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Sábado, Dezembro 21, 2024

A justiça é como as serpentes…

Carlos Ademar
Carlos Ademar
Mestre em História Contemporânea, escritor e professor na Escola da Polícia Judiciária

Mestre em História Contemporânea, escritor e professor na Escola da Polícia Judiciária

Mais recentemente e a propósito de mais um escândalo a envolver um banco português, alguém disse, em tom muito sério, que o BANIF é um caso político.

Com o devido respeito pelo autor de certamente tão honesta afirmação, considero que limitar estas questão tão lesivas dos interesses nacionais a meros problemas políticos, tem sido um dos grandes males, se não o maior, do nosso país.

Este como muitos outros casos que envolveram decisões políticas, que acarretaram enormíssimos prejuízos para o erário público, que, naturalmente se repercutiram nos impostos dos portugueses que os pagam, têm, devem ser, casos de polícia.

São decisões que levam ao desvio desses muitos milhares de milhões de euros do que seria o seu destino natural: o equilíbrio das contas; o desenvolvimento do país e do seu povo, e da repartição da riqueza em nome de uma justiça social, que nos últimos anos se transformou de forma crescente numa miragem.

Não queria recuar tanto, mas convém lembrar os objectivos expressos pelos militares de Abril no programa político que apresentaram aos portugueses e com que justificaram o derrube da ditadura e a implantação de um regime democrático, típico das sociedades desenvolvidas da Europa: o combate à corrupção; a justiça social e o desenvolvimento do país, entre outros pontos que depois foram vertidos na Constituição da República em vigor – embora por vezes não pareça.

Os exemplos são muitos e encontramos responsáveis directos nos vários partidos que têm ocupado o poder político nas últimas décadas

Também para não recuarmos muito, lembro a tão badalada e nunca esclarecida questão dos submarinos, que resultou em condenações penais na Alemanha, país onde foram produzidos e vendidos, e na Grécia, país que, como Portugal, os comprou. Porém, neste cantinho da Europa tudo se resumiu a um enorme NADA.

As famosas parcerias público-privadas, mais conhecidas por PPP, contratos assinados pelo Estado com certas empresas privadas para exploração por parte destas de organismos, bens ou serviços até aí estatais, mas em que o lucro chorudo fica garantido para os privados, encarregando-se o Estado das compensações, caso esse lucro não atinja os montantes estabelecidos.

Hospitais, pontes, auto-estradas, tudo tem servido para que o Estado fique cada vez mais pobre não só no presente, mas também no futuro, já que estes contratos são válidos por várias décadas.

Empenhamos o futuro e assim as gerações vindouras, em benefício dos grupos económicos, quase sempre os mesmos

De todo este despautério não resultaram quaisquer penalizações judiciais para quem, em nome do povo aprovou e assinou estes contratos. Para cúmulo, não só não há qualquer tipo de penalização como são premiados com salários chorudos nos conselhos de administração desses grupos económicos, que foram por eles beneficiados enquanto desempenharam cargos políticos de alta responsabilidade política.

De todas estas maldades, para os prevaricadores, em termos de justiça resultou um enorme NADA

Nos últimos anos tem-se destacado a banca, cujos conselhos de administração, usando de manobras subterrâneas, ou nem tanto, têm levado à falência ou à falência iminente as suas organizações.

De forma mais competente ou menos competente, mas sempre polémica, estes problemas graves na banca têm levado os vários governos a intervir com a injecção de milhares de milhões de euros, ou a assumir os seus encargos mais onerosos nos casos de venda ao desbarato.

Recordemos aqui as situações mais delicadas que se verificaram nos últimos tempos no BCP, no Banco Privado Português, no BPN e mais recentemente no BES e no BANIF – vamos ver o que o Montepio nos reserva. Não contando com este último, são cinco entidades bancárias num universo tão reduzido como o nosso, é de assinalar com tristeza.

A crise não pode desculpar tudo

Quem, como este escriba, anda nesta vida há algum tempo e tem memória, facilmente concluirá que nunca tal cenário se deu. Dá mesmo a ideia, e para imagem serve, de que o barco se está a afundar e assim sendo, há que, quais ratos de fato e gravata, retirar rapidamente e pôr em segurança os valores mais altos que se possa para uso pessoal, independentemente do que vier a seguir e de quem fique prejudicado.

Escusado será lembrar que um banco não é como uma outra qualquer empresa que ao falir, os malefícios gerados têm um alcance muito limitado, tocando normalmente ao núcleo de pessoas que nela trabalhava e, eventualmente, mas em menor escala, aos seus fornecedores.

Um banco, ao falir, afecta todos os seus milhares de profissionais e clientes, bem como as empresas que dependem dele ou a ele estão associadas e, em função da dimensão da instituição em causa, pela interdependência existente, pode mesmo pôr em perigo todo o sistema bancário e assim a economia de um país.

São assuntos muito sérios e que, em nossa opinião, não têm sido tratados com a seriedade que merecem

Não é possível que os bancos continuem a dar problemas desta envergadura, um atrás do outro, e nada ou muito pouco se passe em termos penais. Não basta a ameaça da pena contemplada no Código Penal, é preciso que os responsáveis sejam identificados, apurado o grau de responsabilidade, julgados e as penas sejam aplicadas, também como método de dissuasão.

É verdade que João Rendeiro, Oliveira e Costa e Ricardo Espírito Santo Salgado, entre outros, estão a contas com a justiça, mas vejamos o caso de João Rendeiro, cujo processo está mais adiantado, ainda que desconheçamos o real estado em que se encontra.

Foi condenado em primeira instância num dos processos a uma pena pouco mais que irrisória. Ainda assim recorreu, gerando a Relação um acórdão que o absolveu de todos os crimes de que ia acusado. Saiu com um sorriso e a sacudir o pó.

Repito, não conhecemos o caso em pormenor, mas isso não nos pode impedir de estranhar a decisão da instância superior – os casos repetem-se

Será que o povo de Portugal está condenado a que a culpa destes crimes morra solteira e a pagar os desmandos de quem toma decisões perniciosas aos interesses de toda uma nação?

Será que ao agirem desta forma já contam com a bonomia da nossa justiça para estas castas?

Será que Galeano tem razão e que a justiça só é forte com os fracos?

Para ganhar credibilidade, a Justiça deve provar que assim não é, basta que a culpa não morra solteira.

Esta semana, o ministro Vieira da Silva foi à televisão dizer que, de acordo com as informações disponíveis, o Montepio não corre perigo e que por isso não há razões para alarme. Todos torcemos para que assim seja, mas aonde é que nós já ouvimos isto?

Na Islândia, país com pouco mais do que 400 mil habitantes, dizem os jornais que houve 26 banqueiros e vários políticos presos desde 2008, início da crise económica que tocou uma grande parte do mundo.

Portugal tem 10 milhões de habitantes, somam-se os casos vergonhosos, os anos vão passando e, tendo em conta o que fica para trás, o que vemos no horizonte em termos de condenações a banqueiros, a reguladores e a políticos é um enorme NADA!

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