo aumento dos gastos em obras públicas e pelos cortes de impostos registados na primeira metade da década de 20 foi acompanhado de políticas anti-imigração, a economia sobreaqueceu e sucedeu a catástrofe.

Atendendo às muitas semelhanças de natureza política, social e económica entre aquele período e a actualidade, justifica-se a questão de saber se a história se repete ou não? e ainda se os actuais banqueiros centrais e políticos podem levar as economias a uma nova e grave crise económica global?


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